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Monja Coen contou em entrevista que foi vítima de machismo dentro do budismo | Leandro Marcondes de Melo/Zendo/Divulgação
Monja Coen Roshi é conhecida na internet por seus vídeos motivacionais e educativos sobre meditação e budismo. A missionária de 77 anos morou no Japão por mais de uma década para estudar a religião e ocupou cargos importantes na hierarquia budista no Brasil.
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Em 1996, Coen foi presidente da Federação das Seitas Budistas do Brasil. Em entrevista à Gazeta, para o Dia Internacional da Mulher, a monja revelou que sua passagem pela instituição foi turbulenta, marcada por brigas e, principalmente, machismo.
Durante a conversa, a missionária contou sobre episódios de abuso e discriminação sofridos e como e conseguiu evoluir emocionalmente através da espiritualidade. Além disso, confidenciou quem são as mulheres que a inspiram.
Gazeta: O budismo ajudou a senhora a aliviar as pressões que são impostas às mulheres na sociedade? Como a ordem religiosa recebe as mulheres?
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Monja Coen: Às vezes a gente pensa que, entrando numa ordem religiosa, você vai ter uma equidade entre homens e mulheres, mas isso não existe. Isso porque as ordens religiosas são um reflexo da sociedade em que nós estamos.
Se antigamente a religião era um grande elemento de transformação da sociedade, hoje não é mais. Hoje, na verdade, ela está inserida dentro do nosso mundo e repete padrões da sociedade comum.
Durante o período em que foi presidente da Federação das Seitas Budistas do Brasil, a senhora sofreu ataques por ser mulher? Como foi a recepção dos outros monásticos quando a senhora assumiu o cargo?
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Eu tinha acabado de voltar do Mosteiro Feminino de Nagoya, no Japão, quando o responsável pelo templo foi embora. Alguns superiores pediram para que eu assumisse seu posto e comandasse a Federação.
Eu fiquei muito contente com a proposta e logo comecei a fazer melhorias no templo, que cresceu muito durante minha gestão. Mas isso incomodou algumas pessoas, que não me respeitavam como liderança e passavam por cima das minhas ordens.
Um deles, depois que não concordei em fazer o que ele queria, começou a me perseguir. Por conta de um erro em um folheto (que foi recolhido e arrumado), esse senhor mandou uma carta ao Japão pedindo que enviassem um homem japonês mais velho para comandar o templo.
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Eu sofri três discriminações ao mesmo tempo, porque eles queriam um homem, eu sou mulher, japonês, e eu sou brasileira, e mais velho, sendo que eu era jovem. Esses jogos políticos se elevaram e esse homem mentiu aos superiores, que acreditaram nele.
Com muita sabedoria e controle, que consegui através da meditação e do Zen, não rebati às mentiras. Todos sabiam que não era verdade, então só saí do cargo por vontade própria. Se acreditassem que eu tinha feito algo errado, eles teriam me desqualificado como monja, o que não aconteceu, e eu continuei sendo a missionária da América do Sul.
Sua mãe se divorciou do seu pai quando a senhora ainda era muito nova. Como foi a recepção das pessoas à sua volta sobre isso e como isso te afetou?
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Naquela época, quando uma mulher se separava do marido, ela perdia toda sua posição social. Nem existia divórcio ainda, a separação era chamada de desquite. Assim que minha mãe se separou do meu pai, ela perdeu todas as suas amigas.
Todos os casais de amigos, as primas dela, as pessoas que eles conheciam romperam com ela. E o meu pai, que tinha uma amante, continuou acolhido no grupo social, enquanto a minha mãe foi marginalizada
Eu cresci vendo isso. Minha mãe sempre dizia a mim e à minha irmã que “o mundo foi feito para os homens; eles podem fazer tudo, mas as mulheres não, elas são julgadas por isso”.
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Quem são as mulheres que te inspiraram a seguir a vida como missionária, apesar das dificuldades causadas pelo machismo?
Quando eu estava no Mosteiro Feminino de Nagoya, Aoyama Shundo Roshi era minha superiora. Ela é minha grande inspiração porque foi a primeira mulher a dar aula em mosteiros masculinos. Hoje, com 93 anos, ela forma monges nos mosteiros mais importantes do Japão.
Eu tive a sorte de estar no mosteiro quando uma verdadeira revolução aconteceu. Todo mosteiro feminino precisava ter um superior homem, que visitava o local de três em três meses. Aoyama cuidava de tudo por lá, mas tinha que responder a esse homem.
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Cansado disso, o superior colocou Aoyama como superiora daquele mosteiro. Foi a primeira vez que isso aconteceu, uma mulher no comando sem nenhum homem para supervisioná-la. Depois disso, ela foi dar aula nos mosteiros masculinos.
Qual foi o papel da espiritualidade no meio de tantas turbulências?
Quando saí da presidência da federação, eu tive mais tempo para estudar e praticar a meditação. O Zen nos ensina que às vezes precisamos deixar as coisas fluírem, e não ficar nadando contra uma maré de coisas negativas. Então, se é o momento de sair, a gente sai.
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O maior aprendizado que tive é que eu não seria a mesma pessoa que eu sou hoje se todas as coisas ruins não tivessem acontecido. Quando eu me sento em meditação, olho para tudo que já passou e começo a ver um valor positivo mesmo nas coisas negativas.
Eu sou capaz de compreender até aquele que abusou de mim. Eu não tenho ódio nem rancor de nada, porque tudo fez com que eu ficasse mais esperta. Então essas coisas não vão chegar mais até mim. Hoje eu consigo perceber se alguém está tentando puxar o meu tapete, mas o máximo que eu faço é dar um passo para o lado.
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