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No mar de equívocos do futebol nacional, ter os dois técnicos como campeões foi um péssimo dia para os reacionários da bola
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No mar de equívocos do futebol brasileiro, Abel e Diniz são a revolução por não se conformarem nunca. | Mailson Santana/Fluminense - E.ChiereguiniGSP
O domingo de decisões pelo Brasil foi um péssimo dia para os reacionários da bola. Os dois treinadores mais falados dos últimos tempos foram campeões dos principais estaduais do País.
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Abel Ferreira - Palmeiras
Um deles, acostumado a conquistas por aqui, é o português Abel Ferreira. Desde que avistou terras brasileiras, o técnico palmeirense vem empilhando títulos. Tudo isso aos 44 anos, depois de uma carreira medíocre como jogador e um início comum como treinador em Braga e PAOK.
No Brasil, o jovem técnico português sobra. A inexperiência de Abel nunca foi um obstáculo perante ao atraso dos técnicos brasileiros. O comandante alviverde acabou com a ideia equivocada de que um bom treinador é aquele que atrapalha menos. Visão que minimiza a influência do técnico no sucesso de uma equipe.
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Dentro de um futebol cada vez mais pragmático e estratégico, a figura do técnico e a forma como ele pensa o jogo se tornam peças fundamentais de uma equipe bem sucedida.
Abel é um personagem fantástico por si só, assim como Fernando Diniz.
Fernando Diniz - Fluminense
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O ex-meia, hoje treinador do Fluminense, virou uma das principais figuras do futebol brasileiro. Das mesas de bar as mesas-redondas, Diniz é assunto principal daqueles que debatem futebol.
Virou também um alvo, sem mais nem menos, de um movimento estúpido que considera a sua filosofia uma modernidade desnecessária, quando, na verdade, Diniz só quer resgatar aquilo que de melhor existe no futebol e no cidadão brasileiro.
Acusado de ser temperamental e exagerar em algumas cobranças com os atletas, no meio dos jogadores parece ser muito mais querido do que odiado. Quase todo atleta que atuou com Diniz relata ter evoluído como ser humano. O atrito com Tchê Tchê, quando treinava o São Paulo, parece um caso isolado em que o treinador, de fato, passou do ponto. Até então, jogador e treinador viviam uma relação de muita proximidade, como costuma ser as relações do técnico.
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Eleito o melhor treinador do campeonato Carioca depois de conquistar seu primeiro título de expressão, Diniz fez um discurso que ilustra sua filosofia de trabalho que é, acima de tudo, uma filosofia de vida. Tratar o jogador de futebol como ele é. Um ser humano como todos nós. O ex-meia e agora treinador de futebol, é formado em psicologia.
Aspas pra ele. “Que a gente consiga, por meio do futebol, melhorar a vida das pessoas. Esse é meu maior sonho.
De todas as pessoas do futebol, quem mais merece apoio e carinho são os jogadores. Essa turma de gente sofrida que vem das favelas e do interior do Brasil, é uma luta minha constante. Se tem algum mérito na minha vida como técnico é gostar de jogador, gostar de gente. Jogador precisa muito da gente. Perdemos muito talento no Brasil porque achamos que jogador de futebol é máquina.”
Filosofias
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Diniz destaca uma dura realidade da forma como jovens atletas, ainda crianças, são tratados desde cedo como algo que precisa dar resultado e não como ser humano. O jogo imita a vida.
Abel também emprega filosofias que vão além do campo de jogo. E não reinventa a roda pra isso. Com discurso de “todos somos um” e exaltação de todo o entorno das 4 linhas, Abel conquistou por completo o ambiente do Palmeiras e é visto como um líder de todos e não só dos atletas. Da turma da limpeza até o gerente de futebol, todo mundo já foi valorizado pelo treinador, que também não economiza nas cobranças, já que exige excelência de trabalho.
Se o torcedor palmeirense está longe de nutrir algum tipo de confiança na mandatária Leila Pereira, é em Abel que todo crédito é depositado, com 100% de garantia do sucesso. Afinal, o português tem um plano.
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Num momento de acirramento político no País, um cartaz unânime surgiu no meio dos palmeirenses. “ABEL PARA PRESIDENTE”. De uma sociedade esportiva ou do Brasil. Todos parecem confiar em Abel Ferreira.
Ainda assim, o repentino sucesso de Abel e o reconhecimento de Diniz como um bom treinador, apesar da ausência de títulos, geram reações raivosas do mundo esportivo. Resumir tudo em “o sucesso incomoda” é pouco. Os dois treinadores tiraram da zona de conforto profissionais da bola, entre analistas e técnicos, que simplificavam o futebol por aqui, enquanto colocavam o jogo praticado na Europa como um “outro esporte”.
O êxodo do talento brasileiro para onde se paga mais, virou uma muleta para aqueles que fazem o futebol. Com pouco talento, é impossível inovar. Portanto, o único foco é no resultado. A vitória a todo custo colocou o futebol brasileiro no modo automático. E aí voltamos no discurso de Diniz. O jogador máquina, de um futebol robotizado.
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Ao tentar romper com esse ciclo vicioso, Diniz causou a ira daqueles que estavam confortáveis dentro de suas posições. Nesse caso, o treinador do Flu parece ter despertado mais o ódio daqueles que analisam o futebol nos veículos de comunicação, viciados em analisar apenas o resultado final, agora obrigados a uma análise mais profunda de desempenho, mentalidade de jogo e até filosofia de vida.
Num futebol que reflete o reacionarismo de uma grande parte da sociedade brasileira, a revolução é uma afronta. Diniz revoluciona por ser um romântico. Abel, revoluciona por ser um obstinado que viu uma brecha. Quando rapidamente percebeu em que ritmo tocava a banda do futebol brasileiro, acelerou o próprio samba e agora sobra na avenida.
O português mexeu com o brio dos treinadores brasileiros, até então entregues a máquina de moer reputações estabelecida por aqui. A supervalorização dos salários colocou os técnicos também numa zona de conforto. Mesmo fracassando no resultado, independente do desempenho, os treinadores aceitaram pegar trabalhos pela metade, sabendo que também seriam descartados depois de perder três jogos seguidos. A recompensa está na conta bancária. Milionários e com poucas ideias.
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A impressão dos últimos anos é que agora só Abel ganha. A ameaça tirou parte dos treinadores da zona de conforto, principalmente os jovens, mas também colocou o português na mira de tiro de outros. É impossível ignorar o sucesso do treinador palmeirense, então o foco passa a ser a sua personalidade. Enérgico, Abel é visto por alguns como uma figura que flerta com o violento. É constantemente chamado de descontrolado, principalmente por sua postura com a arbitragem que, na minha visão, não difere em nada de como os treinadores brasileiros agem.
De fato, Abel tem uma forma única de se comunicar. A língua falada pelo treinador palmeirense tem como objetivo ser entendida pela sua comunidade, que é o Palmeiras. E é compreendida por todos. Quando instigado a falar fora do universo palmeirense, Abel incomoda por não se conformar com o que está errado.
No mar de equívocos do futebol brasileiro, Abel e Diniz são a revolução por não se conformarem nunca.
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