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Cotidiano

STJ desobriga planos de saúde a cobrir procedimentos fora da lista da ANS

A decisão, que afeta milhões de usuários de planos, é favorável às empresas que atuam no setor

Maria Eduarda Guimarães

08/06/2022 às 15:54  atualizado em 08/06/2022 às 16:33

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Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS

Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS | Arquivo Agência Brasil

 O STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu nesta quarta-feira (8) desobrigar as operadoras de planos de saúde a custear, com a possibilidade de exceções, procedimentos não incluídos na lista de cobertura estabelecida pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

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A decisão, que afeta milhões de usuários de planos, é favorável às empresas que atuam no setor e altera um entendimento predominante há mais de duas décadas no Judiciário, a partir de demandas individuais levadas a diferentes instâncias do Judiciário contra negativas de atendimento.

Iniciado em setembro do ano passado e interrompido por duas vezes desde então, o julgamento foi retomado nesta quarta (8) pela 2ª Seção do tribunal, composto atualmente de dez ministros.

O Supremo Tribunal Federal também deve se pronunciar sobre a matéria, em ação protocolada no mês de março pela Associação Brasileira de Proteção aos Consumidores de Planos e Sistema de Saúde, que defende o rol exemplificativo. O ministro Luís Roberto Barroso é o relator.

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A lista da ANS estabelece a cobertura assistencial a ser garantida pelos planos privados. É chamada de Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. A primeira versão foi editada em 1998 e, desde então, sofreu atualizações para incorporar novas tecnologias em saúde.

A corte superior avaliou se o documento deve ser exemplificativo ou taxativo. Por taxativo, entende-se que é restrito, sem margem interpretativa. Na modalidade exemplificativa, funciona como referência mínima e outras obrigações podem ser acrescidas para atender as necessidades dos pacientes.

Decisão de um colegiado do mesmo STJ já havia definido que o rol tem caráter exemplificativo, porém, e, 2019, entendimento em sentido contrário foi fixado, motivando, agora, o debate mais amplo.

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Entidade que reúne 13 grupos empresariais que operam planos de saúde no Brasil, a FenaSaúde defendeu o modelo taxativo do rol da ANS.

Em manifestação anexada ao processo por advogados do escritório Sergio Bermudes, que a representa, argumentou que tal modalidade garante ao setor o equilíbrio atuarial "sob pena de inviabilização do serviço, em prejuízo a todos".

"Se nem o Estado, a quem a Constituição Federal atribuiu o dever de cuidar da saúde de todos, está obrigado a fornecer indiscriminadamente medicamentos", afirmaram os advogados, "não há qualquer razão para que obrigações dessa mesma natureza – fornecimento e custeio de procedimentos – recaiam, sem qualquer restrição, às operadoras e seguradoras".

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Relator do caso, o ministro Luís Felipe Salomão entende que a lista deve ser taxativa, mas considerou a possibilidade de hipóteses excepcionais. Frisou que o rol taxativo é adotado em diversos países, como Estados Unidos, Japão e Inglaterra.

O magistrado afirmou que esse modelo protege os beneficiários dos planos de aumentos excessivos uma vez que a segurança jurídica dada às operadoras evita o repasse de custos adicionais.

De acordo com Salomão, a lista mínima obrigatória é garantia de preços mais acessíveis.

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"Considerar esse mesmo rol meramente exemplificativo representaria, na verdade, negar a própria existência do 'rol mínimo' e, reflexamente, negar acesso à saúde suplementar à mais extensa faixa da população", afirmou.

Ele mencionou hipóteses excepcionais em que seria possível determinar à operadora de saúde a cobertura de procedimentos não previstos expressamente pela ANS.

Entre elas estariam terapias com recomendação expressa do CFM (Conselho Federal de Medicina) que possuam comprovada eficiência para tratamentos específicos.

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Como exemplo está o caso de um dos recursos analisados pelo STJ. O autor da ação pleiteou a cobertura do tratamento de EMT (estimulação magnética transcraniana), prescrito pelo psiquiatra para um quadro depressivo grave e esquizofrenia.
Salomão entendeu que a excepcionalidade da situação autorizava a determinação de cobertura, pela operadora, de procedimento não previsto no rol de procedimentos.

Segundo o ministro, o CFM passou a reconhecer a eficácia da EMT, com indicação para doenças psíquicas e no planejamento de neurocirurgias. Ele também ressaltou estudos científicos que demonstram a indicação do tratamento nas situações em que o paciente não responde adequadamente à intervenção com medicamentos antidepressivos.

Para reforçar a argumentação, o relator lembrou que Medida Provisória nº 1.067/2021 explicitou que a amplitude da cobertura no âmbito do sistema de saúde suplementar deve ser estabelecida em norma editada pela ANS. A MP revisou trechos da Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998).

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Ela instituiu a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, com a missão de assessorar a agência "na identificação de evidências científicas sobre eficácia, acurácia, efetividade e segurança do medicamento, produto ou procedimento analisado".

Após o voto de Salomão, a ministra Nancy Andrighi apresentou voto divergente ao entender que o rol da ANS tem caráter exemplificativo porque "só dessa forma se concretiza a política de saúde idealizada pela Constituição".
Ela classificou de "utópica" a ideia de que a fixação de uma cobertura mínima, por meio de um rol taxativo, tornaria os planos de saúde mais acessíveis, sobretudo à massa de desassistidos pelas políticas públicas de assistência à saúde.

Para a ministra, o documento é uma importante referência, seja para operadoras de saúde, profissionais e para os beneficiários. "Mas nunca como imposição genérica de tratamento, que deve ser obrigatoriamente prescrito e coberto pelo plano de saúde para determinada doença", afirmou.

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Disse que admitir o teor taxativo do rol de procedimentos seria "aceitar a exorbitância do poder regulamentar exercido pela ANS". O que implicaria em, segundo ela, demandar do consumidor "conhecimento técnico que ele, por sua condição de vulnerabilidade, não possui, nem pode ser obrigado a possuir".

Andrighi abordou questões mercadológicas.

Destacou que, a despeito do aumento das despesas das operadoras da saúde na última década, o lucro das empresas, "em torno de bilhões de reais por ano", mais do que dobrou entre 2014 e 2018, e a receita do setor aumentou mesmo com queda no número de usuários, citando estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

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