A+

A-

Alternar Contraste

Quinta, 19 Setembro 2024

Buscar no Site

x

Entre em nosso grupo

2

WhatsApp
Home Seta

Cotidiano

Psicóloga revela como a ansiedade afeta a saúde mental e explica importância do tratamento

Tatiane Paula fala sobre aumento da ansiedade generalizada no pós-pandemia, riscos causados pelas redes sociais e a importância do tratamento com profissionais da área de saúde mental

Natália Brito

04/08/2023 às 12:03  atualizado em 04/08/2023 às 19:08

Continua depois da publicidade

Compartilhe:

Facebook Twitter WhatsApp Telegram
Psicóloga Tatiane Paula

Psicóloga Tatiane Paula | Ettore Chiereguini/Gazeta de S. Paulo

A pandemia da Covid-19 trouxe para além da questão do vírus um aumento da ansiedade para parte considerável da população, principalmente das grandes cidades brasileiras, como São Paulo. A pandemia foi controlada, mas hoje há um consenso sobre uma “proliferação” de quadros de ansiedade, além de outros transtornos de saúde mental.

A Gazeta conversou nesta semana com a psicóloga Tatiane Paula, com formação em terapia cognitiva-comportamental e especialista em relacionamentos, compulsões, ansiedade e transtornos mentais, que contou como a ansiedade generalizada provoca sofrimento para quem convive com a doença. Ela explicou como a psicologia e a psiquiatria podem amenizar o sofrimento e fazer as pessoas voltarem a viver uma vida normal.

Continua depois da publicidade

Psicóloga Tatiane PaulaPsicóloga Tatiane Paula/Ettore Chiereguini/Gazeta de S. Paulo



“No momento em que você deixa de dar conta da sua rotina diária e passa a viver em função desse medo, dessa angústia, é um sinal de alerta para buscar ajuda”, revelou Tatiane, que destacou ser importante desmistificar qualquer tipo de preconceito contra os tratamentos de saúde mental.

A profissional que atende na capital paulista também explicou sobre outros males que parecem estar mais “populares” nas grandes cidades, como síndrome do pânico, solidão, dificuldade de interações sociais, vício em drogas, álcool e até em rede social.

Leia a entrevista:

A percepção de que a ansiedade aumentou nas grandes cidades após a pandemia da Covid-19 é real?

A ansiedade vem de um sinal de alerta natural que o corpo emite nas situações de perigo. Na pandemia era o tempo todo com notícias de situação de risco de contaminação, possibilidades de ficar em um hospital, possibilidade de internação, de piora de quadro, de morte. As pessoas tinham muito medo. Ansiedade são pensamentos irreais futuros, pensamentos intrusivos daquilo que ainda não existe, e aí pode evoluir para uma ansiedade generalizada. Na pandemia tinha evidências concretas de realidade, em que as pessoas se depararam mesmo com notícias de desastre, morte, pessoas internadas. A ansiedade [em muita gente] foi obviamente desencadeada pela pandemia, mas às vezes a pessoa tinha já uma questão pregressa, e a pandemia potencializou. 

Quando a ansiedade deixa de ser normal e passa a ser um sinal de alerta para buscar ajuda profissional?

Quando começa a ter prejuízos na vida. No momento em que você deixa de dar conta da sua rotina diária e passa a viver em função desse medo, dessa angústia, é um sinal de alerta para buscar ajuda. A ansiedade normal é um sinal que o corpo emite para gente ficar em alerta para coisas novas que estamos para desenvolver. A ansiedade generalizada é quando você deixa de fazer as coisas que são importantes para sua vida.

O pânico é uma “super-ansiedade”, ou pânico e ansiedade são coisas distintas?

Elas são parecidas. Na ansiedade você tem pensamentos intrusivos aleatórios automatizados de alguma coisa que não aconteceu. O transtorno de pânico também vem para esse mesmo caminho, só que existe ali um padrão condicionado que existiu na vida dessa pessoa. A pessoa tem ali uma evidência às vezes muito concreta de alguma coisa que já aconteceu. A terapia vem para desmistificar, para mostrar que agora é um outro momento, para viver o tempo presente. Vamos gerenciar essas emoções, separar o que é real do que não é real, para a pessoa ter o melhor controle dessas emoções. Muitas vezes, só na terapia não vai ser possível, então vem a medicação para dar essa estabilidade dessas alterações químicas que acontecem no cérebro.

Há pessoas que procuram ajuda para ansiedade e acabam descobrindo outros transtornos mentais?

Chamamos isso de comorbidades psiquiátricas, a pessoa procura uma ajuda médica ou psicológica para trabalhar a ansiedade e às vezes esses sintomas vêm espelhado em outros transtornos psiquiátricos. Cada caso é um caso, mas é importante entender que o diagnóstico vem de um médico psiquiátrico, e o psicólogo pode traçar uma hipótese diagnóstica. O tratamento deve ser multidisciplinar para todos os transtornos mentais. Muitas vezes é necessário um apoio medicamentoso, e o apoio psicológico vem para complementar esse tratamento. 

Há casos de o paciente resistir ao uso do medicamento?

Muitas pessoas, inclusive pacientes que atendo aqui, com ansiedade generalizada, picos de depressão, tem uma recusa de procurar uma ajuda psiquiátrica, porque há os estigmas do serviço de saúde mental, aquilo de “ah, não sou maluco”. Existe também uma crença muito distorcida de que os remédios vão viciar. Quero deixar claro que a medicação não vicia se a pessoa fizer os retornos adequados com um médico de referência. O que acontece muito é que a pessoa procura o médico inicial de referência, e por conta própria aumentar a dosagem, achar que aquela dosagem é insuficiente. A pessoa procura outra unidade de saúde pelo convênio ou pelo SUS e pega outra receita. É isso que vai fazer viciar.

É importante o mesmo psiquiatra acompanhar o tratamento inteiro?

Sim, porque há uma continuidade de tratamento, com começo, meio e fim. O remédio vai cumprir uma função de agir num desajuste químico neuronal que está acontecendo com a pessoa naquele momento, e a psicoterapia vem para que essa pessoa aprenda maneiras e métodos mais estruturados de dinâmica de funcionamento de comportamento para que consiga fazer o desmame da medicação. Por isso que o trabalho multidisciplinar é fundamental. Nosso cérebro é flexível, a gente pode moldá-lo para funcionar de uma maneira melhor com a psicoterapia. E é importante lembrar que existe alta da psiquiatria e existe alta da terapia. Da mesma forma que você procura o pneumologista para cuidar pulmão, por que as pessoas não procuram o psiquiatra e o psicólogo para cuidar da sua saúde mental?

Existe também o estigma do risco de perder a personalidade por causa da medicação, de ficar “dopado”, não?

Isso vem de uma época que não havia tantos remédios modernos que existem hoje. Nos anos 80 se usava uma medicação que atuava na região frontal, responsável pelo juízo, pela crítica moral, como acontece quando estamos em estágio de embriaguez. Essa medicação é utilizada atualmente também, mas para quadros mais crônicos, de esquizofrenia, por exemplo. Mas na época se usava para qualquer tipo de transtorno, e as pessoas ficavam embotadas emocionalmente. Por isso se criou mais uma visão distorcida sobre o tratamento de psiquiatria, que as pessoas vão ficar sem crítica, não vão ter movimento, não vão ter uma vida em sociedade. Mas hoje se tem muita opção de tratamento.

Psicóloga Tatiane Paula
Psicóloga Tatiane Paula/Ettore Chiereguini/Gazeta de S. Paulo



As pessoas estão tendo diagnósticos psicológicos e psiquiátricos mais cedo hoje em dia?

A mensagem está chegando a mais pessoas e as pessoas estão tendo a possibilidade de saber com o que estão lidando. É como se fosse um GPS, usado para levar as pessoas a determinados endereços, e buscar caminhos alternativos se necessário. Um bom conhecimento do que a pessoa está lidando, e aonde precisa chegar de estabilidade, é o que vai tornar a sua vida melhor.

O que a sra. indicaria para quem tem resistência a fazer a terapia? Que tipo de transformação faz na vida de uma pessoa?

A terapia não vem só para lidar com os transtornos mentais crônicos graves, mas também para proporcionar uma melhor consciência, buscar aspectos de qualidade de vida, pensar em transição de carreira. Existem muitos adultos que estão entendendo que uma formação profissional não é uma sentença para a vida toda, e passam a pensar cada vez mais naquilo que faz bem para si, que faz sentido para sua essência. Também nas questões interpessoais, com amigos, famílias. E se paralelamente se for descobrindo alguns transtornos, hipóteses diagnósticas e possibilidades de tratamento, também há a possibilidade de a pessoa entender de fato com o que ela está lidando. Consequentemente, ela consegue com as ferramentas aprendidas na psicoterapia a lidar sozinha com as questões que antes eram uma dificuldade.

As terapias holísticas podem auxiliar na questão da saúde mental?

Tudo que você buscar para sua vida é válido, como exercício físico, uma boa alimentação, novas relações. Se incluir também terapia holística, ioga, dança, vejo positividade nisso. Mas se está subtraindo uma possibilidade de estar melhor em um tratamento que foi recomendado, aí você está fazendo um caminho ruim. O holístico por si só não vai te ajudar, só psicólogo não vai te ajudar, e, em algumas situações, só o médico não vai ajudar. Também tem um outro lado da moeda, tem gente que vai só no médico psiquiatra e acha que vai resolver todos os problemas, e não vai resolver. Não se pode usar a medicação como uma muleta, como não pode pensar que só o holístico vai ajudar. É preciso ter equilíbrio.

Como as redes sociais estão afetando a saúde mental dos usuários?

As redes sociais, como os jogos, foram criadas para estimular o nosso sistema nervoso central. O algoritmo foi criado para comércio, e você vai acessando coisas do seu nicho, daquilo que você gosta. Aquilo é um bombardeio de estímulo para o sistema nervoso central.  As redes sociais também mexem com questões emocionais. Quase ninguém tira foto de um momento melancólico, triste. Normalmente as pessoas mostram sempre o melhor ângulo. Se alguém de um grupo não saiu legal na foto volta a fazer a foto novamente. As relações presenciais têm muito mais troca. Você consegue mostrar ali e ter uma troca verdadeira genuína. E nas telas a gente sempre vai mostrar aquilo que não é real, então a gente tem um estreitamento de repertório bem importante. Os jovens de hoje ficam muito atrás das telas e pouco nessas interações interpessoais.

A sra. fala em relação à aprovação social?

Sim, é uma aprovação social que se busca ali. Tudo bem que nos anos 80, nos anos 90 e em uma partezinha dos anos 2000 também buscávamos aprovação social nos nossos grupos, mas não era tão amplo, tão exposto. A validação hoje vem de quantos seguidores se tem, de quantas curtidas certa postagem tem, quantas estão comentando. Isso mexe muito com o imaginário, com a mente, principalmente de um adolescente que nem teve ainda a segunda grande poda neural.

Isso mexe com os adultos também?

Os adultos também são afetados. As drogas entorpecentes, tanto as depressoras do sistema nervoso central quanto as estimulantes, prejudicam o curso de pensamento. O excesso de telas também. As pessoas devem começar a olhar o quanto está sendo gasto em tempo de tela e o quanto está dispondo com as pessoas que se ama. Quantos pais e quantas mães você percebe que ficam ali na tela registrando o momento da interação com seu filho e não estão interagindo. Isso é muito grave isso, isso gera muitos reflexos.

Os filtros também podem influenciar as pessoas por uma procura de beleza não natural?

Houve um grande aumento por procura de harmonização facial e outros procedimentos estéticos, de cirurgias plásticas. Há estudo que mostra que o presente para as adolescentes de 15 anos em um país asiático é uma cirurgia plástica. Isso é muito sério porque o que torna o ser humano bonito são as diferenças, e os filtros vendem uma padronização.  Acho ótimo que hoje a mídia está olhando também para a diferenças, com modelos plus size, por exemplo, porque ali vai gerando uma identidade.

Como as pessoas em volta podem lidar com um quadro de depressão, principalmente em jovens?

Primeiro, evitar julgamentos, e isso vale para todos os diagnósticos. Ter uma postura mais acolhedora, não impor o que acha que a pessoa deveria fazer, e ir conduzindo para aquilo que for melhor para ela. Há casos extremos em que a pessoa não tem condições para tomar a própria decisão, e então cabe à família procurar apoio médico e psicológico, às vezes de maneira involuntária. Mas, repito: são casos extremos, quando a pessoa não responde mais por si e apresenta risco à própria vida. 

Continua depois da publicidade

*Natália Brito é assistente de redação

Continua depois da publicidade

Continua depois da publicidade

Continua depois da publicidade

Conteúdos Recomendados