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Cotidiano
Em entrevista à Gazeta, deputada revela barreiras de ser mulher na política, explica luta pela cassação de deputado e diz que proposta do PSOL 'nunca saiu do papel'
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Isa Penna, em frente ao seu gabinete na Alesp | Ettore Chiereguini/Gazeta de S. Paulo
A deputada estadual Isa Penna (PCdoB) garante que vai até o fim para buscar a cassação do colega Delegado Olim (PP). O Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) rejeitou abrir um processo contra Olim após ele dizer que Isa “teve sorte” de ter sido assediada pelo também deputado Fernando Cury (União Brasil). Na semana passada, a parlamentar entregou um pedido de reabertura do caso. Ela também quer o afastamento de Olim do Conselho de Ética da Casa.
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Mas, por que Olim fez a afirmação sexista em um podcast com milhares de espectadores, em um momento em que os holofotes estavam sobre o caso de Arthur do Val (União Brasil), que seria cassado na Alesp justamente por falas agressivas contra mulheres? Detalhe: Olim era o relator do caso de Arthur do Val.
“Ele estava revelando que assédio para ele pode ser uma brincadeira, e que sou culpada por ter sido assediada. É assim que ele pensa”, responde a parlamentar, em entrevista à reportagem da Gazeta em seu gabinete na Alesp, em que fala também sobre outros casos de assédio que sofreu em sua trajetória política, a intenção de se tornar deputada federal e de sua saída do PSOL.
Ela continua a análise sobre a afirmação de Olim: “Nunca podemos subestimar a prepotência de um homem branco, cis, heterossexual e com poder. Têm deputados que estão aqui há décadas. Um cara desses acha que vai ser cassado? Nunca. Ele reproduz essas coisas porque se sente blindado pela instituição”.
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A penalidade que caiu sobre Fernando Cury, porém, é considerada pela deputada como um sinal de que as coisas podem estar mudando na Casa, apesar de achar a pena insuficiente. Ele foi afastado do cargo por seis meses após passar a mão nos seios de Isa durante uma sessão na Alesp, em dezembro de 2020.
“Um coronel como Fernando Cury ser punido é uma afronta ao sistema. Não é à toa que você vê deputados como Wellington Moura [Republicanos] e como delegado Olim se unindo para o proteger, porque todos sabem que se os deputados começarem a ser fiscalizados quanto ao machismo, vão sobrar pouquíssimos”, acredita ela.
Isa já viveu, segundo relato próprio, uma série de violências de gênero durante a sua atuação política. Como assessora do vereador Toninho Vespoli (PSOL), na Câmara Municipal de São Paulo, havia vereadores que diziam que só assinaria algum requerimento que ela havia levado caso pudessem “pegar em sua mãozinha”.
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Quando se tornou vereadora na Capital, por 30 dias, uma semana depois foi chamada de “vadia” e “vagabunda” pelo vereador Camilo Cristófaro (hoje no Avante, então no PSB, e que está passando por um processo na Câmara por usar uma expressão racista).
Assessores também tiraram foto dela por trás para jogar em grupos de WhatsApp com comentários sobre seu corpo – e ainda teve um que tentasse chantageá-la por isso. Ainda houve vezes que ouviu em rodinha de vereadores, ao se aproximar: “O que vocês preferem? A boca ou os olhos da Isa?”.
Tiveram casos ainda mais graves, como quando um assessor jogou um papel com esperma em sua bolsa. Houve também um deputado, que ela prefere não dizer o nome por não ter como provar, que perguntou qual seria o seu preço “por uma noite”, quando Isa já era deputada.
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“Como isso já aconteceu comigo literalmente dezenas de vezes, quando o Fernando Cury passou a mão em mim não tive aquele momento de congelar, sabe? Não tive dúvida de que aquilo era um assédio”, relembra.
Esse histórico inspirou a deputada a protocolar um projeto na semana passada com a intenção de que parlamentares que sofreram qualquer tipo de punição relacionada à violência de gênero sejam impedidos de permanecer ou concorrer a cargos no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, na mesa diretora ou à Presidência da Casa até o fim da legislatura corrente.
A deputada conta que o caso da violência sofrida de Cury transformou a sua atuação política, e que começou a se tornar referência para muitas mulheres. Ela garante receber uma série de denúncias diárias de todo o Brasil, que vão de tráfico internacional de mulheres a jovens que se descobriram lésbicas e querem saber a melhor forma de contar aos pais religiosos.
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Agora, pretende se tornar deputada federal com a intenção de levar a sua atuação ao âmbito nacional. “O combate à violência contra a mulher é nacional. Um mandato na Câmara me permitirá montar um sistema nacional de combate à violência contra as mulheres”, acredita.
Arthur do Val
Ao se defender do processo que culminaria com a sua cassação na Alesp, o ex-deputado estadual Arthur do Val (União Brasil) comparou seu caso ao de Fernando Cury, lamentando-se de que poderia ser cassado enquanto o colega havia sido apenas suspenso.
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Isa, que defendeu a cassação do líder do MBL, não concorda com a tese de que Arthur do Val foi injustiçado.
“Eu sou a injustiçada. Eu fui a deputada assediada que não teve o seu assediador devidamente cassado e que sou obrigada a conviver com ele no meu local de trabalho todos os dias. Arthur do Val está desesperado. Ele se mostrou um amador na política”, diz.
“Sua falta de conhecimento é um retrato do próprio MBL. Não se sustenta, não tem estofo para parar de pé. Não é uma alternativa mesmo dentro da perspectiva liberal da direita. É confuso, às vezes flerta com o conservadorismo, às vezes com os liberais. É muito inábil politicamente”, acredita a parlamentar.
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Feminismo
O feminismo nem sempre foi um tema relevante para Isa. Ela conta que só se aproximou do movimento com mais profundidade quando cursava Direito na PUC-SP, na zona oeste de São Paulo. Seu pai, que ajudou a fundar o PT, considerava que o feminismo era um tema “um pouco burguês”, e que a esquerda teria que se preocupar com questões consideradas maiores.
“Entro na universidade muito desconfiada com o feminismo. Até que começo a militar no movimento estudantil, entro no PSOL, e começamos a fazer um estudo para fundar o coletivo feminista Yabá, em 2009. E digo: o feminismo mudou radicalmente a minha compreensão política e a minha vida. Tudo na vida de uma mulher muda [ao se conhecer mais o feminismo]”.
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Entre as personalidades feministas que mais admira estão Simone de Beauvoir – “Não dá para não ler pelo menos os três primeiros capítulos de O Segundo Sexo” –, Judith Butler, Angela Davis, Titi Bhattacharya e Lélia Gonzalez, precursora do feminismo negro no Brasil.
Ela também disse que a base do feminismo no País ainda era muito europeizada na década de 1970, mas que começou a avançar para autoras e estudiosas do feminismo negro e latino-americano, que “muda muito a compreensão do feminismo”.
“Quando você traz isso para os países de terceiro mundo e com históricos de colonização de escravidão o feminismo tem que ser uma luta diferente [do que na Europa], senão não abraça essas mulheres”, afirma.
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A atual onda feminista, explica ela, começou em 2011, com a Marcha das Vadias, que teve a primeira edição no Canadá e se espalhou pelo mundo.
Agora, acredita que o tema se tornou popular e tomou as novas gerações.
“O feminismo é uma teoria que saiu das classes médias, das universidades, e se popularizou. As pessoas têm opinião sobre o feminismo. O feminismo hoje é algo de massa, não é mais possível ser ignorado”, sentencia.
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Projetos
Inspirado no Dossiê Mulher Carioca, da vereadora assassinada Marielle Franco, o Dossiê Mulher Paulista é considerado por Isa Penna o principal projeto de seu mandato. A lei promulgada em 2021 busca sistematizar os dados de violência contra a mulher no estado de São Paulo, para tornar as ações de proteção de gênero mais eficazes.
“Quando a Marielle viu que eu assumiria me ligou e falou: ‘Isa, tem esse projeto aqui que é muito bom. Pode ser uma boa base para começar a provocar discussão na sociedade’”, relembra Isa.
Segundo ela, São Paulo é o pior estado em coleta de dados sobre violência de gênero, e que só é possível propor soluções eficazes se souber o tamanho do problema. Ela diz que Dossiê Mulher Paulista, portanto, é o cruzamento de dados que o Estado já tem para se localizar o problema e pensar em políticas públicas eficientes.
“Os servidores públicos são treinados para não perguntar se a mulher é negra, para não anotar se a mulher é mãe, para não anotar se a mulher está grávida. Hoje, ainda temos servidores públicos que intimidam mulheres. Isso é recorrente nas delegacias da mulher”, afirma.
Outros projetos de destaque, conta, são o Empresa Sem Assédio e Universidade Sem Assédio, que ainda tramitam na Casa.
PSOL
Em março deste ano, a deputada trocou o PSOL pelo PCdoB. Ela diz ter respeito pelo PSOL, mas também critica ações e estratégias da sigla.
“Na minha avaliação, a promessa de que um dia teríamos um partido enraizado na periferia com prioridade em atuação de base e não uma atuação só voltada para disputa institucional nunca saiu do papel”, analisa.
“O PSOL elegeu figuras importantíssimas, priorizou a eleição de mulheres. O partido tem esse mérito. Só acho que no PSOL consolidou a lógica de que se você não é de alguma corrente tem pouquíssimo acesso. Eu me expressei a favor da frente ampla desde o começo e sofri boicote. A minha relação com o PSOL foi morrendo aos pouquinhos. Lá não há espaço para o debate na base”, conta.
Ela também diz que o partido se mantém só com homens em posições de comando. “É um partido engessado por essa lógica de direções que dirigem a esquerda brasileira desde o século 20 e que pouco se debruçaram em atualizar o programa político socialista para o século 21 e para o Brasil”.
Ela conta que sofreu críticas por defender, “entre aspas”, a deputada federal Tabata Amaral (PSB), por ir a um ato contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) que também contava com a participação do MBL e até por gravar stories dançando.
“O PSOL é assim: você tem 10 amigos, oito atiram nas suas costas. É algo muito difícil de conviver. O PCdoB é um time que joga junto. E vou te dizer que estou até estranhando essa história de ver um partido jogar junto”, finaliza.
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