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Um flamenguista entre palmeirenses e a violência no futebol

É difícil entrar na minha cabeça que uma pessoa queira eliminar a outra por torcer por um time diferente do dela, mas os fatos estão aí

Bruno Hoffmann

23/08/2022 às 08:25  atualizado em 23/08/2022 às 08:42

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Allianz Parque, estádio do Palmeiras, na zona oeste de São Paulo

Allianz Parque, estádio do Palmeiras, na zona oeste de São Paulo | Fabio Menotti/Agência Palmeiras

A cena é patética. Torcedores do Palmeiras cercam e agridem um torcedor do Flamengo infiltrado, no duelo entre as duas equipes no Allianz Parque. Aparentemente, o homem usava uma camisa do clube carioca e foi descoberto pelos adversários. O fato acontece no momento em que a rivalidade entre as duas torcidas vive uma ebulição por conta dos duelos decisivos dos últimos anos entre as maiores potências do futebol brasileiro atual.

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A cena é patética. Mas nem por um segundo me chocou. Confesso também que já estive mais indignado diante de um ato violento. Não sei ao certo definir o sentimento. Estaria mentindo se dissesse que não sinto que o torcedor flamenguista “procurou” pela confusão ao assumir o risco de se infiltrar entre palmeirenses, fardado com o uniforme do seu time, caso tenha sido esse o caso. É difícil entrar na minha cabeça que assistir a um jogo de futebol infiltrado tenha uma adrenalina tão atrativa quanto a euforia de gritar pelo gol do time de coração. 

Dito isso, meu segundo sentimento me parece um pouco mais claro e se aproxima do alívio. Alívio porque nos tempos atuais, eu consegui imaginar uma consequência extrema ao inconsequente torcedor. Sim, na era da banalização da violência, eu imaginei o pior para o cidadão que se arriscou no Allianz. É difícil entrar na minha cabeça que uma pessoa queira eliminar a outra da face da terra por torcer por um time diferente do dela, mas os fatos estão aí. Quase todas as semanas acompanhamos duelos entre torcedores rivais, alguns terminando de forma trágica e fatal.

Lembrando que, desde 2016, os clássicos em São Paulo são disputados com torcida única, devido a uma determinação absurda do Ministério Público. De lá pra cá, a violência no entorno do futebol não recuou um centímetro sequer. Na contramão disso, torcedores impedidos de irem ao estádio, onde seriam monitorados e protegidos pela polícia, reinventam emboscadas em dias ou locais alternativos à prática do futebol. O tempo que poderia ser dedicado a preparação de um jogo como torcedor visitante (quem já acompanhou caravana de torcida sabe do que eu to falando), vem sendo utilizado de uma outra forma não tão saudável por quem faz do futebol uma questão de vida ou morte. 

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Menos papel picado, mais confusão.

Outros dois fatos que também ocorreram no último domingo corroboram ainda mais com a visão de que torcida única pode servir pra muita coisa (elitização, menos trabalho para agentes públicos, aumento da intolerância...), menos para diminuir a violência no futebol brasileiro. Em Campinas, torcedores de São Paulo e Santos entraram em confronto antes do duelo entre as duas equipes. O detalhe mais importante é que o jogo aconteceu na Baixada Santista. 200 quilômetros separam Santos de Campinas. E quem quis brigar, brigou. Jogo com time único seria a solução?

Já em Porto Alegre, dentro da Arena do Grêmio, torcedores gremistas brigaram entre eles, num confronto que envolveu quatro torcidas organizadas do clube. O jogo era contra o Cruzeiro, mas, o rival estava ao lado na arquibancada, vestindo as mesmas cores. Uma vergonha. Jogo de torcedor único seria a solução?  

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O fracasso da torcida única nos clássicos em São Paulo (que também envolve duelos com Ponte Preta e Guarani), deveria ser o suficiente para que o futebol rechaçasse essa possibilidade em outros estados. Mas a tendência é que a moda pegue. O motivo não é a violência, que vai brotar de alguma forma. A verdade é que a comodidade para aqueles que deveriam zelar por vidas, fala mais alto. Alguns não imaginam a logística que é guiar milhares de torcedores visitantes no trajeto até o estádio do adversário num dia de clássico. É preciso comprometer um efetivo considerável da polícia, fechar ruas, alterar a rotina de bairros. Mas tudo isso sempre foi feito, em tempos mais precários, já partindo do absurdo que é o fato de não conseguirmos tolerar um torcedor rival em dia de jogo. 

Bom, se a violência é intrínseca, deixemos que eles briguem em outro canto, outra cidade, enquanto passamos a falsa sensação de que estamos fazendo algo para melhorar as coisas. 

É fácil falar em impunidade e, de fato, ela existe. A punição ao indivíduo que extrapola o limite da paixão apelando para a violência, não é o suficiente para coibir a atitude do próximo. O vigiar e punir do futebol se restringe a identificação de alguns brigões, algumas horas de detenção, trabalho comunitário e veto aos jogos - se é que isso realmente acontece. Confesso também não saber o que poderia ser mais eficaz que isso. Num país com uma justiça questionável e um sistema carcerário precário, o discurso do “tem que prender e deixar trancado” não me convence muito em caso de confusões onde os indivíduos quiseram estar ali, brigando entre eles. O que se discute muito pouco é o porquê dessas pessoas estarem ali e os motivos que as levaram a querer o fim do outro por uma escolha clubística. 

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Me parece que a inerente violência vem sendo usada como arma de manobra para que o discurso do medo cole no futebol. Assim, a elitização pode seguir seu rumo. Há 15 dias, torcedores de Ponte Preta e Vasco entraram em confronto dentro do Moisés Lucarelli. Os poucos policiais presentes no estádio, demoraram a intervir. O portão que separava as duas torcidas parecia nem estar trancado, tamanha a facilidade da invasão. 

O que me parece é que a violência do futebol atual é uma mistura de omissão proposital, somada a uma cortina de fumaça de soluções simples e ineficazes, com um discurso alarmante do medo, de que o ambiente futebolístico não é um lugar seguro. Um prato cheio para quem deseja perpetuar a bolha blindada imposta pelo elitismo que tomou conta do esporte mais popular do mundo.

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