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Revolução de 1932: uma noiva carioca faz uma doação inesperada

Descubra a intrigante história de uma aliança doada na campanha 'Ouro para o Bem de São Paulo', registrada há 92 anos na Santa Casa, e sua ligação com o feriado de 9 de Julho

Lincoln Paiva

08/07/2024 às 20:35  atualizado em 19/07/2024 às 11:01

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Saleta usada para a avaliação de donativos em um dos centros de coleta (1932)

Saleta usada para a avaliação de donativos em um dos centros de coleta (1932) | Museu da Imagem e do Som de São Paulo

A iniciativa parecia ser altamente improvável, mas está lá, registrada numa folha do livro de doadores da campanha “Ouro para o Bem de São Paulo” guardado a 92 anos no museu da Santa Casa de Misericórdia no bairro da Vila Buarque em São Paulo.

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Quando eu conversei com o neto da “noiva Carioca” que havia feito uma doação para financiar a revolução de 1932, eu me lembrei da minha própria avó, também falecida, que me mostrou uma vez, uma aliança de metal que ela mesmo havia ganhado na campanha “ouro para o bem de São Paulo” em 1932. Eu fiquei intrigado “Porque alguém trocaria uma aliança de ouro por uma aliança de ferro?

 

Revolução e mudança política 

Essa é uma história foi determinante para dividir a história da República no Brasil em duas fases: a República Velha (1889 a 1932) e a República Nova (1930 a 1945). Tudo começou com a revolução tenentista em 1922 no Rio de Janeiro, passando pela pouco lembrada Revolução de 1924 em São Paulo.

Esses eventos culminaram no golpe de 1930, com Getúlio Vargas assumindo o governo provisório após impedir que o presidente eleito, o paulista Júlio Prestes, tomasse posse. Por essa razão, em São Paulo, quase não existem vias importantes com o nome de Getúlio Vargas, exceto por uma rua no Jabaquara, no bairro de Cidade Vargas, inaugurada pelo próprio Getúlio em 1943.

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O declínio da política do café com leite

Até 1930, a presidência do Brasil era um rodízio entre os estados produtores de café, o que deu origem a “Política do Café com Leite”, a partir de 1920 essa política começa a entrar em declínio em função da queda do preço internacional do café e em 1929 com a depressão causada pela a quebra da Bolsa de Nova York colocou o Brasil numa posição muito ruim.

Com a economia em frangalhos e descontentamento do exército e de novo, a vitória do representante de São Paulo como presidente do Brasil, veio o golpe de 1930, que deu origem a revolução constitucionalista de 1932, cujo objetivo era derrubar o governo provisório de Getúlio Vargas e promulgar uma nova constituição para o Brasil.

 

Ouro para o bem de São Paulo

Praça do Patriarca, no centro da cidade: ponto de coleta da campanha “Ouro para o bem de São Paulo”. Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo

Para financiar a revolução de 1932, a Associação Comercial de São Paulo teve a ideia de fazer uma campanha de arrecadação de recursos chamada de “Ouro para o bem de São Paulo”, as pessoas poderiam dar objetos de ouro, joias e brilhantes, muita gente doou as próprias alianças de casamento na campanha.

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Todos que doaram algo, receberam um certificado nominal coma frase “doei ouro para o bem de São Paulo, alguns voluntários e autoridades receberam anéis e medalhas comemorativas.

São Paulo lutou com 10.000 soldados e o governo federal com mais de 100 mil combatentes, mais de 5 mil pessoas morreram, depois de 90 dias de guerra. No final, São Paulo perdeu batalha e foi derrotada, ainda assim, uma nova constituição brasileira foi promulgada em 1934.

 

Santa Casa de Misericórdia

Durante a revolução de 1932, a Santa Casa de Misericórdia recebeu e tratou de milhares de combatentes da revolução de 32, quando São Paulo perdeu a guerra, os recursos captados na campanha “Ouro para o Bem de São Paulo, foram doados para a instituição, bem como a lista de todos os doadores de campanha.

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Atualmente os livros de doações e a contabilidade das doações, estão disponíveis para consulta e pode ser consultado por pesquisadores no Museu da Santa Casa da Misericórdia na Vila Buarque no centro de São Paulo através de agendamento prévio.

 

Uma doação inesperada

Cartaz da campanha ouro para o bem de São Paulo
Cartaz da campanha do ouro para o bem de São Paulo. Reprodução 

Durante minha consulta à lista de doações no museu, deparei-me com uma entrada que capturou minha atenção: uma doadora identificada apenas como 'uma noiva carioca', seguida entre parênteses pelo nome Julieta Persegani.

Esta descoberta é particularmente intrigante para qualquer pesquisador, dada a improvável natureza do evento. Afinal, a Revolução de 1932 foi marcada pelo confronto entre São Paulo e a Capital Federal, localizada no Rio de Janeiro na época. A participação de uma carioca na campanha de doações paulista é, portanto, um fato curioso e pouco usual.

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O resgate da noiva carioca

Tudo que eu sabia era que, “uma noiva carioca” havia passado por São Paulo, provavelmente numa das associações comerciais e feito uma doação, normalmente as doações são registradas em valores e não pelo item doado. Havia sido uma doação espontânea? Ou uma brincadeira de um parente próximo? Não dá para saber, o fato é que Julieta Persegani entrou para a história paulista.

A hipótese que eu estava trabalhando era que a “noiva deveria ter doado o próprio anel de noivado”, porque o valor registrado como doação, registrado como valor em dinheiro, convertido em moeda atual, daria mais ou menos R$ 850,00 suficientes para uma aliança 18 quilates.

 

Em busca de respostas 

Iniciei minha pesquisa explorando sobrenomes e possíveis descendentes em cartórios e sites de genealogia. Descobri que Julieta Persegani havia falecido. Apesar de não conseguir localizar o responsável por inserir as informações no site, continuei a busca.

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Encontrei cerca de 20 nomes similares e entrei em contato com cada um. Infelizmente, nenhum deles tinha parentesco com dona Julieta Persegani, e a pessoa que me respondeu não compartilhava o sobrenome.

Um dia, finalmente, recebi uma resposta esclarecedora. Ao perguntar sobre dona Julieta Persegani, o interlocutor revelou ser seu neto. Expliquei o verdadeiro motivo do meu contato, mencionando a doação feita por sua avó durante a revolução de 1932 em São Paulo.

Para minha surpresa, ele não tinha conhecimento algum sobre isso. Segundo ele, sua avó nunca mencionou tal ato, e pelo que sabia, ela não parecia o tipo de pessoa que se engajaria em uma campanha revolucionária.

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Uma noiva filha de imigrantes italianos

Em 1896, o imigrante Vaifro Virgilio Persegani, a bordo do Vapor Attivitá de bandeira italiana, desembarcou no porto de Santos. Após viver em São Paulo, casou-se com Dona Catarina Canavez e mudou-se para o Rio de Janeiro, deixando seus irmãos na capital paulista. No dia 14 de agosto de 1914, nasceu sua filha Julieta Persegani no Rio de Janeiro.

 

Contribuição durante a revolução

No guichê de um banco, funcionários recebem doações para a campanha No guichê de um banco, funcionários recebem doações para a campanha "Ouro para o Bem de São Paulo". Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo

Duas décadas depois, a campanha “Ouro para o Bem do Brasil” de 1932 arrecadou 450 kg de ouro para o fundo da revolução constitucionalista paulista, com muitas doações provenientes de anéis de casamento e noivado.

Nessa época, Dona Julieta Persegani, então uma jovem de 20 anos, doou sua única aliança de noivado em ouro 18k. Ao assinar o recibo de doação, ela se identificou apenas como “uma noiva carioca” (Julieta Persegani). Este recibo permaneceu guardado no museu da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo por 92 anos.

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Legado e impacto histórico

Julieta Persegani voltou ao Rio de Janeiro, onde se casou com seu noivo, Joaquim José da Silva, em 1934. O casal teve três filhos, sete netos e doze bisnetos.

Dona Julieta faleceu em 2004, aos 89 anos, e foi enterrada no cemitério do Caju no Rio de Janeiro, sem nunca comentar seu gesto durante a revolução.

A revolução de 1932 é marcante para a cidade de São Paulo, tendo dado origem ao feriado estadual de 9 de julho, além de nomear duas das principais avenidas da cidade, a Avenida 9 de Julho e a Avenida 23 de Maio, e inspirar a construção do obelisco do Parque Ibirapuera, onde estão enterrados os heróis da revolução.

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O prédio “Ouro para o Bem de São Paulo”, localizado no centro da cidade, também é um marco dessa época.

Essas contribuições foram possíveis graças a doações como a de Dona Julieta Persegani, cuja ação está imortalizada nos livros de doadores da revolução de 1932.

Talvez Dona Julieta Persegani quisesse que essa história fosse revelada à sua família, ou talvez seja apenas uma feliz coincidência. Mas quem pode dizer ao contrário?

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