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Cotidiano
Coordenadora do MTST em São Paulo consegue votação suficiente para se tornar a primeira ex-empregada doméstica a assumir uma cadeira na Alesp
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Ediane Maria durante entrevista à reportagem da Gazeta | Ettore Chiereguini/Gazeta de S. Paulo
A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) nunca teve uma empregada doméstica como deputada estadual. Até agora. Com a vitória de Ediane Maria (PSOL), a Alesp abre suas portas pela primeira vez para uma ex-babá e ex-empregada tomar posse do cargo a partir de 2023.
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Em entrevista à Gazeta, na sede do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), na região central da Capital, a deputada eleita com 175.617 votos explicou sobre os desafios da campanha, as inspirações políticas, a pretensa diminuição do preconceito dos paulistas contra os movimentos sociais e, principalmente, como pretende agir dentro da assembleia legislativa.
"As empregadas domésticas são uma base da sociedade. São milhares de mulheres que estão nesse emprego, que já estiveram ou que conhece alguém que está. Tive muitos votos de empregadas domésticas, ou de jovens que votaram porque a avó era, ou a mãe é. Foi um negócio de envolver mentes e corações. Fui levada pelo povo", explicou ela à reportagem.
Mulher, negra, bissexual, moradora de periferia, mãe solteira de 4 filhos e nordestina da cidade de Floresta, no semiárido de Pernambuco (ou "do Pernambuco", como prefere chamar), Ediane entrou no MTST em 2017. Àquela altura recebia R$ 600 por mês e não tinha qualquer perspectiva de mudanças, após mais de 15 anos de trabalho em São Paulo como babá e empregada doméstica.
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O MTST devolveu "um Nordeste que havia perdido" e passou a não se sentir mais invisível na maior região metropolitana do País. Ela se tornou coordenadora paulista do movimento por moradia, que hoje conta com 9 ocupações em terrenos por todo o Estado.
Em março deste ano recebeu o convite para ser candidata a deputada estadual pelo PSOL. Guilherme Boulos, coordenador nacional do movimento e que foi eleito neste ano como o deputado federal mais votado por São Paulo, tratou de fazer campanha diária também por Ediane.
"Era raro eu sair de uma reunião [durante a campanha] sem que as pessoas não chorassem. Elas se sentiam parte, mesmo se não tivesse vivido exatamente o que vivi. O que eu contava não era uma história inventada. É a história da minha vida em São Paulo", relembrou.
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Ela também afirmou que pretende agora, no papel de deputada estadual, aprofundar a discussão sobre raça e gênero no Estado.
"Não houve um apartheid oficial no Brasil, mas houve uma diferença de classes. A gente não falou para nossas crianças pretas quem são elas, quem são nossos ancestrais, quem somos nós. Por que para conquistar um emprego temos que mudar o cabelo, o jeito de se comportar e o jeito de falar? São esses porquês que a gente tem que desmistificar e debater", analisou.
MTST na Alesp
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Uma das pretensões com a ida à Alesp é também "dar a caneta" ao ao grupo que sempre atuou nas ruas, e muitas vezes foi tachado com termos depreciativos. O preconceito contra o MTST e outros movimentos populares, disse ela, diminuiu bastante na sociedade durante os últimos anos, o que explicaria a eleição dela e também de Boulos.
"O MTST foi colocado a vida inteira como terrorista, baderneiro, vagabundo, oportunista. Imagina que São Paulo elegeu agora Guilherme Boulos com mais de 1 milhão de votos e me elegeu com mais de 150 mil. São Paulo deu o recado que a política está mudando".
Ela também afirmou que foram os movimentos populares que amenizaram o sofrimento de parte da população durante a crise causada pela pandemia da Covid-19, e que continuam atuando em favor de pessoas em situação de rua.
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"O MTST é o maior quilombo urbano da América Latina. Nas ocupações encontrei o sertão que eu deixei para trás. Sabe quem está lá? Migrantes do sertão do Pernambuco, da Bahia, do Piauí, de Alagoas... São pessoas que vieram construir este grande estado e não tiveram oportunidades".
"Para chegar a morar num barraco de lona é que já arrancaram de você tudo o que podiam arrancar. A nossa luta é pela reforma urbana, pela moradia. As pessoas estão entendendo isso", disse.
Sobre o pretenso conservadorismo da Alesp, que elegeu 19 deputados do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, contra cinco deputados do PSOL, a ex-emprega disse não temer o desafio.
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"Tudo o que a gente conquistou nesses 25 anos do movimento não foi dentro da Assembleia, foi fora, com a luta organizada e com a pressão. O que vai mudar agora é que também estaremos dentro".
Uma de suas primeiras atitudes como deputada estadual será a de fazer uma "grande reunião" com os movimentos populares para debater propostas e ações. Garantiu que o combate a fome será uma pauta prioritária, "como deveria ser de qualquer pessoa séria deste país".
"Se hoje não estamos pior foi por causa de lideranças sociais que se organizaram para combater a fome, porque o governo não estava nem aí com as nossas vidas", disse.
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Mas, antes, garantiu que vai se empenhar para eleger Fernando Haddad como governador e Lula, ambos do PT, no segundo turno. "Não dá tempo nem de relaxar", brincou.
Dilma, Lula e Marielle
Sobre o partido pelo qual se elegeu, o PSOL, ela disse que sente muito representada pela sigla.
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"É um partido que me acolheu, que me abraçou, que mais elegeu pessoas negras. Me sinto parte dos dois. O MTST é a minha faculdade; o PSOL é o partido que me acolheu".
Suas inspirações políticas, afirmou, são Lula, a ex-presidente Dilma Rousseff e a vereadora assassinada Marielle Franco. Suas palavras ficam especialmente agradecidas ao falar de Dilma, porque, segundo ela, foi durante o governo da ex-presidente que ela conseguiu o direito de ter carteira assinada pela primeira vez na vida, em 2015.
"E o Boulos?", questionou a reportagem.
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"O Guilherme é meu pai. Mas ele fala para eu parar de falar isso, porque diz que temos quase a mesma idade (risos). Ele é minha referência de luta".
Além da atuação política, Ediane também costuma se apresentar em rodas de samba, como cantora. Ela disse que foi o samba que explicou para ela o poder de ser mulher negra, e que parou de alisar o cabelo conforme foi conhecendo mais sobre a história dos negros brasileiros.
Questionada sobre qual era sua música favorita, ela não titubeou: "Canto das Três Raças", de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, que ficou famosa pela voz de Clara Nunes. A letra diz: "E de guerra em paz, de paz em guerra / Todo povo dessa terra / Quando pode cantar / Canta de dor...".
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Ediane Maria vai tomar posse em 1º de março de 2023, ao lado de outros 93 deputados estaduais. Serão 25 mulheres e 69 homens. E uma ex-empregada doméstica.
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