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Cotidiano
A anexação e a mobilização de pelo menos 300 mil reservistas, recebida com grande revolta na Rússia, constituem a mais aguda guinada do líder russo na guerra
29/09/2022 às 14:17 atualizado em 29/09/2022 às 14:26
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A suposta conquista será anunciada por Putin nesta sexta-feira | Fotos públicas
O Kremlin confirmou que o presidente Vladimir Putin assinará nesta sexta (30) a anexação de quatro regiões que ocupa parcialmente na Ucrânia, equivalentes a 15% do território do vizinho invadido há sete meses.
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A cerimônia ocorrerá em Moscou às 15h (9h em Brasília), e a praça Vermelha já está guarnecida de telões e faixas alusivas ao evento. É a maior absorção de território por força na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, e a primeira no continente desde que Turquia invadiu o norte de Chipre em 1974.
Serão incorporados à Rússia, após referendos organizados de forma quase emergencial pelas autoridades de ocupação, as duas autoproclamadas repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk, no leste) e as províncias de Zaporíjia e Kherson (sul ucraniano). É uma área do tamanho de Portugal ou Santa Catarina.
Assim como na anexação pacífica da Crimeia em 2014, quando Putin mutilou o vizinho e estimulou a guerra civil no Donbass para evitar que o governo que derrubou seu aliado da presidência em Kiev se unisse às estruturas ocidentais, não haverá reconhecimento internacional salvo o de alguns poucos aliados laterais de Moscou (seis países e quatro encraves autônomos russos).
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O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, afirmou que não irá cessar os combates até reaver todo seu território. Foi apoiado pelos EUA e seus aliados na Otan (aliança militar ocidental). Novas sanções contra a Rússia estão sendo preparadas.
Do lado de Putin, ainda que sem reconhecer algo que a ONU não aprovará, está principalmente a China –uma grande porção do mundo, Índia e Brasil inclusos, condenam a guerra mas não apoiam o isolamento de Moscou para continuar a fazer negócios com os russos.
A anexação e a mobilização de pelo menos 300 mil reservistas, recebida com grande revolta na Rússia, constituem a mais aguda guinada de Putin na guerra. Na quarta (28), o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, anunciou uma meta mínima para a Rússia pela primeira vez: completar a conquista de Donetsk, que tem cerca de 40% de território ainda em mãos de Kiev.
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Isso explicita tanto um mapa para o fim do conflito como os problemas de Putin: o fracasso em derrubar Zelenski com um golpe decapitador de regime no começo da guerra e as perdas de áreas ocupadas em Kharkiv (nordeste) no começo deste mês, muito por falta de tropa suficiente.
Agora, o presidente russo está anexando áreas que não estão totalmente sob seu controle, principalmente em Donetsk -as outras estão quase todas sob jugo de suas forças. A esperança de Moscou é criar um fato consumado, como na Crimeia, que também não tem reconhecimento da ONU mas é tratada como a área histórica russa que sempre foi.
É mais difícil. Enquanto no Donbass os separatistas pró-Rússia já controlavam boa parte da região desde 2014, no sul o que houve foi uma conquista "manu militari" que a Europa não via desde os anos 1930 e 1940 nessa escala. São áreas russófonas, mas muito mais heterogêneas do ponto de vista linguístico do que a Crimeia e o extremo leste do Donbass.
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Seja como for, Putin prosseguiu, seja para achar um fim para sua guerra, seja para prolongá-la indefinidamente com o novo status e os reforços que lentamente chegarão de sua impopular mobilização. Os combates seguem em pontos diversos da frente de 1.000 km entre os países, e Zelenski disse que haveria uma "resposta dura" à anexação.
Com o que os nacionalistas chamavam de Nova Rússia estabelecida, ligando o Donbass à Crimeia por terra, o presidente agora usa seu poderio nuclear para ameaçar o Ocidente e Kiev: pela doutrina de Moscou, qualquer ataque, mesmo convencional, que for percebido como risco existencial para o Estado pode ser respondido com fogo atômico.
Enquanto muitos analistas veem nisso um blefe, é crescente a ideia de que Putin poderia empregar um artefato tático, de baixa potência, como alerta. Isso teria consequências imprevisíveis, dado o risco de escalada.
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'MOMENTO 1938'
Na prática, Putin pode ter criado um "momento 1938" para a Otan. Naquele ano, Adolf Hitler exigiu a anexação de áreas alemãs étnicas da então Tchecoslováquia, os Sudetos, sugerindo que pararia sua expansão ali. A Europa aquiesceu e evitou a guerra, mas o ditador nazista não parou, levando ao conflito mundial no ano seguinte.
Obviamente, Putin não é Hitler e o contexto mundial é outro: uma guerra com a Otan destruiria a Rússia e o mundo como conhecemos, para começar. Mas uma eventual proposta do Kremlin de congelar o conflito após ter comido 22% do vizinho, contando aí os 7% representados pela Crimeia, colocaria um dilema moral não muito diferente na mesa.
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As anexações, afinal, inviabilizam a Ucrânia como Estado, presumido objetivo inicial de Putin, que não queria ver a Otan e a União Europeia em sua maior fronteira. É possível argumentar que ele conseguiu isso indiretamente, com o Ocidente armando Kiev e diretamente com a entrada da Finlândia no clube militar.
De fato, contudo, a integração ucraniana com o arcabouço ocidental fica travada. Os blocos europeus são refratários a membros com questões territoriais.
O russo usa em seu favor não só a pressão nuclear, mas principalmente a energética. A chegada do inverno europeu está acompanhada da redução do fornecimento de gás russo para o continente, uma aposta no desgaste dos governos ante suas populações, afetadas pela inflação em alta e eventuais racionamentos. Isso pode, nas contas russas, enfraquecer o apoio a Kiev.
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Na Rússia, a mobilização segue com incidentes diários, mas menos protestos do que há uma semana, quando foi anunciada. Nesta quinta (29), o governo da Finlândia anunciou o fechamento da última fronteira da União Europeia aberta a russos, dizendo que os 17 mil vizinhos que entraram em seu território para fugir do alistamento são um risco de segurança.
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