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Cotidiano
Sabesp intensificou desde 2014 a redução da pressão da água em alguns bairros; moradores dizem que medida tem ocorrido cada vez mais cedo
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Vista aérea da cidade de São Paulo | Thiago Neme/Gazeta de S.Paulo
Faz cerca de um mês que a escritora Giulianna Palumbo tem que escovar os dentes à noite com água de uma garrafinha. Banho depois das 21h? Só se for na casa de amigas que vivem em outros cantos da cidade, como Mooca e Bela Vista. "Lá, a pressão é ótima", diz ela, que vive na Vila Guilherme, zona norte de São Paulo.
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Desde a crise hídrica de 2014, a Sabesp intensificou a redução da pressão da água em alguns bairros da Capital. A manobra, que visa evitar perdas de água por vazamentos e rompimento de tubulações, é aplicada desde a década de 1990.
Nos últimos meses, porém, paulistanos afirmam que a medida, prevista nos bairros citados nesta reportagem das 23h às 5h, tem ocorrido cada vez mais cedo. É o caso de Giulianna, que vive com outras quatro pessoas.
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Ela relata que já entrou em contato com a Sabesp e que a empresa diz para ela checar no site o horário da redução da pressão no seu bairro. A informação que obtém, contudo, não condiz com aquilo que enfrenta dentro de casa.
A reportagem esteve na rua em que ela vive e conversou com três vizinhos da jovem que dizem encarar o mesmo problema –na última semana, a rua ainda enfrentou dois dias de falta d'água durante a tarde.
A reportagem ouviu relatos e acompanhou reclamações nas redes sociais de moradores de diferentes regiões da capital paulista que passam pelo mesma situação. Devido à pressão baixa, as torneiras que recebem abastecimento da rua (e não da caixa d'água) ficam secas, causando complicações como falta de água para tomar banho ou lavar a louça do jantar.
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Segundo os moradores, a Sabesp não enviou nenhum aviso, e eles afirmam que enfrentam dificuldades para entrar em contato com a empresa.
Os relatos ocorrem num período em que as represas de abastecimento da Grande São Paulo registram níveis inferiores aos de 2013, ano que antecedeu a crise hídrica. Em agosto daquele ano, elas operavam com um total de 57,8% de sua capacidade; no mesmo mês de 2021, esse valor está em 43,6% –uma queda de dez pontos porcentuais.
O sistema Cantareira, principal fornecedor da região metropolitana de São Paulo, atingiu níveis que já preocupam. Nesta terça-feira (14), o reservatório opera com 34,1% do volume, o que, de acordo com a ANA (Agência Nacional da Água e Saneamento Básico), é classificado como estado de alerta. A agência considera estado de atenção quando o acumulado geral oscila entre 40% e 60%, e normal quando o nível está acima de 60%.
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Residente do bairro Jardim Aeroporto (zona sul), o comerciário Valdecir Martins, 67, conta que a prática de reduzir a pressão às 23h não é novidade, mas foi piorando ao longo dos anos. Ele diz que, nos últimos 20 dias, a situação piorou e já houve episódios em que ficou sem água a partir das 19h.
"Quem chega do trabalho mais tarde, como eu, vai dançar, porque não vai tomar banho." Ele tentou enviar reclamações para a companhia, via email e WhatsApp, mas não teve retorno.
A cem metros da residência dele vive a aposentada Maria de Fatima Batista dos Santos, 66, em uma casa com o marido e o filho. Às 21h, ela já não consegue lavar a louça.
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Ela afirma que tenta entrar em contato com o 195 (número de emergência da Sabesp para falta d'água, vazamento e entupimento do esgoto), mas raramente obtém uma explicação. "Cada vez é uma desculpa, às vezes, alegam manutenção na área, mas não somos informados", diz.
Nos últimos três meses, a gerente comercial Maria Aparecida Neris Brito, 51, não consegue lavar louça ou usar o banheiro a partir das 21h30 devido à falta d'água. Uma das mais afetadas é a sua filha, que mora na casa ao lado, e chega do trabalho por volta da meia-noite.
Moradora do bairro Jardim Independência, na zona leste da cidade, Maria Aparecida conta que a situação é vivida por outros moradores de sua rua.
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Aos fins de semana, o corte é ainda mais cedo. No domingo, diz ter ficado sem água a partir das 20h30, mas afirma que às vezes começa às 20h. Não é raro que a água, ao voltar às 5h, reapareça "com tanto cloro que chega a ficar branca, não dá nem para os cachorros [beberem]".
Questionada se relatou o problema à Sabesp, ela disse que não conseguiu devido à longa espera no telefone: "O pessoal te deixa esperando mais de dez minutos e você perde a paciência".
No bairro Cidade Líder, também na zona leste, o auxiliar operacional Fabio de Jesus, 20, vive coisa parecida. "A gente abre o chuveiro, mas, como fica sem pressão, começa a gotejar e é preciso desligá-lo para não queimar." A situação piorou nos últimos 20 dias e, por volta das 20h30, a casa começa a ficar com o abastecimento comprometido.
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Moradores do Butantã (zona oeste) também relatam falta d'água, algo que começou no último mês, e afirmam que a região não costumava sofrer com isso. Já há três fins de semana consecutivos, o analista Felipe Oliveira, 25, fica sem água ou no final do sábado ou no domingo pela manhã. Para se prevenir, ele tem enchido baldes de água.
Faz 45 dias que "o negócio está muito feio", conta Marcia Guimarães, 55, servidora pública, que está tendo problemas com falta de água praticamente todo fim de semana, também no Butantã.
Em dois episódios mais severos, chegou a ficar com os canos secos por três dias consecutivos (de sexta a segunda). Ela mora com o irmão e a mãe de 81 anos, que tem incontinência urinária. "Precisamos usar o chuveirinho, mas acaba sendo na base da canequinha, é horrível."
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Segundo especialistas, uma boa prática de transparência seria avisar à população sobre alterações no período de queda de pressão e falta de abastecimento.
Para Antonio Carlos Zuffo, professor associado de hidrologia e gestão dos recursos rídricos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a mudança pode estar relacionada com uma tentativa da empresa de reduzir as perdas d'água (que no estado chegam a 42,5%) no período noturno —uma prática bastante comum em períodos de seca.
Já o professor de hidrologia e de análise e gestão ambiental da Unesp Jefferson Nascimento de Oliveira enxerga os relatos como algo muito similar ao que aconteceu em 2014 e levanta a hipótese de estar relacionado com um remanejamento dos oito sistemas que são interligados para abastecer São Paulo, para evitar sobrecarregamento em alguma represa específica.
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E, na prática, esse processo tende a ser lento (afinal, são muitas conexões e tubulações) e pode alterar a pressão de água na cidade. "Por estar mais seco e mais quente, há maior demanda por água, mas o problema é que não há chuvas suficientes e nem previsão. Então é melhor trabalhar com a possibilidade de maior risco", diz.
Questionada sobre problemas relatados em oito endereços de São Paulo, a Sabesp respondeu, por meio de nota, apenas sobre três.
Na zona leste, onde vive Fábio de Jesus, parte da rua foi afetada por obras, em julho e agosto, para a modificação de setores para a melhoria do abastecimento que ocasionaram intermitências no fornecimento de água.
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Já na zona norte, onde mora Giulianna Palumbo, a justificativa da companhia foi que não recebeu reclamação de falta de água durante os meses de julho e agosto, apenas um reparo emergencial no dia 10 de setembro.
A Sabesp recomenda aos moradores que conectem torneiras e outros equipamentos hidráulicos às caixas d'água. A nota ainda afirma que "a operação do sistema [de distribuição] é dinâmica e situações pontuais podem gerar alteração no abastecimento e também na gestão da pressão na rede, que é monitorada e avaliada diariamente".
A empresa não deu detalhes sobre o motivo da falta de pressão durar mais tempo que o previsto e também não respondeu se o problema estaria relacionado com a situação dos reservatórios. A companhia ainda afirmou que as informações do site estão válidas –ainda que diferentes do que vivido pelos moradores.
Além disso, a Sabesp informa que o total de imóveis afetados por falta de água caiu 13,6% quando comparados os registros na Central de Atendimento de janeiro a julho de 2020 com janeiro a julho de 2021.
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