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Cotidiano

Tarcísio ameaça retirar câmeras corporais nas fardas dos PMs

A implantação da tecnologia teve resultados positivos na redução das mortes de suspeitos e de policiais e se tornou um novo meio de coleta de provas

Natália Brito

19/10/2022 às 11:00  atualizado em 19/10/2022 às 11:12

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Os entraves de Tarcísio para retirar as câmeras das fardas caso seja eleito incluem a resistência de oficiais ligados à cúpula da PM.

Os entraves de Tarcísio para retirar as câmeras das fardas caso seja eleito incluem a resistência de oficiais ligados à cúpula da PM. | Divulgação

Na mira de Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato ao Governo de São Paulo, as câmeras corporais nas fardas dos policiais militares paulistas são um projeto gestado na corporação há oito anos, e haverá entraves para a retirada dos equipamentos cogitada pelo bolsonarista caso seja eleito governador.

A implantação da tecnologia teve resultados positivos na redução das mortes de suspeitos e de policiais e se tornou um novo meio de coleta de provas. Ela envolveu investimentos por parte da corporação e treinamento de milhares de policiais, com a sua inclusão no plano plurianual do governo e do Plano de Comando da PM, com validade ao menos até o final de 2023.

Rever as câmeras é a principal proposta de Tarcísio, que tenta agradar a base do presidente Jair Bolsonaro (PL), sob a justificativa de que elas inibem os PMs.

O candidato, que lidera as pesquisas na disputa ao Governo de São Paulo contra Fernando Haddad (PT), chegou a ser enfático na promessa de retirá-las, mas depois recuou e afirmou que irá ouvir especialistas.

Os entraves de Tarcísio para retirar as câmeras das fardas caso seja eleito incluem a resistência de oficiais ligados à cúpula da PM e do Ministério Público, a necessidade de rever contratos em andamento e também de mudança no plano oficial da corporação, que, em tese, requer a apresentação de justificativas técnicas plausíveis.

Embora tenha sido implantado na gestão do ex-governador João Doria (PSDB) e com apoio dele, o projeto das câmeras nas fardas é de iniciativa da própria Polícia Militar.

O sistema começou a ser prospectado em 2014 e, dois anos depois, foram compradas as primeiras 120 câmeras. Em 2019, integrantes da corporação foram duas vezes a Nova York, nos Estados Unidos, visando a implantação do programa.

No fim daquele ano, aconteceu o episódio que acabou gerou uma reviravolta na política de segurança de Doria, até então com um discurso violento que agrada a base radical bolsonarista. Uma ação da PM durante um baile funk na favela de Paraisópolis acabou com a morte de nove jovens -a Promotoria denunciou 12 policiais sob acusação de homicídio.

Em 2020, começaria a implantação massiva das câmeras, com a compra de 500 equipamentos e, depois, a licitação para mais 2.500 em um sistema mais moderno. No ano seguinte, o programa, batizado como Olho Vivo, cresceria ainda mais.

Atualmente, há mais de 10 mil câmeras em 64 unidades da polícia no estado. O custo mensal dos equipamentos alugados é de R$ 7,1 milhões -os contratos são de 30 meses, mas são renovados anualmente, com diferentes fases.

Os resultados do programa mostram que as mortes em ações policiais desabaram. Em 2019, houve 723 vítimas, contra 423 no ano passado, uma redução de 41%. Se mensurados apenas os batalhões onde há o sistema, a queda chega a 87%.

As mortes de policiais em serviço também caíram no período, passando de 14 para 4, o menor índice em 30 anos.

Embora haja outros fatores que podem ter contribuído para as reduções de letalidade (como comissão interna para discutir casos com uso de armas de fogo e investimentos em armas não letais), as câmeras são a principal explicação para os resultados.

Tarcísio costuma dizer que as câmeras prejudicam a produtividade dos policiais. Estudo divulgado pela PM diz que ocorreu o contrário -nas unidades com os equipamentos, flagrantes aumentaram 41% e as apreensões de armas, 13%. As resistências às abordagens policiais caíram 32,7%.

Um argumento usado por críticos das câmeras é que elas afetam a privacidade dos policiais, como na hora de ir ao banheiro. Além de não terem som, essas imagens são classificadas como secretas e só podem ser vistas por um superior dos policiais com justificativa plausível.

Atualmente, os equipamentos também têm um sistema que permite reconhecimento do barulho de disparos de armas de fogo, levando ao acionamento imediato do Copom (centro de operações da PM).

As imagens das câmeras de PMs poderão ser usadas na investigação do tiroteio com uma morte em Paraisópolis que interrompeu uma visita de Tarcísio durante campanha no local na segunda-feira (17).

O candidato chegou a dizer que sua equipe foi atacada, porém mais tarde disse não acreditar em atentado, mas sim em intimidação do crime.

Os equipamentos atingiram amplo apoio por parte da população. Em São Paulo, 91% são a favor e 7% são contra a utilização do equipamento, segundo pesquisa Datafolha.

Na atual cúpula da PM, sob gestão de Rodrigo Garcia (PSDB), que apoia Tarcísio no segundo turno, há preocupação não só em caso de esvaziamento ou boicote ao programa, mas também de mudança de regras, como uma posição intermediária para ele não sair enfraquecido.

Uma delas seria fazer com que as imagens fossem gravadas apenas no momento das ocorrências, como ocorria no início do programa. Hoje, as gravações ocorrem o tempo todo e, na hora da ação, policiais apertam um botão que possibilita a gravação de sons e melhora da qualidade das imagens.

A mudança abriria brecha para que os policiais esqueçam de ligar os aparelhos ou possam adotar a prática intencionalmente.

Durante a campanha, Tarcísio vinha criticando as câmeras com o argumento de que elas inibem o trabalho policial e chegou a afirmar que, se eleito, com certeza iria retirá-las.

No último dia 14, adaptou o discurso. "Eu considero que hoje a câmera inibe o policial, tem atrapalhado a produtividade, mas isso é uma percepção. O que a gente vai fazer se eleito? Chamar as forças de segurança e avaliar do ponto de vista técnico a efetividade ou não e o aperfeiçoamento da política pública", disse.

Procurado pela reportagem, o Ministério Público paulista respondeu com posicionamento do promotor Reynaldo Mapelli, que afirmou que não se deve abrir mão das câmeras e que há uma ação civil pública que envolve essa e outras medidas de combate à letalidade policial.

Adversário de Tarcísio no segundo turno, Haddad tem usado o assunto para criticar o bolsonarista. Uma peça da campanha petista relata os bons resultados e questiona o que rival quer esconder com a medida.

"É muito mais uma questão de populismo de segurança pública, porque a evidência científica é favorável à instalação das câmeras", diz Rafael Alcadipani, professor da área de segurança da FGV (Fundação Getulio Vargas).

Alcadipani elogia outras bandeiras de Tarcísio como a valorização dos policiais, mas avalia que ele poderia até ser responsabilizado judicialmente no caso da mudança da política sem base técnica.

Um artigo publicado por pesquisadores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública relata que as câmeras já eram usadas no Reino Unido em 2005 e foram implementadas em larga escala nos Estados Unidos durante a gestão de Barack Obama.

No Brasil, Santa Catarina adota câmeras desde julho de 2019 e Rondônia, desde agosto do mesmo ano. Neste ano, policiais do Rio de Janeiro também passaram a usar as câmeras.

LINHA DO TEMPO

2014 - PM inicia prospecção da tecnologia
2015 - Corporação cria especificações técnicas
2016 - Polícia compra primeiras 120 câmeras para testes
2017 - São apresentadas teses de doutorado no Centro de Altos Estudos da PM
2018 - PM cria grupo de trabalho para sistema, especificações, regras, material para treinamento, entre outros
2019 - Corporação inicia testes com sistemas oferecidos por diversas empresas e visita Departamento de Polícia de Nova York
2020 - PM recebe sistema da empresa Motorola Solutions, que inclui 500 câmeras em três batalhões da capital. Depois, abre licitação para 2.500 câmeras
2021 - Operação começa em 15 batalhões
2022 - Estão em uso mais de 10 mil câmeras em 64 unidades da PM

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