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Em entrevista à Gazeta, o artista fala sobre a responsabilidade de abordar temas relevantes para a sociedade nas suas músicas e o prazer sempre presente em fazer arte
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Gabriel O Pensador fala do seu novo álbum "Antídoto Para Todo Tipo de Veneno" | Steff Lima/Divulgação
Um dos pioneiros do rap no Brasil, Gabriel O Pensador lança seu novo álbum “Antídoto Para Todo Tipo de Veneno”. Durante sua carreira, o artista lançou músicas que marcaram época como: "Tô Feliz Matei o Presidente", "Até Quando?", "Cachimbo da Paz", entre tantas outras. Neste novo projeto, o cantor também traz parcerias com nomes importantes da música como Lulu Santos, Xamã, Black Alien e Armandinho.
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Em entrevista exclusiva à Gazeta, Gabriel fala sobre seu novo disco “Antídoto Para Todo Tipo de Veneno” e como a vontade de produzir continua latente mesmo depois de anos de carreira.“As coisas que acontecem no mundo e na minha vida pessoal acabam virando música, a música é um antídoto para mim mesmo, esse nome do álbum diz muito”, diz.
O artista também conta sobre a responsabilidade de produzir uma nova versão de um clássico que é “Cachimbo da Paz 2”, e como os temas sociais se modificaram em alguns pontos, mas continuam presentes. “A sociedade como um todo começa a ficar anestesiada pra certas questões, como a dos indígenas que são massacrados covardemente e não têm seus direitos preservados, as terras demarcadas, a gente começa a ficar meio insensível. Achei que esse tema tava precisando ser revisto de certa forma”.
Leia a entrevista na íntegra abaixo:
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De onde surgiu a vontade de fazer um novo álbum depois de um tempo lançando apenas singles?
No começo foi a transição de uma fase, foram 11 anos entre o último álbum e esse, mas não foi um período sem gravar, lancei muitas coisas, mas sempre singles. Depois do álbum de 2012, senti que o mercado tava valorizando menos o álbum e querendo uma coisa mais rápida de ouvir, a divulgação e tudo tava funcionando mais para o single. Lancei músicas importantes: “Tô Feliz Matei o Presidente 2” , ”Fé na Luta”, foram mais de 10 durante a pandemia. Gravei com a Ivete Sangalo, com a Cinthia Luz, com o Ponto de Equilíbrio, música legais. Mas senti falta de poder juntar vários temas e apresentar de uma vez só. O single, as vezes, corre o risco de ter menos peso que um álbum. E aí, as pessoas voltaram a entender o conceito de álbum, mesmo sendo no digital, era uma coisa que tinha ficado meio em segundo plano, que voltou recentemente. Vi as pessoas valorizando de novo isso, e me ajudou a querer fazer mais um álbum. Eu tava com saudade de fazer tudo isso. Inclusive o papo que a gente tá tendo aqui, tudo que envolve um lançamento é legal, dar uma atenção mesmo, aí acaba olhando para trajetória também. Veio num momento legal.
Como foi o processo de produção desse álbum “Antídoto Para Todo Tipo de Veneno”?
No processo de criação teve uma primeira fase que foi com o Dree beatmaker, que é um cara que toca comigo nos shows, ele foi indicado pelo Papatinho e veio para o meu show, ficamos amigos. Ele tem os beats mais modernos, de trap, de todo tipo de hip hop, de drill, de funk, e a gente começou a brincar assim de fazer umas letras, e eu fui parar lá no Kevin [Afonso] que é um produtor que já tinha trabalhado comigo e que eu já gostava do som. Juntamos alguns beats do Dree, nessa ideia de começar um álbum, e outros que surgiram com o próprio Kevin e mais algumas coisas que teve de colaboração de outros produtores. Quando eu botei na cabeça que eu ia fazer um álbum, eu não eu não me apressei com prazo. Não tinha uma necessidade de um álbum novo para o trabalho, a gente tava numa turnê que tava indo muito bem, que era a comemoração de 25 anos do álbum “Quebra-Cabeça”, tava feliz com essa turnê. Fui fazendo com calma, realmente curtindo o processo. Até descartei umas três faixas que tavam com o pezinho lá dentro do álbum, tinha quase certeza que iam entrar, mas eu sou muito exigente, achei que não combinou. Então foi bem caprichado mesmo, nesse sentido de fazer com calma e entregar o melhor possível.
Você fez a parte 2 de um clássico que é “Cachimbo da Paz”, que aborda temas sociais da época. O que você enxerga que mudou da primeira música para agora?
Esse tema não pode ser normalizado, as mortes decorrentes do tráfico de drogas, como a sociedade muitas vezes trata como um dano colateral, de menor importância. Parte das elites não se chocam com a morte de uma criança, de uma mulher grávida. A sociedade como um todo começa a ficar anestesiada pra certas questões, como a dos indígenas que são massacrados covardemente e não têm seus direitos preservados, as terras demarcadas, a gente começa a ficar meio insensível. Achei que esse tema tava precisando ser revisto de certa forma.
Como foi a produção dessa música e o convite para as participações?
O Lulu [Santos] topou na hora, apesar de ser um desafio, uma responsabilidade pegar uma música tão emblemática e tentar fazer uma parte 2, porque teria que ser à altura daquela outra história. A gente tinha essa missão difícil, inclusive porque o personagem principal já tinha morrido na primeira música. Mas acho que encontramos soluções interessantes, e uma delas foi um convidado a mais que é o Xamã, que tem ascendência indígena, e representa mesmo essas causas na vida dele. Ele tá ligado à questão indígena, que é um dos temas dessa parte dois e não era tanto na primeira, apesar de ter sido positiva também indiretamente para as comunidades indígenas na época. No videoclipe eu tinha feito uma uma alusão ao líder indígena Pataxó que foi queimado em Brasília - refere-se ao caso do indígena da etnia Pataxó Hã-Hã-Hãe, Galdino Jesus dos Santos, que foi assassinado em Brasília, em 1997 -. Aquela música tinha um pouco dessa questão, mas essa entrou mais nisso, e o Xamã também reforçou isso.
Atualmente estamos discutindo a legalização do porte de droga para uso pessoal, que também é abordada na música, houve uma evolução nesse tema?
A gente vê a sociedade discutindo pelo menos a possibilidade da alteração na questão do porte de maconha para não enquadrar o usuário como traficante, como muitas vezes acontece, principalmente com quem não tem dinheiro. Mas ainda é uma questão muito complexa, que não fica só nessa situação do porte. Existe a questão da venda, da compra, e toda violência que é decorrente disso. É um assunto bem complexo que a gente tenta trazer de volta, mas de uma forma agradável como da outra vez, de uma forma que as pessoas curtam a música também, que fique uma coisa gostosa de ouvir.
Você está satisfeito com o resultado de "Cachimbo da Paz 2"?
Fiquei bem satisfeito, mas assim também teve etapas de experiências bem curiosas de alterar detalhes na letra e depois voltar e gravar de novo a música. Ela tinha dois caminhos possíveis, já com o refrão do Lulu criado, mas o beat tinha dois caminhos possíveis, um que era mais mais clássico na divisão do beat e outro mais quebrado, como é esse, mas só que ainda não tava muito bom. Eu tava me apegando aquele mais clássico e a minha mulher, a Gabi, ela me bota pilha para eu fazer a experiência com as novidades, quanto mais melhor e eu gosto também. Nesse caso eu lembro que ela falou "cara, esse não tá trazendo novidade, tá maneiro, mas insiste no novo". Eu já tava aceitando a outro porque era muito bom, mas aí eu falei para o Kevin, “cara vamos fazer do zero esse beat mais moderno” . Ele foi lá e fez esse, que eu adorei e todo mundo adorou. Gravei a voz de novo também, antes era um pouco mais suave contando a historinha lá, eu fiz mais forte, com mais energia. Essa música realmente é uma dos destaques, a qualidade do som e tudo. Gosto muito do resultado. Ela tá entre as top 10 da rádio, tá indo super bem, a galera tá curtindo aí foi um alívio também.
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E os clipes dessas produções?
O clipe tá pronto já faz tempo. Tenho que comentar dos clipes até para elogiar o trabalho dos diretores. A gente saiu com outro clipe sexta-feira (15) também, de “Nunca Tenha Medo” com Black Alien que saiu junto com o álbum. Mas falando do “Cachimbo” ainda, uma ideia que foi do Guilherme Brehm, que é o diretor, a história do indígena que já tinha sido morto, a gente teve que buscar a fórmula da ressurreição para poder surgir a nova história. E aí nessa da ressurreição, o Guilherme deu a dica e eu adorei, de botar um indigena mais jovem incorporando o espírito. Então nós tivemos o Cacique Tukano que é Presidente do Conselho Estadual de Direitos Indígenas do RJ, um senhor que contou algumas histórias interessantes, e tivemos o outro que é ator, mas também é de origem indígena, o Yumo Apurinã, que fizeram parte. Achei uma boa solução do Gui para a história.
E o que te inspira pra produzir?
Eu tô muito sensível, né? As coisas que acontecem no mundo e na minha vida pessoal acabam virando música, a música é um antídoto para mim mesmo, esse nome do álbum diz muito para mim. Eu poderia me expressar às vezes até num poema que nunca vai ser lido por ninguém, é uma terapia importante que eu faço. São frutos de uma necessidade emocional, de trocar essa ideia, extravasar, desabafar muitas vezes. E de aproveitar também essa sorte que eu tenho de poder levar alegria, que são dois lados que se complementam no meu trabalho, um que é poder fazer refletir que tem essa questão da crítica, mas tem um outro que eu reconheço e valorizo que é poder subir num palco, ou então ser ouvido no rádio, e trazer um sorriso, uma coisa mais descontraída, que eu gosto de fazer. Para mim a motivação é essa, isso gera energia boa, histórias boas. Eu recebo também feedbacks que me motivam, são histórias que me contam da influência das minhas músicas, de decisões pessoais ou de encorajamento, isso me motiva bastante. Além do prazer artístico de fazer um som bem feito, de fazer uma rima bem feita, o flow, a gente gosta da parte criativa também, gosto de executar ao vivo. Tem um prazer nisso que é inegável, não falta motivação.
Suas músicas também trazem um lado de esperança. Com tantos momentos difíceis que aconteceram no Brasil e no mundo nos últimos anos, como você permanece acreditando nas mudanças positivas?
Acho que aí isso remete ao título do álbum, de buscar o antídoto para tanto tipo de veneno. A gente tem, e cada vez mais isso é gritante, o comportamento da humanidade como aberrações, agressões a autistas, a intolerância que aumenta, a indiferença, o aumento da ansiedade, tanta coisa pesada que a gente percebe não só pelas notícias, mas pelas nossas amizades, nossas famílias, isso nos leva a buscar o antídoto. A esperança, o perdão, a compreensão, a superação da dor, recomeços, é isso que eu acho que ajuda a manter acesa essa chama. Eu enxergo assim porque eu também sou de carne e osso. Às vezes bate uma onda de desânimo, mas a gente tem essa chance de levantar o astral com a música, com as palavras, e consegue fazer bem mais. Temos que fazer certas músicas que são a constatação de um lado ruim da realidade também, elas vão se equilibrando.
O que mudou do Gabriel do começo da carreira pra hoje?
Acho desde que eu comecei a fazer música não tinha vontade de ficar famoso, de virar artista como muitos querem, virar influencer, ou qualquer coisa só para ser famoso sem saber qual é o conteúdo do que querem fazer. O meu caso sempre foi o contrário, eu era tímido, bem introvertido e tinha necessidade de falar daquilo que eu sentia, o “Retrato de Um Playboy”, racismo, e os temas do primeiro disco. Queria que a minha geração fosse menos alienada, que as pessoas se ligassem naqueles assuntos. Queria falar de tanta coisa e hoje acho que eu continuo fazendo por querer trocar essa ideia mesmo, minha motivação é acreditar que a gente muda o mundo na mudança da mente, como eu falo da música “Até Quando?”. E muda mesmo, cada um no seu pequeno ciclo de amizade, no seu grupo de amigos, isso é ser uma influência. Influenciar as pessoas que você tem contato de alguma forma, não precisamos ser jornalistas, artistas, que são figuras que tem uma voz maior, né? Qualquer um tem esse poder, vejo várias histórias bonitas, exemplos que eu conto até nas minhas palestras de histórias de um cara que inspira outros, você vê isso o tempo todo. Acho que temos que olhar e pescar as coisas boas no meio de tanta coisa ruim, tanta gente ruim.
Tem alguma música específica da sua carreira que você sente que teve um grande impacto?
Nas palestras eu conto umas histórias e tenho até uns vídeos de depoimentos de algumas pessoas que me contaram histórias delas, que é a música que eu lancei no meu primeiro álbum “Lavagem Cerebral”, que falava do racismo. Depois ela mudou de nome em um novo arranjo com a mesma letra , e foi rebatizada de "Racismo é Burrice” no álbum MTV ao vivo. As pessoas preferiam ignorar ou esconder esse tema, e aí eu consegui dar voz para um assunto que ainda era visto como um tabu. Tem “Fé na Luta”, que teve uma menina que desistiu de cometer o suicídio e me mandou uma mensagem bonita e depois eu a conheci pessoalmente. Depois disso, é mais um curioso ainda que essa música tinha ali a voz do Chorão e o baixo do Champignon sampleados, a música já era emocionante para mim e ganhou essa outra história. Tem “Tô Feliz Matei o Presidente”, músicas que também deram voz para alguns momentos que as pessoas precisavam. "Até Quando?" que não é uma música de uma época só, mas ela fala também de questões importantes e gosto muito de cantar no show.
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Qual a principal mensagem do seu trabalho hoje?
Eu sou um poeta, um cronista e gosto de falar de tudo. Mas eu acho que se eu for pensar o que dizer para o meu filho como principal numa conduta na vida, é o respeito ao próximo, é saber entender o próximo. Tem um refrão na música que eu lancei “Profecia” tem uma frase lá que fala umas coisas no começo: “Se o muro for alto, eu escalo e grafito / Se ainda não existe, eu fabrico / Se fecham a cortina, meu show não termina / Se mandam sair, é que eu fico / Se mandam falar, eu me calo e reflito / Se tentam me calar eu grito / Se eles estão na moda, eu sou esquisito / Se o mundo é de chumbo, eu levito / Se todos duvidam, acredito / E se todos concordam, eu duvido / Se me pedem corda pra forca, dou força pra vida / Se todos tem voz, tenho ouvido”. Eu acho que nesse refrão tem um pouco disso, ser original, ser dono das próprias ideias, não ser manipulado, ter a liberdade de pensamento, e saber ouvir, é isso que vem na minha cabeça.
*Assistente de redação, sob supervição
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