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Há 100 anos São Paulo acordava sob chuva, de bombas

Conheça os detalhes do conflito que transformou a metrópole em campo de batalha e suas consequências

Lincoln Paiva

04/07/2024 às 18:20  atualizado em 07/08/2024 às 14:33

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Secretaria do 1º Batalhão do Quartel da Luz. São Paulo, 1924.

Secretaria do 1º Batalhão do Quartel da Luz. São Paulo, 1924. | A. de Barros. Acervo Instituto Moreira Salles

Cem anos atrás, no dia 5 de julho de 1924, a cidade acordava ao som de metralhadoras e bombardeios. Surpresos, os moradores encontravam barricadas militares e tiroteios contra o palácio do governo.

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Quem estava nas ruas presenciava prédios sendo atacados por granadas e disparos. Era como se a realidade tivesse se transformado em um cenário de filme distópico.

Se você perguntasse aos seus bisavós paulistanos o que eles faziam nesse dia, eles lembrariam exatamente onde estavam quando eclodiu a Revolução esquecida de 1924.

Pânico em SP

Tanques Renault FT-17, da Companhia de Carros de Assalto, empregados para destruir a bateria de canhões rebeldeTanques Renault FT-17, da Companhia de Carros de Assalto, empregados para destruir a bateria de canhões rebelde

Na década de 1980, a banda paulista ‘Punk Inocentes’ cantou a música “Pânico em SP”, descrevendo pessoas correndo pelo centro da cidade sem entender o motivo.

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Essa cena se assemelha ao que aconteceu em 5 de julho de 1924, quando uma guerra inesperada eclodiu no centro de São Paulo, surpreendendo todos, inclusive o exército e as forças de segurança.

Nesse dia, enquanto pessoas saíam para comprar pão, muitas jamais retornaram. As tragédias se acumularam rapidamente: crianças perderam suas vidas e a guerra continuou por 23 dias com tiros de canhão e bombardeios aéreos.

O conflito deixou um saldo devastador: 503 mortos, 4.864 feridos, 1.800 prédios destruídos e mais de 40% dos residentes fugiram para o interior ou para bairros mais distantes.

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Nos primeiros cinco dias, a confusão reinava. Carlos Campos, o Presidente do Estado de São Paulo, eleito há apenas dois meses, estava tão desinformado quanto os cidadãos.

Com os jornais fora de operação, não havia informações disponíveis sobre os acontecimentos ou a natureza do conflito, algo inédito para a cidade que não tinha histórico de guerras urbanas.

Foi assim que começou a Revolução esquecida de 1924, a revolução tenentista de São Paulo.

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A Revolução esquecida de 1924

Trincheira em SP durante a revolta Paulista de 1924Trincheira em SP durante a revolta Paulista de 1924

Os jornais trataram a guerra como um “Levante Militar” a história deu o nome como “Revolta ou revolução tenentista”, ou simplesmente rebeldes. 

Porém é importante compreender que embora a população paulista estivesse contra o governo em função da imposição de Washington Luís em promover seu próprio candidato para governador e ser acusado de truculência na resolução de conflitos culminaram em diversas greves na cidade de São Paulo. 

São Paulo se tornou o local ideal para começar a “Revolução”, mas os paulistas não apoiaram a revolta.

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A revolução de 1924 não tinha apoio da população paulista como foi o caso da Revolução constitucionalista de 32, do dia 9 de julho de 1932, que foi um movimento no Estado de São Paulo cujo objetivo era restaurar a democracia brasileira e derrubar o governo provisório do ditador Getúlio Vargas.

A revolução esquecida de 1924 em São Paulo começou no dia 5 de julho, um dia depois da comemoração da Independência dos Estados Unidos de 1976 comemorada no dia 4 de julho, motivada pelas mesmas ideias da revolta tenentista do Rio de Janeiro fracassada de 1922.

A tomada do 1° Batalhão

Na manhã do dia 05 de julho de 1924, comandados pelo General gaúcho Isidoro Dias Lopes, 60 soldados deixaram o 4º batalhão de caçadores do bairro de Santana e marcharam empunhados com uma bandeira branca, símbolo da paz e agora símbolo dos revoltosos.

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De paz mesmo o movimento não tinha nada, armados com fuzis seguiram em direção a Ponte Pequena, e de lá, marcharam em direção a região da Luz onde estavam localizadas as sedes das forças públicas do exército e da polícia do estado de São Paulo. 

Sem nenhum esforço, tomaram o 1º batalhão da força pública e estabeleceram lá o “QG das forças revolucionárias” composta por parte do exército e parte das forças públicas do estado de São Paulo.

Às 10 horas, os revoltosos, atravessam a rua Tiradentes e se dirigiram a um pouco mais de 1 quilometro de distância até o Palácio Campos Elíseos, sede do governo do Estado de São Paulo e sem nenhuma discussão com o governo de São Paulo começam a bombardear o palácio do governo.

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Com granadas atiradas pelo exército que começaram a cair no bairro dos Campos Elíseos, uma dessas bombas acertou o a instituição de ensino Liceu de Artes e Ofícios, ferindo várias crianças e levando duas a óbito.

Outra milícia seguiu em direção à rua São Bento para tomar o telégrafo central e o edifício da Justiça e segurança pública. Uma das bombas atingiu o escritório de Ramos de Azevedo e matou um arquiteto que trabalhava no local. 

Porém, no final do dia os telégrafos foram retomados pelas “tropas legalistas” formada pelo corpo de bombeiros, exército e membros das forças públicas que não aderiram ao movimento revoltoso e desta forma o presidente Arthur Bernardes conseguiu acompanhar do Rio de Janeiro, então capital federal, os acontecimentos de São Paulo e adotar medidas necessárias. 

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O congresso rapidamente aprovou o Estado de Sítio. O presidente enviou “destroyers” e encouraçados para o porto de Santos com mais de 2.500 fuzileiros navais para contra-ofensiva militar.

Enquanto isso a guerra nas ruas avançava com tiros e bombas desferidos à revelia, a praça Antônio Prado onde hoje é a Bolsa de Valores e a Torre Santander, mas naquela ocasião, o largo Antônio prado se tornou em uma praça de guerra. Tiros de metralhadoras invadiram a avenida São João, a mais importante da época.

A tomada do Viaduto Santa Efigênia

Outro cartão postal da cidade de São Paulo, o viaduto Santa Efigênia, foi palco de uma das maiores e sangrentas batalha da revolta, foram instaladas no viaduto barricadas de paralelepípedos.

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Automóveis foram virados por ambas forças e legalistas e rebelde faziam duelos de metralhadoras cada um de um lado do viaduto.  

As forças rebeldes iam avançando em direção ao bairro de Santa Efigênia. Tomaram a delegacia da rua do Triunfo que hoje não existe mais. A igreja Santa Efigênia possui até hoje os sinais de tiros de metralhadoras.

Enquanto isso, nos Campos Elíseos, o Palácio do Governo era bombardeado, o bairro estava sitiado pelas forças rebeldes entrincheiradas sob arames farpados. 

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Porém, as forças legalistas de São Paulo começam a receber reforços de forças legalistas vindas do Interior de São Paulo, outras cidades e do governo Federal e assim a guerra passou a ficar cada vez mais brutal.

Em meio a uma guerra a população foi abandonada

São Paulo sob bombardeio de artilhariaSão Paulo sob bombardeio de artilharia

Para a população da cidade de São Paulo era para ser apenas mais um dia comum, quando se viu submergida em meio a uma guerra entre soldados da Força Rebelde e Soldados das forças Legalistas. 

A população, simplesmente não tinha ideia do que estava acontecendo, o número de mortes de civis só crescia e a sensação era de abandono e de não ter para onde recorrer.

A população já estava no 3º dia de combates intensos, escondida em suas casas, sem energia e sem comida, muitas casas foram simplesmente explodidas.

No dia 08 de junho o governador Carlos Campos decidiu abandonar o palácio dos Campos Elíseos às 13hs. O emissário rebelde Miguel Costa, empunhando uma bandeira branca, símbolo dos revoltosos, adentrou ao palácio de Governo para dialogar, mas percebendo que o governador havia abandonado o palácio de governo, retornou ao comando Rebelde e avisou a linha de comando que o governador havia fugido. 

Os rebeldes retomam para a guerra novamente, mas antes, resolvem enviar um manifesto endereçado à população que foi publicado nos jornais do dia 10 de Julho, dizendo os motivos da “revolução”.

No dia 11 de julho ocorre o êxodo paulista, estima-se que 50% da população abandona a cidade em direção a outros bairros e cidades.

Manifesto revolucionário de 1924

“A revolução não visa a pessoa do Dr. Arthur Bernardes, o que lhe diminuiria o caráter elevado em que se inspirou e com o qual se apresenta ao povo brasileiro. Ela traz, como um dos seus objetivos a substituição do atual governo da república, por entenderem os seus chefes e orientadores que esse governo não está à altura dos destinos do país e que, os fatos cuja citação é desnecessária tem demonstrado praticamente ser a continuação dos governos covardes de vícios, que tem dirigido o Brasil nestes últimos lustros. Este governo de nepotismo, de advocacia administrativa e de incompetência, técnica da alta administração de concessão a concessão, de acordos em acordos, vem arruinando paulatinamente as suas forças vivas, aniquilando-a interna e externamente”.

Tratava-se de um manifesto vago, cuja alegação não justificava para uma guerra e que acabou não conseguindo convencer ninguém. Civis foram mortos, casas e edifícios destruídos, nada justificaria tamanha brutalidade.

No dia 28 de julho, depois de 23 dias de intensos combates no centro da cidade de São Paulo, as tropas rebeldes se retiraram da cidade de São Paulo e marcharam para outros pontos do país. O General Isidoro Dias Lopes foi exilado na Argentina em 1925.

Neste mesmo dia as tropas governistas entram na cidade de São Paulo e foram recebidas friamente pela população paulista que jamais trataram as “forças legalistas” como heróis pois bombardearam incessantemente a cidade de forma aleatória. 

Mario de Andrade chegou a escrever que logo depois da revolta de 1924, 2% dos meninos que nasceram tinham nome de Isidoro, o general das tropas revoltosas. 

Os jornais da época estampavam a volta a legalidade e tratavam as forças legalistas como verdadeiros heróis, mas a população não viu desta forma.

As revoltas tenentistas serviram como teste para o Golpe de 1930, quando as tropas militares conseguiram pôr fim a política do “Café com Leite”. Getúlio Vargas que havia perdido as eleições democráticas e assumiu o governo provisório que derrubou o presidente eleito Júlio Prestes, que sequer tomou posse e foi exilado.  

O Golpe de 1930 deu origem a revolução constitucionalista de 1932, a revolução dos paulistas. 

O General Isidoro retornou a São Paulo em 1930 e participou da Revolução de 1932, desta vez ao lado dos Paulistas, mas depois de perder a guerra, foi novamente exilado.

Memorial da Revolução de 1924

Em 2008, a secretaria de cultura do estado de São Paulo divulgou a criação de um memorial da Revolução de 1924 em homenagem aos 480 mortos e mais de 4.500 feridos. 

O memorial seria ao lado da chaminé da Luz, uma antiga termoelétrica construída em 1896, cuja chaminé foi projetada por Ramos de Azevedo no antigo caminho de Guaré, atual Avenida Tiradentes. 

O objetivo era fornecer eletricidade para o eixo militar da região da Luz, exatamente o lugar que foi tomado na revolta tenentista de 1924.

Mas o projeto não foi para frente e a vergonhosa revolta de 1924, segue até hoje esquecida assim como as centenas de mortes de inocentes.


Fonte de pesquisa: ASSUNÇÃO, Moacir. São Paulo deve ser destruída: A História do Bombardeio à Capital na Revolução de 1924. Rio de Janeiro: Record, 2015;
DUARTE, Paulo. Agora Nós. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007;
COHEN, Ilka Stern. Bombas sobre São Paulo: A revolução de 1924, editora Unesp, São Paulo, 2007.

Fotos do portal Ambiente Legal: A REVOLUÇÃO ESQUECIDA DE 1924 – Portal Ambiente Legal

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