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Cotidiano
Na prática, é como se uma ambulância cruzasse as ruas da cidade para socorrer uma vítima do trânsito a cada 43 minutos
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Marginal do Tietê, em São Paulo | Bruno Escolástico/Photo Press/Folhapress
A quantidade de atendimentos realizados pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) a acidentados de trânsito cresceu 40% na capital paulista entre janeiro e novembro de 2021, na comparação com igual período de 2019, no pré-pandemia. Os números fora obtidos pela "Folha" via LAI (Lei de Acesso à Informação).
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Segundo os dados da própria Prefeitura de São Paulo, foram 11.196 chamados para atender a acidentes nos 11 primeiros meses de 2021, ante 8.005 de janeiro a novembro de 2019. Na prática, é como se uma ambulância cruzasse as ruas da cidade para socorrer uma vítima do trânsito a cada 43 minutos, em média.
A quantidade de atendimentos é excepcional também quando se olha para os demais anos. Trata-se do maior número de chamados ao Samu ao menos desde 2016, a partir de quando foi feita a consulta à base da prefeitura, por meio da LAI.
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Professor de medicina do trânsito da Unifesp, Flávio Adura afirma que o aumento na gravidade dos acidentes durante a pandemia pode estar relacionado a outro fenômeno que ganhou força nos últimos dois anos. "A motocicleta, pelo seu custo menor de manutenção e agilidade, passou a cumprir uma função elogiável", diz.
"Está permitindo que as pessoas façam distanciamento, recebam as coisas em casa, mas sabemos que é extremamente vulnerável no trânsito", explica.
Durante a apresentação da motofaixa da avenida 23 de Maio, em 10 de janeiro, projeção da própria CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) apontou para 394 motociclistas mortos em 2021, o maior número desde 2014.
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Segundo Adura, acidentes envolvendo motos matam, por quilômetro rodado, 16 vezes mais do que os outros modais. Outras questões também colocam os entregadores na linha de fogo dos atendimentos do Samu. O uso do celular aumenta em 400% o risco de um sinistro. "Motociclistas têm que acionar o dispositivo para fazer a entrega. Têm que pilotar e ver as demandas", diz.
O professor da Unifesp conta que se a pessoa estiver em um veículo a 80 km/h e mandar ou ler uma rápida mensagem de texto, ela se desloca por uma distância equivalente a um campo de futebol sem perceber o que está acontecendo. "Sem ver um pedestre, um outro veículo", explica Adura.
Outro fator também é apontado pelo especialista em medicina do trânsito como um problema grave.
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"Desnecessário dizer que estamos estressados, deprimidos. Está no ar, pairando, estados emocionais exacerbados, o que por si só é um risco", diz. "Muitas dessas pessoas ansiosas e deprimidas vão usar medicamentos, que dão sono, letargia", conta
Para Adura, o fato de as motos serem vetor de acidentes graves não é motivo para jogar a responsabilidade toda apenas sobre os próprios motociclistas. "A maioria não tem vínculo empregatício, não tem seguro. Eles são obrigados a cumprir horários fora das leis trabalhistas. Se não for assim, não trabalham. Mas como não vão trabalhar, se precisam do dinheiro, levar o pão para casa? A responsabilidade maior não é deles, mas de legisladores e fiscalizadores que deveriam tentar diminuir esses eventos tão trágicos", explica.
Consultor em mobilidade, o urbanista Flamínio Fischman afirma que as cidades, em geral, não incluem os motociclistas de forma adequada. "Quais medidas a gente adotou para protegê-los? Estamos com déficit tecnológico na engenharia de tráfego que contemple motos e bicicletas", diz.
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Fischman explica que o desenho urbano é voltado para automóveis. Como exemplo, cita a disposição dos guard-rails, o dimensionamento de vagas e até mesmo a fiscalização pela maioria dos radares, que detecta a placa dianteira dos veículos, o que uma motocicleta não tem. "A gente precisa de uma nova geração de engenharia de tráfego, preocupada com motocicletas e motociclistas", afirma.
Segundo o urbanista, além dos obstáculos no cenário das cidades, a própria engenharia automotiva pouco favorece as motos. "Quando a gente olha os retrovisores de automóveis, caminhões e ônibus, eles não ajudam a visualizar motociclistas", diz.
Fischman também diz que os motociclistas são vistos com preconceito, mesmo tendo contribuído de forma fundamental para a manutenção do isolamento social durante a pandemia. "Houve uma exposição maior de motociclistas a riscos para oferecer um benefício social às pessoas que não poderiam se deslocar, por causa das restrições."
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Questionada sobre o aumento no número de chamados, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal da Saúde e do Samu, diz que, ao longo dos anos, tem se estruturado para atender a demanda crescente dos grandes centros urbanos com aumento nas frotas de transporte e incidência de acidentes, principalmente com motos.
Segundo a prefeitura, o Samu participa de projetos com outras instituições para diminuir incidentes com motociclistas. A secretaria diz que, na comparação entre o ano inteiro de 2021 com 2019, o aumento no número de atendimentos de acidentes de trânsito pelo Samu foi de 27% –nos números de janeiro a novembro, fornecidos pela própria prefeitura, o aumento foi de 40%, como registrado acima.
Em nota, a prefeitura diz que, "em razão da pandemia, uma tendência que já era observada desde 2018 sofreu forte influência do novo panorama: o crescimento do número de trabalhadores de entrega por aplicativo que utilizam moto". A administração cita a criação da Faixa Azul, na avenida 23 de Maio, como uma das ações específicas para motociclistas.
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Já a Secretaria de Mobilidade e Trânsito diz que tem adotado uma série de medidas para proteger a vida de pedestres, ciclistas, motociclistas e condutores, como redução de velocidades máximas, aumento do tempo de travessia para pedestres e ampliação da malha cicloviária.
A Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), que representa aplicativos como Ifood e Uber Eats, afirmou por nota, que não teve acesso aos dados que apontam que o aumento no número de óbitos de motociclistas está ligado às entregas por aplicativo. "A associação reitera que suas associadas incentivam através de campanhas e comunicações constantes a importância do respeito às leis de trânsito, e não há qualquer incentivo por longas jornadas ou pela adoção de altas velocidades nas corridas", diz.
O Rappi, que não faz parte da Amobitec, diz que busca constantemente a sustentabilidade de seu ecossistema, o que compreende soluções para beneficiar todos os seus elos, como os entregadores independentes. Centros de atendimento presenciais, suporte em tempo real, capacitação online, informativos com dicas de segurança no trânsito, botão de emergência para situações de risco de saúde ou segurança e seguro para acidente pessoal, invalidez permanente e morte acidental são algumas das medidas.
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