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A Cinemateca ficou 16 meses sem gestão direta e viu a demissão repentina do corpo técnico
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Cinemateca ficou 16 meses sem gestão direta e tenta se reerguer após incêndio | Rovena Rosa/Agência Brasil
Passados oito meses desde o incêndio que atingiu o depósito da Cinemateca Brasileira, a instituição agora tem de se virar com 40 funcionários para diagnosticar os danos causados pela paralisação e retomar suas atividades integralmente.
A Cinemateca ficou 16 meses sem gestão direta e viu a demissão repentina do corpo técnico, fruto de um imbróglio envolvendo Ministério da Educação e Secretaria Especial da Cultura. Repleta de materiais que demandam acompanhamento rotineiro, a paralisação pôs em risco importantes registros da história do audiovisual brasileiro.
"A última crise administrativa foi sem dúvida a maior crise da história da Cinemateca. Ela começou em 2020, quando a organização social anterior [Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, a Acerp] perdeu o contrato de gestão, não pôde seguir administrando a Cinemateca. Foi um período muito traumático para os trabalhadores e para a instituição", diz Gabriela de Sousa Queiroz, diretora técnica.
A gestão Mario Frias só foi anunciar um edital para seleção de uma entidade gestora um dia depois do incêndio no depósito. Quem posteriormente assumiu foi a Sociedade Amigos da Cinemateca, a SAC, entidade privada sem fins lucrativos que já esteve na cabine de comando da Cinemateca em outras ocasiões.
A abertura do local para o público está planejada para maio, já que a programação cultural da instituição não está entre as prioridades no momento.
A prioridade máxima, entre tantas outras, foi do ao acervo de cerca de 3.000 filmes com película de nitrato de celulose, material que costumava ser utilizado na indústria cinematográfica no início do século 20 e que apresenta alto risco de autocombustão.
"A nossa grande preocupação era o nitrato pegar fogo, como já pegou em 2016. Por volta de mil títulos foram perdidos", conta Maria Dora Mourão, diretora da Sociedade Amigos da Cinemateca, a SAC, entidade privada que ganhou o edital para gerir o local. "Tem que ter um cuidado cotidiano. E durante um ano e meio, esse cuidado não aconteceu", diz.
O nitrato foi o responsável por outros quatro incêndios na Cinemateca, que ocorreram em 1957, 1969, 1982 e 2016. Com a volta da SAC, a revisão do nitrato foi retomada.
O monitoramento do depósito de matrizes audiovisuais, que contém negativos originais de filmes e programas da TV Tupi também foi retomado e está em condições ideais de temperatura e umidade, afirma Queiroz.
Na sede, na Vila Clementino, zona sul de São Paulo, o centro de documentação foi um dos menos impactados em relação à infraestrutura e a infiltrações. As quatro toneladas de arquivos públicos - sobretudo arquivos de órgãos extintos do audiovisual brasileiro- que estavam no depósito da Vila Leopoldina, contudo, não tiveram a mesma sorte.
O laudo final dos danos causados pelo incêndio no ano passado ainda está em processo de conclusão, mas boa parte desses arquivos foi perdida para sempre.
"O país é responsável pelo que aconteceu", diz Gabriela Queiroz, sobre o incêndio. "O país precisa olhar para as suas instituições de memória, precisa encarar sua história. Isso não é só com a Cinemateca."
"Estamos falando de Estado, estamos falando de governo, de sociedade, de profissionais, do mercado, da indústria cinematográfica. Todo mundo", acrescenta.
Entre os principais danos já diagnosticados, destaca-se um problema no telhado de um dos galpões na Vila Clementino, justamente onde ficam laboratórios de restauro, envolvendo goteiras e infiltração.
Por isso, as atividades do laboratório de imagem e som ainda não foram totalmente retomadas. Aliado a isso, a equipe ainda tem de lidar com prejuízos acumulados da enchente de fevereiro de 2020 e do incêndio de 2021, que ocorreram na unidade da Vila Leopoldina. Equipamentos que ficaram sem uso ao longo do período também apresentaram problemas.
O início da nova gestão se deu com uma equipe de 20 pessoas e agora conta com 40, aproximadamente. Segundo Gabriela Queiroz, o número adequado giraria em torno de 150 a 200 pessoas para que a Cinemateca alcance a sua plena operação. "Como isso não é possível, estamos numa crescente, não paralisando o monitoramento do acervo, ainda que as condições sejam das mais adversas."
"Os materiais não podem ficar sem monitoramento, sem acompanhamento. E no meio desse caminho ainda teve uma tragédia, que foi o incêndio em 2021 nesse período em que as atividades finalísticas foram paralisadas", diz a diretora técnica.
O contrato com a SAC, de cinco anos, prevê um repasse de R$ 14 milhões por ano, além de exigir que a OS capte na iniciativa privada um valor complementar. Segundo Mourão, um valor próximo do ideal seria em torno de R$ 30 milhões.
"Com uma equipe de 40 pessoas, não dá para a gente retomar tudo simultaneamente. A equipe é pequena, nós precisamos de mais pessoas. O dinheiro é limitado e isso limita também as ações. A intenção é fazer captação, fazer parcerias e colocar essa roda para girar de uma vez por todas", diz a diretora.
"A Cinemateca tem uma ação muito específica, que é cuidar da memória. Isso, do ponto de vista cultural, não é prioridade", diz a diretora Dora Mourão.
Ainda assim, ela tece elogios ao novo secretário especial da Cultura, Hélio Ferraz, que antes de assumir a cadeira de Mario Frias, chefiou a Secretaria do Audiovisual, a SAv. Segundo Mourão, Ferraz "vestiu a camisa da Cinemateca".
A diretora, porém, demonstra preferir a prudência ao otimismo irrestrito. "A cultura no Brasil sempre foi muito maltratada. Os governos em geral nunca tiveram uma preocupação com políticas públicas para a cultura. Às vezes sim, às vezes não. Não há continuidade nas políticas públicas."
Ela diz que "um dos motivos da crise foi uma total falta de interesse pela Cinemateca". E se há males que vêm para o bem, Mourão reconhece um paradoxo. "Acho que nunca se falou tanto da Cinemateca como ultimamente".
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