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Cotidiano

Preços de serviços funerários em SP sobem mais de 400% após concessão

A privatização prevê gratuidades para famílias que ganham até três salários mínimos

Natália Brito

23/03/2023 às 08:30  atualizado em 23/03/2023 às 08:46

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A concessão dos cemitérios municipais de São Paulo representará um aumento em preços de serviços

A concessão dos cemitérios municipais de São Paulo representará um aumento em preços de serviços | Marcelo Casal Jr./Agência Brasil

A concessão dos cemitérios municipais de São Paulo representará um aumento em preços de serviços funerários básicos para a população.

A privatização prevê gratuidades para famílias que ganham até três salários mínimos. Além disso, há o funeral social, que garante valores menores a quem não tem condições de pagar os valores no ato do velório e recebe um prazo de 60 dias para pagar a taxa mínima ou cadastrar-se em programas sociais.

Os mais afetados pelo aumento de preço, portanto, serão os paulistanos que não se encaixam nesses casos e decidem utilizar os serviços mais baratos disponíveis.

Na prática, o velório mais simples disponível para quem não tem direito a benefícios, que poderia ser realizado por R$ 299,85 até a concessão, agora sai por R$ 1.443,74 -salto de cerca de 400%.

A Folha de S.Paulo procurou as quatro empresas concessionárias para que pudessem comentar os preços e foi informada de que apenas a Prefeitura de São Paulo se pronunciaria. A gestão Ricardo Nunes (MDB) diz que gratuidades previstas na lei estão garantidas e que houve redução de 25% no valor do funeral social (de R$ 755 para R$ 566).

Entre os serviços que terão aumento no valor mínimo cobrado estão o sepultamento, a cremação, o aluguel de sala para velório, o carro para transporte de caixão, o aluguel de paramentos litúrgicos e a compra de arranjos florais. Haverá alta de preço principalmente nas categorias mais simples.

Já itens da "categoria luxo" dos cemitérios terão queda de preço -ou seja, quem tem dinheiro para pagar serviços de melhor qualidade gastará menos.

A menor taxa de sepultamento, por exemplo, era de R$ 17,94 até 6 de março. Agora, o valor mínimo subiu para R$ 101,35 -aumento de 464%. Um caixão poderia ser vendido por R$ 147,14 no preço mais básico praticado pelos cemitérios do município. Esse valor passou para R$ 672,17, em uma alta de 357%.

O valor do caixão mais caro na tabela do serviço municipal, porém, caiu de R$ 5.584,71 para R$ 2.863,78. Variações semelhantes ocorreram no preço do aluguel de carro funerário, da sala de velório, de enfeites florais e da exumação.

Com as concessões, passou a ser possível pagar pelo funeral em diversas modalidades -as empresas aceitam pagamento por Pix, cartão de crédito, débito e depósito. Os mesmos valores são praticados por todas as concessionárias.

Há variações de preços para alguns serviços de um cemitério para outro. Os cemitérios da categoria 1, que estão no centro expandido de São Paulo (Araçá, Consolação, Lapa, Quarta Parada, São Paulo e Vila Mariana), podem ter valores mais altos para aluguel de salas, taxa de sepultamento e cessão de terrenos.

Aqueles que estão na categoria 4, que estão na periferia (São Luiz e Vila Formosa 1 e 2), têm preços menores.

No cemitério Quarta Parada, na zona leste, uma coroa de flor custa cerca de R$ 1.000 -algo que o representante comercial Paulo Rodrigues de Almeida, que perdeu a mãe de 82 anos por parada cardíaca na última segunda (20), considerou abusivo. Ele já havia feito o velório do pai há três anos no mesmo cemitério e diz ter notado melhora na agilidade do serviço e na qualidade do atendimento, mas se preocupa com o aumento dos preços.

"A nossa única preocupação é cobrarem um preço que ninguém vai ter condição de pagar. Se quiserem cobrar R$ 14 mil ou R$ 15 mil, o que vamos fazer?", questiona. O velório de sua mãe custou R$ 7.000. "É claro que quem tem alguma condição [financeira] não vai querer pedir a gratuidade, que às vezes demora mais dois dias para conseguir enterrar."

Um funcionário da prefeitura que trabalha no Quarta Parada conta que a concessionária no local, a Consolare, começou a incluir obrigatoriamente no pacote cobrado dos clientes a tanatopraxia, que é um procedimento para preservar a aparência do cadáver, retirando o sangue e outros fluidos corporais, e injetando bactericida nas artérias.

Ele relata que o serviço, que custa R$ 1.000, foi cobrado mesmo em um caso em que o velório ocorreu seis dias após a morte, situação em que o funeral obrigatoriamente é feito com o caixão fechado.

Almeida confirma a cobrança. Quando seu pai faleceu, há três anos, ele optou por dispensar a tanatopraxia por achar o serviço muito caro. "Agora está no pacote, você não tem o que fazer", reclama.

Questionada, a Consolare afirmou que os procedimentos de tanatopraxia não são obrigatórios e não estão incluídos no pacote. Quem opta por não incluir o procedimento precisa assinar um termo de ciência, assumindo a responsabilidade pelo estado de conservação do corpo. "Os atendentes esclarecem que as técnicas são importantes para a conservação do corpo, sobretudo se o óbito aconteceu há mais tempo", diz a empresa.

A prefeitura acrescentou nas regras da concessão a exigência de diminuição do valor do funeral social, oferecido a famílias que não têm condições de pagar pelo sepultamento no ato. Nesse caso, é emitido um boleto de pagamento com prazo de 60 dias para que os familiares providenciem o pagamento ou comprovem o cadastramento em programas sociais para cancelar a cobrança.

Caso não pague por algum serviço funerário municipal, o cidadão perde o direito de usufruir dos serviços, como o direito à cessão da sepultura ou ossuário em cemitérios públicos.

A gratuidade é autorizada quando o falecido é doador de órgãos, beneficiário do BPC (Benefício de Prestação Continuada) ou estava inscrito como pessoa em situação de rua no Sisrua (Sistema de Atendimento do Cidadão em Situação de Rua) nos 12 meses anteriores à morte.

O benefício também é concedido quando a família tem renda per capita até meio salário mínimo ou renda familiar total até três salários mínimos. Nesse caso, é preciso que algum familiar esteja inscrito no CadÚnico.

Os 22 cemitérios públicos da cidade, além do crematório da Vila Alpina, na zona leste, foram repassados à administração de quatro empresas. A concessão vai durar 25 anos.

A concessão ocorreu após seis tentativas pela Prefeitura de São Paulo de transferir o serviço à iniciativa privada. Cinco editais foram barrados pelo TCM (Tribunal de Contas do Município), inclusive por causa do risco de concentração de mercado.

As concessionárias deram início a um processo de transição em janeiro e assumiram há cerca de dez dias toda a operação, sob a supervisão da SP Regula (Reguladora de Serviços Públicos do município). Elas têm um leque de serviços para explorar comercialmente, desde a execução dos serviços de sepultamento, exumação, manutenção de ossários e sepulturas, cerimonial, venda de placas grafadas e flores e transmissão do velório.

As empresas também têm direito de lucrar com locação de estacionamento e espaços (como, por exemplo, lanchonetes), publicidade, eventos culturais e visitas guiadas.

O diretor-presidente da SP Regula, João Manoel da Costa Neto, disse à Folha de S.Paulo que as camadas mais pobres da população foram protegidas no processo e que as tarifas não eram atualizadas desde 2017, o que ajuda a explicar os aumentos. Ele também ressaltou que os preços passaram pelo aval de órgãos de controle, como o TCM.

"Temos que destacar, em primeiro lugar, que as gratuidades foram garantidas e estão sendo praticadas nos quatro lotes, a redução em 25% no [preço do] funeral social", disse Neto.

"À época, nós consideramos os referenciais de mercado, a tabela do serviço funerário até então e essa defasagem de 2017 para cá. E aí chegamos nesses números, que ficaram publicados em sede de edital, e nós não tivemos nenhuma impugnação dos valores."

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