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Entretenimento
Em entrevista exclusiva à Gazeta, niLL fala sobre o processo de produção do novo álbum "O Resgate do Maestro", a imersão na criação do personagem, e sua trajetória na música
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MC e produtor niLL lança "O Resgate do Maestro" | Anderson Mendes/Divulgação
O MC e produtor niLL, que utiliza o vulgo de produtor "O Adotado", nasceu em Jundiaí, e é um dos rappers da cena atual que mais explora sonoridades diferentes em seus trabalhos. Em seu último álbum “O Resgate do Maestro”, niLL conta a história de um robô que chega à Terra para explorar as emoções de seus habitantes, misturando a música com um mundo fantasioso.
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Em entrevista exclusiva à Gazeta, niLL fala sobre as dificuldades do processo de produção do novo álbum, a imersão na criação do personagem, e como chamar outras pessoas para fazer parte do processo agregou ao resultado final. "Um objetivo era deixar o mais brasileiro possível, para as pessoas ouvirem e pensarem 'isso aqui é um artista brasileiro fazendo música do Brasil'".
O artista também fala sobre sua trajetória que inclui: trabalhos diversos, um amor por animes e uma curiosidade enraizada de explorar coisas novas. "Em questão musical sempre pensei em não repetir a mesma fórmula, para mim não tem graça isso."
O rapper faz parte da gravadora Soud Food Gang, que reúne diversos artistas com projetos autênticos.
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Confira a entrevista completa abaixo:
Como foi sua infância em Jundiaí, e suas primeiras referências musicais?
Não tenho nenhum parentesco com músico na família, sou o primeiro da linhagem e não tinha referência de música também, as referências que tinha vieram de coisas que passavam na rádio. Lá em Jundiaí tinha uma rádio dedicada 100% ao rap chamada “Espaço Rap”, e meu tio sempre ouvia. E aí, tinha um parceiro meu que o irmão dele gostava de rap, ele arrumou um CD do "SNJ" para ele e a gente já começou a se ligar em algumas coisas. Minha mãe curtia um som, meu pai também, mas não era aquele bagulho de uma família musical.
E seu interesse por arte começou quando?
Eu fui me interessando muito pela arte na escola, lá tive uma abertura e comecei a ter um interesse pela música, pela criação e tive um incentivo. A professora viu que eu tinha um talento, ela falou “vai fazer o ‘bagulho’ que eu acho que você tem alguma coisa aí”. Ela fazia alguns trabalhos dinâmicos, de fazer um produto e apresentar, e eu e um 'camarada' meu apresentamos um disco de rap, fizemos um jingle, ela ouviu e deu esse papo: “você fez essa parada brincando, mas pode ter futuro”, e eu me apeguei a essa parada. Acho que isso foi lá na 8ª série.
Você é conhecido por gostar de animes e coisas da cultura geek, como começou esse interesse?
Isso vem desde de pequeno, quando me entendi por gente eu já gostava. A gente tinha a "TV Manchete" antigamente, e passava alguns animes lá a noite, tinha também o videogame que já era gigantesco. Perto da minha casa tinha uma locadora de VHS, e lá tinha uma máquina pra gente jogar, acho que eu tinha uns 10 anos, e eu já gostava disso. Depois quando eu fui trabalhar em uma lan house, eu tinha acesso direto a internet, comecei a assistir muito anime, e tive mais acesso a isso.
Como isso influenciou sua música, e seu último álbum “O Resgate do Maestro”?
Influenciou muito. Quando consegui estudar um pouco mais entendi que eu podia usar isso na minha música, e trazer alguns elementos dessa cultura pros meus trabalhos. Por exemplo o sample com a abertura do Playstation 1 - sample usado na música “PS1”, do álbum “O Resgate do Maestro” - pra mim remete um sentimento bom, de uma época muito boa, eu consegui materializar isso em uma música. Sempre que eu ouvir aquilo é essa sensação que eu vou ter, e espero que cause isso nas pessoas também.
Como foi a produção do “O Resgate do Maestro”?
Esse disco demorou uns dois anos pra ser finalizado. Acho que foi o disco mais difícil até hoje de fazer porque ele demandava muita coisa, exigiu muito. Cheguei a uma altura em que eu falei “mano, eu vou deletar o que eu não gosto e vou começar de novo”, e aí eu chamei alguns amigos para me ajudar para ver se a gente conseguia finalizar. Chamei o Deekapz, e mais para frente o Césinha [CESRV] veio para fortalecer a mix e a master, ele também me ajudou na direção e toda a estrutura final. Foi importante trazer esses outros produtores para ter outra perspectiva de criação, ficar um pouco mais leve na hora de fazer e não usar só as minhas batidas dessa vez. Colocar alguns amigos que conversam com a minha sonoridade foi muito interessante.
O Maestro é um personagem desse disco, como foi a criação dele?
Foi uma parte que eu gostei muito, foi a experiência mais imersiva que tive até agora para criar um personagem, os outros dois que eu já tinha criado antes foi algo mais rápido. Já no ‘Maestro’, a gente moldou ele desde o primeiro parafuso da cabeça até o último parafuso do pé, ele foi construído meticulosamente, tivemos que estudar as cores, a feição, as formas. Foi muito 360º esse trampo, demoramos uns oito meses para finalizar ele e trabalhando quase todos os dias.
Você ficou feliz com o resultado do álbum?
A experiência desse disco foi muito gratificante. Eu já tinha estudado música a um tempo, tava fazendo algumas aulas e queria testar até onde tava, o que daria para fazer com aquela bagagem. Um outro objetivo era deixar o mais brasileiro possível, para as pessoas ouvirem e pensarem “isso aqui é um artista brasileiro fazendo música do Brasil”. Foi um dos pontos que eu fiquei muito preocupado em tentar trazer, essa sensação para não ficar emulando um gringo.
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O seu álbum “Regina”, de 2017, estourou nas paradas musicais. Quais as diferenças do niLL daquela época para hoje em dia?
A mentalidade mudou muito, porque quando a gente tava fazendo o “Regina” lá em 2016/2017, eu ainda trabalhava com outras coisas, como social media, trampei em uma barbearia, fiquei um tempo fazendo outras coisas e isso mexia muito com o psicológico, era difícil, eu não tinha muito suporte. Costumo dizer que nessa época eu não sabia muito bem fazer música, não tinha tanto conhecimento, era uma coisa mais de feeling mesmo e acabou que deu certo, porém muita coisa mudou de lá para cá. Comecei a entender um pouco mais sobre a identidade visual, entender sobre o mercado então muita coisa já não penso mais igual pensava antes. A gente começa a caminhada e pensa muito “eu quero fazer um som que vai estourar”, e às vezes você tá entrando numa armadilha sem saber.
E musicalmente, o que mudou?
Em questão musical sempre pensei em não repetir a mesma fórmula, para mim não tem graça isso. Sempre achei interessante ver o que iria acontecer se a gente fizesse de outra forma, poder misturar as coisas e ver o que vai acontecer.
Como aconteceu essa mudança de pensamento?
Quando eu percebi que um artista que está tendo milhões de acessos, milhões de visualizações, tem alguém comprando aquilo ali, que nem sempre é orgânico, a gente tá ligado, alguém investiu naquilo. A partir daí eu falei: “mano, quer saber? Agora vou fazer do jeito”. A gente tá vivendo um momento que o rap vai ser o gênero mais ouvido no Brasil, acredito que as pessoas vão querer saber se existe rap diferente no país delas. As pessoas vão sentir vontade de ouvir algo diferente, e a nossa geração tá aí, né? Fazem parte dessa geração que é o lado B do rap, tá cada vez mais forte.
Qual seu objetivo com a música?
Acho legal a gente conseguir viver da nossa música, mas nessa caminhada o lance da grana é o que menos importa para mim. Alcançar um ponto de viver para sempre, não tem coisa maior que isso, sabe? Era o que eu não pensava muito quando eu tava fazendo “Regina”. Hoje o mais importante pra mim é tentar alcançar um ponto de viver para sempre, conseguir fazer algo que vai mexer a estrutura da nossa cena e isso se perpetuar por longos e longos anos, igual o Sabotagem fez, por exemplo, vai viver para sempre.
Quais os artistas que te influenciam?
Ultimamente tô escutando muitas coisas que não são necessariamente só rap. Gosto muito de ouvir abertura de animes, tem umas músicas sensacionais e eu fico estudando as construções delas. Outro gênero que me chamou muita atenção de um tempo pra cá é o k-pop, tô vendo muita coisa e eu já tô maravilhado com isso, começando a entender o porquê que as pessoas amam tanto esse gênero e também estudo a construção deles.
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E dentro do rap?
No rap eu gosto de ouvir sempre os clássicos. Gosto muito de “Realidade Cruel”, “Sabota” mesmo, gosto de “Racionais MC’s”, não tem como, para mim é o melhor grupo da história, é a Bíblia do favelado, do negro brasileiro. O rap nacional em si me inspira bastante, nossa linguagem, as rimas é bem interessante a construção, é diferente dos gringos. É aquela parada, o rap também me ajuda muito nisso de acessar umas lembranças, às vezes quando tô de boa de manhã, boto um “Realidade Cruel” para tocar e vai tocar na playlist, aí daqui a pouco a gente ouve uma abertura de anime. Os vizinhos acho que não entendem muito o que tá pegando mas é bem esse ritmo.
Como você enxerga a cena do rap nacional hoje?
Em questão de número e de estrutura nunca esteve tão bem, é mais uma era de ouro. Mas dentro do rap tem o seu viés financeiro, porque todo mundo merece trabalhar e receber pelo seu trabalho, mas também tem um viés cultural, um viés social, que a gente tem que levar em consideração, o rap é delicado por causa desse ponto, não é só um produto, é também um agente de transformação, você muda muita coisa através do rap. A gente tem que parar e pensar um pouco mais também na evolução.
Você sente falta de coisas diferentes na cena atual?
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Uma coisa que eu não enxergava antes e agora eu vejo é que nem todo mundo que faz rap teve esse acesso ao estudo da música desde cedo, hoje em dia para eles é mais difícil compreender a música de outro jeito. Eu também não tive acesso nenhum quando era mais novo, eu fui buscando isso aí conforme o tempo. Isso é algo meu mesmo, sempre busquei algo fora do convencional. Hoje em dia eles estão tendo que lidar com a visibilidade, com essa transformação de vida, lidar com crítica, é difícil organizar tudo isso na cabeça e ainda tentar evoluir na música. E ainda tem que ganhar dinheiro com isso para pagar sua equipe, eu entendo o porque que não tem mais gente fazendo essas loucuras, essas alquimias. A vida é dura, se você não tá fazendo esses experimentos desde o começo vai ser difícil você parar para se posicionar, porque mexe com todo o seu sistema. Alguns artistas pulam um pouquinho fora do que ele faz e o público já fica assustado.
Qual a principal mensagem que você tenta passar com seu trabalho?
É você que acreditar em você mesmo e correr atrás do que você quer do que você sonha, sabe? Isso daí é o princípio básico. Quando você acredita em você outras pessoas começam a acreditar, e aí o mundo se transforma. O lance da minha música tem uma ligação muito forte com a liberdade, a gente ser livre no nosso meio, ser livre em nossas escolhas e criações, e nos nossos sonhos também. No final das contas, a gente tem muito sonhador aí, eu sou mais um deles. E a gente precisa se conectar e saber que a gente não tá maluco, né? Tem mais gente que pensa igual, para mim é isso.
Quais são os seus planos daqui para frente?
Então agora eu quero continuar trabalhando, ainda tem alguns registros pra entregar. Quero fazer mais apresentações, a gente está programando mais apresentações aí pelo Brasil. Quero continuar também fazendo as animações do álbum, fazer mais coisas sobre o “Maestro”, mostrar mais da história. E eu quero encontrar as pessoas aí pessoalmente pelo Brasil afora.
*Assistente de redação, sob supervisão
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