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Álbum com sambas do compositor Noel Rosa | Reprodução
O compositor Noel Rosa viveu somente 26 anos e 5 meses, mas foi figura fundamental para popularizar o samba. Nascido em Vila Isabel, em 1910, o carioca criou 259 canções – quase todas tidas como fundamentais para a música popular nacional.
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A Gazeta explica 5 músicas de Noel Rosa consideradas basilares para a cultura brasileira, seja pelo ineditismo do tema, seja pela genialidade dos versos. Olha só:
“Esse sem-queixo é demais. Um gênio! A gente aqui escrevendo, escrevendo, e ele resume tudo em meia dúzia de palavras. Exatamente meia dúzia!”, desmanchou-se o compositor e jornalista Orestes Barbosa, ao ouvir pela primeira vez os versos “Tudo aquilo que o malandro pronuncia, com voz macia / É brasileiro, já passou de português”, de Não Tem Tradução. E completou, emocionado: “Eu trocaria toda a minha obra por um só verso deste samba”.
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Acontece que Orestes era um nacionalista fervoroso, e se emocionou ao escutar pela primeira vez a música de Noel Rosa que versa sobre os estrangeirismos que começavam a pipocar no Rio de Janeiro no início da década de 1930, por causa da popularização do cinema falado. Eram hellos para cá, byebyes para lá e good nights acolás. Até Noel compor uma de suas obras primas:
“Amor lá no morro é amor pra chuchu / As rimas do samba não são I love you / E esse negócio de alô boy, alô Johnny / Só pode ser conversa de telefone”.
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Se comoveu Orestes, desagradou ao também compositor Jurandyr Santos. Autor de Alô John e Bon Soir, o músico publicou uma carta aberta para Noel no jornal: “Você foi impiedoso. Não pôde, sequer, sopitar a revolta do seu espírito erudito, amigo das expressões castiças puras, e compôs Sem Tradução para esmagar seu pobre amigo”.
Até o início da década de 1930 só homens sofriam nas canções brasileiras. Cabiam às mulheres apenas o papel de ardilosas aproveitadoras. Quase um ser sem desejos e opinião. Isso até Araci de Almeida entoar: “Nasci no Estácio / Eu fui educada na roda de bamba/ Eu fui diplomada na escola de samba / Sou independente, conforme se vê…”
A canção composta por Noel Rosa entre 1935 e 1936 é considerada como uma das primeiras a exaltar o sentimento e a opinião feminina na música popular nacional. A letra retrata uma mulher que foi convidada para deixar uma região pobre da cidade para “se tornar a rainha de um grande palácio”. Ou seja, se casar com um homem rico. Mas a personagem revela rápido não estar interessada na proposta:
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“Nasci no Estácio
O samba é a corda e eu sou a caçamba
E não acredito que haja muamba
Que possa fazer gostar de você...”
Durante uma excursão em Porto Alegre, ao lado do grupo Ases do Samba, em 1932, Noel Rosa resolveu mostrar uma canção nova para o cantor Mário Reis. Era algo diferente no ritmo, no andamento, e, principalmente, nos versos. Mulato Bamba retrata a vida de um homossexual malandro do morro do Salgueiro.
A excursão contava também com o cantor Francisco Alves, o pianista Romualdo Peixoto (conhecido como Nonô) e o bandolinista Peri Cunha. Noel pediu, então, para Mário não mostrar a composição para Francisco Alves. Noel queria que Mário gravasse a música. E assim foi feito. Sucesso imediato.
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“O samba entraria para a história como o primeiro na música popular brasileira a tratar com tolerância, simpatia e até com admiração um personagem que a sociedade então marginalizava e a polícia, nas zonas boêmias do Rio, perseguia”, explica João Máximo, co-autor do livro “Noel Rosa – Uma biografia”.
A letra é inspirada em vários homossexuais que Noel conhecia, explica Máximo. Entre eles, Madame Satã, o lendário transformista da Lapa. O personagem retratado no samba é esperto, valente, carismático e faz as mulheres – inutilmente – suspirar por ele: “As morenas do lugar / Vivem a se lamentar / Por saber que ele não quer / Se apaixonar por mulher…”
Noel estava com a saúde debilitada em 1936 e recebeu, em sua casa, a visita de um amigo, que lhe deu a notícia: “Acabei de ouvir a Aracy [de Almeida] cantar Último Desejo no rádio”. “Mas, como? Ela nem aprendeu o samba direito”, respondeu Noel. “É, eu percebi”, retrucou o amigo.
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A cantora preferida havia gravado o samba – feito para Céci, o maior e mais atribulado amor da vida de Noel– com duas alterações que desagradaram o compositor. Aracy cantou “pois meu último desejo você não pode negar”, em vez de “mas meu último desejo...”
Ela também trocou o “o meu lar é o botequim” para “o meu lar é um botequim”, o que muda o sentido. Do primeiro modo revela que o lar do artista é o bar, enquanto do outro indica que a casa dele se parece a um bar.
Noel ficou bravo. Disse que nunca mais daria uma composição sua para ela cantar. Mas, pouco depois, e por Aracy ser sua cantora preferida, esqueceu o assunto.
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Em tempo: Noel Rosa compôs nove sambas para Ceci. São eles A Dama do Cabaré, O Maior Castigo que te Dou, Deixa de Ser Convencida, Quantos Beijos, Pela Décima Vez, Quem Ri melhor É quem Ri no Fim, Pela Primeira Vez na Vida, Pra que Mentir?, Ilustre Visita e Último Desejo. As canções, autobiográficas, são todas em primeira pessoa.
Na canção Gago Apaixonado, Noel consegue reproduzir a fala de um homem que sofre com o mal, mas sem decair no deboche ou na tentação de humilhar o rapaz. A gagueira do personagem na verdade é passageira, causada pela saudade da amada que terminou o relacionamento. O homem, então, roga uma praga na mulher: “Tu-tua falsi-si-sidade é pro-profunda / Tu tu tu tu tu tu tu tu tu vais fi-fi-ficar corcunda!”
“Das suas criações, qual a que mais lhe agrada? E por quê?”, perguntou um repórter da revista O Cruzeiro, em 1932. “É o samba Gago apaixonado porque, além de ser original, os meus vizinhos e os seus papagaios não conseguem cantá-lo”, respondeu Noel Rosa à revista O Cruzeiro, em 1932.
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O samba foi gravada pelo próprio Noel – sem dúvida, o melhor intérprete possível da canção.
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