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Cotidiano
O que se vê ao andar pelo bairro, outrora reduto da boemia e do turismo na Capital, são ruas vazias e placas de aluguel ou venda em sequência
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O bar Ó do Borogodó conseguiu se manter em pé após uma vaquinha para pagar o aluguel e outras despesas | Reprodução/Youtube
Aluga-se a Vila Madalena. Com fase mais restritiva de isolamento após 13 meses de pandemia, o que se vê ao andar pelo bairro, outrora reduto da boemia e do turismo na capital paulista, são ruas vazias e placas de aluguel ou venda em sequência. No lugar do samba, o silêncio –e o chope, só se for pra viagem.
Bares tradicionais da famosa esquina entre a rua Fidalga e a rua Aspicuelta, como Filial e Genésio, já frequentados por nomes como Milton Nascimento, Paulinho da Viola e João Bosco, não existem mais. Também fechou as portas o bar do Betinho, deixando órfãos da sua feijoada. A Mercearia São Pedro, ou "Merça" para os mais chegados, e o Empanadas Bar estão apenas no delivery.
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O Canto Madalena foi temporariamente fechado, e o Centro Cultural Rio Verde, que era casa de shows, estúdio, teatro, agora é vazio e decretou o fim. Mas não só. Na lista dos que sucumbiram à quarentena estão de lojas de roupa a salas em prédios comerciais até antiquário. Em frente ao que já foi uma boutique de itens infantis, cresce agora um capim que já beira a metade da porta.
No fim da semana passada, antes de o governador João Doria (PSDB) relaxar parte das restrições para frear o coronavírus no estado, era possível caminhar de ponta a ponta pelo Beco do Batman sem cruzar com ninguém –e, inédito, ver todos os grafites sem as clássicas poses para foto.
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No comércio que ainda resiste, as reclamações ora são contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), principalmente pela demora na vacinação, ora contra Doria, por impor as medidas restritivas.
Desde 15 de março, o Estado está na chamada fase emergencial, a mais dura até agora. Na última segunda-feira (12), o governo estadual permitiu o retorno à fase vermelha, depois relaxada para uma fase de transição.
Celebrações religiosas já ocorreram neste fim de semana, mas bares, restaurantes, academias e salões de beleza só poderão receber clientes, com capacidade muito reduzida e horários restritos, a partir da semana que vem. A boemia, porém, segue vetada: das 20h às 5h, o estado mantém um toque de recolher, ainda que não haja penalização para indivíduos, só para estabelecimentos.
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Os pequenos empresários estão se virando como podem. Alguns já demitiram funcionários, pegaram empréstimos, venderam apartamento e carro, estão negativos com fornecedores. Eles dizem que, como a Vila Madalena é um dos principais pontos turísticos da cidade, a fiscalização é maior do que nos bairros mais distantes.
Uma das opções procuradas no horário do almoço antes da pandemia era o Via Bar. No estabelecimento vazio, o sócio Miguel Silva Correia, 48, lembra que enchia a calçada e o salão de cadeiras. Agora, entrega cerca de 30 PFs pelo delivery por dia.
"Abri hoje a porta aqui só para entrar ventilação. Está péssima a situação, a gente faz marmitex a um preço baixo, R$ 14, porque se for mais, não vende."
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A adaptação, no entanto, não foi suficiente. "Trabalho de domingo a domingo e não paga nem as contas do aluguel, água e luz. Metade fica no vermelho. Colocamos funcionários de férias, reduzimos salários. Vamos ver até quando a gente aguenta. A maior parte [do comércio] por aqui já fechou", diz, enquanto aponta várias lojas no entorno que faliram.
Parado em frente a uma padaria do bairro junto a uma dezena de motoboys, Alecsandro Silva, 36, diz que até o delivery tem minguado. No início da quarentena, os pedidos explodiram, mas agora parece que o bolso da clientela também esvaziou.
Numa sexta-feira, ele esperava havia quatro horas para fazer a primeira entrega do dia, que ainda não tinha tocado no aplicativo. O operador de empilhadeira desempregado sai de Osasco para trabalhar das 8h às 22h no bairro da zona oeste e ganhar, num dia bom, R$ 100.
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"É o que tá tendo no momento, para não ficar parado. Como leva o pão, o leite, para casa?"
Humberto Munhoz, sócio do O Pasquim, um dos pontos mais tradicionais da rua Aspicuelta, viu o faturamento sair da casa do milhão para zero. Ele critica a gestão de Doria na pandemia, que, segundo o empresário, não resolve o problema nem da economia nem da saúde.
"Esse pseudo-lockdown em São Paulo é insustentável. Temos que tirar essa visão de empresário endinheirado e genocida. Somos um setor que tem todos os protocolos de saúde estabelecidos para poder operar e não aguenta mais ficar fechado. E não é só o empresário que vai perder, mas um monte de trabalhador que vai ficar sem o sustento da família", diz ele, que já demitiu 17 funcionários.
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O protocolo que segue inclui mesas distantes, medição de temperatura, álcool em gel, garçom com máscara, cardápio digital. Na fase menos restritiva, chegou até a abrir, mas "o que você faz num bar até 20h? Nada. O que adianta inventar um protocolo e fechar? Ele ferrou um monte de CNPJ, CLTs e não salvou vidas", diz o empresário sobre o governador.
Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), o crescimento médio de 4,5% ao ano entre 2006 e 2019 no setor foi abruptamente interrompido no ano passado, quando o país perdeu 3 em cada 10 negócios de alimentação –ou 300 mil estabelecimentos.
Os empresários temem novo colapso com a demora da aprovação de novas medidas de auxílio pelo governo federal. Eles esperavam a renovação do Programa de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm) pelo Ministério da Economia. A expectativa é de que seria divulgado junto do anúncio da volta do Auxílio Emergencial, o que não ocorreu.
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Mas alguns cantinhos da Vila Madalena ainda reservam um alento em meio à desesperança. A campanha #FicaÓ deu certo e o bar Ó do Borogodó vai se manter de pé com sua portinha discreta e a parede de tijolinho que abrigam duas décadas de rodas de samba raiz.
Com o anúncio do fim, uma enxurrada de apoio e doação para uma vaquinha on-line conseguiram levantar os R$ 300 mil necessários para quitar as dívidas acumuladas na pandemia, evitar o despejo e dar um respiro aos donos até que, enfim, o pandeiro, o surdo, o cavaquinho e a cuíca possam se encontrar de novo com o coro daqueles que não deixaram o samba morrer.
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