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Cotidiano

Periferias de SP foram as mais afetadas pelas chuvas de verão

Tempestades deixaram mortos e prejuízos aos moradores do município

Maria Eduarda Guimarães

23/03/2022 às 14:14  atualizado em 23/03/2022 às 14:27

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Vista de céu nublado e chuva em regiões de São Paulo

Vista de céu nublado e chuva em regiões de São Paulo | Ronaldo Silva/Folhapress

A morte reportada de ao menos dois homens, centenas de árvores caídas e a soma incalculável de prejuízos para quem viu sua casa, sua loja ou seu escritório alagar. Esse é o saldo para o município de São Paulo de um verão que concentrou seu período de chuvas fortes em cerca de duas semanas de janeiro e nos primeiros vinte dias do mês de março, com um intervalo seco em fevereiro.

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Segundo dados do Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas, esse verão teve chuvas na média do esperado, com precipitações em torno de 660 mm distribuídos de forma desigual: 163,2 mm em dezembro, 295 mm em janeiro, 75,1 mm em fevereiro e 228 mm nos primeiros vinte dias de março. "Viemos de uma estiagem dos últimos verões, ficamos na média esperada e aquém do volume de chuvas registrados em 2018/2019 [com 894,3 mm]", diz o meteorologista do CGE Michel Pantera.

O Corpo de Bombeiros da cidade de São Paulo também esteve atento a uma possível mudança no comportamento meteorológico da região. "Antes, as chuvas não eram tão concentradas e volumosas. Hoje elas não atingem a cidade por inteiro, atingem bairros", diz o major Marcos Palumbo, porta-voz da corporação. No Estado de São Paulo, foram registradas 3.107 ocorrências para árvores derrubadas pelas chuvas, 169 pessoas ilhadas e 93 desabamentos no período.

A origem de parte dos problemas é conhecida. São Paulo foi construída à revelia de seu sistema hídrico, boa parte dele hoje sob o asfalto, cercado por ocupações irregulares do solo ou assolada pelo despejo de lixo. Os problemas se agravaram com chuvas distribuídas desigualmente também pelo perímetro urbano. A zona norte foi mais atingida em janeiro. A zona oeste viu seu ponto mais crítico no início de março, e as zonas sul e leste sofreram mais com às águas que caíram após o dia 10 de março.

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Os piscinões, aposta dos anos 1990, não deram conta da drenagem das águas da chuva, em uma cidade que sobrecarregou seu sistema fluvial. Na dissertação "Piscinões", da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (2017), a pesquisadora da infraestrutura hídrica urbana Marta Juliana Abril afirma que os reservatórios são um "remendo sobre a estrutura urbana que impermeabilizou excessivamente o solo e ocupou as várzeas."

Arrastado pelas águas do córrego Aricanduva, na zona leste, o auxiliar de feirante Diogo Donathello Costa Viveiros, 21, foi vítima dessa condição e, no último dia 12, morreu a poucos metros de um piscinão que a prefeitura inaugurou em 2017. No dia de sua morte, a Folha esteve no local, uma favela no Jardim Iguatemi cuja rua principal estava cheia de lama e móveis sujos ou estragados. Os moradores afirmam que a condição imposta pelas chuvas se agravou em comparação com os últimos três verões.

Moradores do Parque Santo Antônio, na zona sul, citam duas datas críticas no mês de março, dias 12 e 16. O transbordamento de um córrego próximo à rua Manuel Bordalo Pinheiro causou prejuízo para os moradores da favela onde a manicure Jéssica Souza de Jesus, 29, mora com três filhos. Ela perdeu armário, colchões, uma televisão e o berço onde sua criança mais nova, de 1 ano, dormia. "Eu tinha acabado de me mudar para cá. Eram coisas que eu havia conseguido com muito sacrifício", diz.

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Enquanto Jéssica equilibrava seus filhos sobre uma cama que a água chegava a erguer, um vizinho seu viu a porta de sua casa cair com a enxurrada no último dos dois dias de enchente. A água do córrego que ele vê da sala de casa subiu tanto, conta, que acabou entrando pela janela.

O auxiliar de pedreiro mostra para a reportagem as telhas ainda soltas de uma rota de fuga pelo telhado, em um quarto no fundo de sua casa. Diz que a força da água, às vezes, impede que ele consiga passar pela porta de entrada. É pelo teto que, em situações mais críticas, diz, ele resgata duas crianças que vivem na residência. Junto com a água, sua casa acabou inundada de lixo e entulhos.

Vizinha a ele, a Unidade Básica de Saúde Parque Santo Antônio também alagou. Houve registro de enchente atingindo outras UBS da cidade, como no posto do Jardim Vista Alegre, que teve sua sala de medicamentos inundada e precisou ser fechada temporariamente. Em Pinheiros e Perdizes, na zona oeste, a queda de árvores deixou moradores sem luz por até 48 horas, na primeira semana do mês.

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A aposta nos piscinões ainda dura, porém. A cidade contava com 36 reservatórios para contenção de águas até 2016, com capacidade de armazenar 5,2 milhões m³. Nos últimos cinco anos foram inaugurados 14 piscinões, com capacidade de 736 mil m³ e investimento de R$ 327 milhões. Segundo a prefeitura, existe a previsão de investimentos de R$ 755 milhões na construção de 15 novos reservatórios.

A administração do município informou também que, em janeiro e fevereiro deste ano, a limpeza de piscinões resultou na retirada de 38.672,20 toneladas de detritos. Na esfera estadual, como mostrou reportagem da Folha, a gestão de João Doria (PSDB) gastou menos da metade do orçamento previsto para obras de infraestrutura antienchente em todo estado de São Paulo em 2021.

Em uma região da Brasilândia irrigada por águas que vêm da região da Cantareira, na zona norte de São Paulo, a reportagem identificou montanhas de lixo que o poder público removeu de dentro do córrego do Canivete. Moradores do bairro afirmam que a limpeza se iniciou após as chuvas do ano passado e que parte dos resíduos acumulados pela operação se espalharam com as chuvas de janeiro.

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A cheia do córrego do Canivete, no dia 19 de janeiro, arrastou bancas de fruta e de temperos naquela região da zona norte. A vendedora Mariana de Lima, 43, quase foi levada pelas águas. Ela ficou ilhada em cima de uma banca de frutas (veja vídeo) e foi resgatada por uma corrente humana, pessoas que se deram as mãos. A barraca de frutas desabou com a enxurrada. "Estou traumatizada. Passei mais de um mês sem voltar aqui e, ainda hoje, quando o tempo muda, eu vou embora rapidinho", diz.

O córrego do Canivete tem um trecho transformado em parque linear, mas também viu sua paisagem se transformar nos últimos três anos com ocupações irregulares. Ainda na zona norte, no dia 22 de janeiro, os bombeiros encontraram, em Caieiras, na Grande São Paulo, o corpo de um homem de 55 anos que havia sido arrastado por uma enxurrada em Perus. Do ponto onde a vítima foi achada até o último local onde foi vista, a distância é de sete quilômetros.

Falta "educar a população" e resolver "o problema das ocupações em áreas de risco", diz Fernando Pinheiro Pedro, secretário executivo de Mudanças Climáticas do município. "Isso só pode ser resolvido agora, com as alterações na legislação federal, permitindo que os municípios possam intervir nas áreas de preservação permanente para fazer correções de ordem urbanística", completa.

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O advogado conta que já foi crítico ao modelo dos piscinões, estabelecidos na gestão de Paulo Maluf na prefeitura nos anos 1990. "Defendi a permeabilidade do solo, as soluções baseadas na natureza; na época falávamos em calçadas permeáveis, asfaltamento que permitisse permeabilidade do solo", diz.

Ele hoje dá voz a quem também aponta "uma série de problemas" nas alternativas mais ecológicas, e diz que calçadas permeáveis, mas irregulares, "podem ser um problema para quem anda".

"Temos mais de 60 piscinões funcionando em São Paulo, e é um sistema que de fato, em parte, funciona", defende. Ainda assim, Pedro afirma que o paulistano viu os piscinões da cidade "se transformarem em lixões". A prefeitura retira "até geladeira" do complexo hídrico da cidade. "Normalmente isso acontece em áreas de risco com a população em estado precário".

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