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Cotidiano

Obras vandalizadas mantêm cicatrizes do 8/1 após restauração no Congresso

Na manhã do dia 9, os cacos minúsculos espalhados entre a Câmara dos Deputados e o Senado se misturavam aos vidros estilhaçados e ao que restava de outros presentes quebrados por vândalos na véspera

Igor de Paiva

07/01/2024 às 10:01

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Esplanada dos Ministérios

Esplanada dos Ministérios | Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Quem via o que tinha sobrado de um ovo de avestruz dado ao Brasil pelo Sudão em 2012 o colocava na lista de objetos completamente perdidos após a invasão às sedes dos Poderes em 8 de janeiro.

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Na manhã do dia 9, os cacos minúsculos espalhados entre a Câmara dos Deputados e o Senado se misturavam aos vidros estilhaçados e ao que restava de outros presentes quebrados por vândalos na véspera.

Um ano depois do episódio, funcionários da Câmara dos Deputados estão prestes a devolver o ovo de autoria desconhecida à galeria de presentes protocolares —e a completar uma espécie de quebra-cabeças com fundo em tons de branco e milhares de peças.

"O ovo está sendo um presente para a alma", afirma a restauradora da Câmara Joana Braga Paulino. "A gente ficou em estado de revolta ao ver os bens que a gente cuida com tanta responsabilidade. De repente, sem razão nenhuma, tudo tinha sido destruído."

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A devolução do ovo de avestruz expõe um percurso que marcou o restauro de cada uma das obras danificadas após a invasão do Congresso. Alguns pedaços da casca se perderam, mas as partes que faltam também vão ajudar a contar essa história.

"Todo mundo chega perguntando: vai voltar ao original? E a gente tenta explicar que não tem um original", afirma a restauradora Aline Rabello, que também integra a equipe da Câmara.

"A obra caminha no tempo e acontecem coisas com ela que a gente registra e às vezes escolhe deixar marcado. O dia 8 é um evento histórico. Essas obras são testemunhas do dia 8. E esse testemunho está marcado na própria materialidade delas."

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Em alguns casos, para que não parecesse desleixo do próprio artista, a decisão dos restauradores foi a de recompor as partes perdidas de forma fiel. Em muitos outros, entretanto, a opção foi a de evidenciar as "cicatrizes".

"Nós tomamos várias decisões de como restaurar esses artefatos porque eles têm um novo valor. Não é só o valor original, mas também o valor histórico", explica o diretor de preservação de bens culturais da Câmara dos Deputados, José Raymundo Campos Filho.

"Foi uma decisão de mostrar aquele objeto como representante daquele momento. A gente poderia apagar todas as sinalizações, todo o evento do que aconteceu com ele, mas mais à frente alguém poderia negar que aquilo aconteceu."

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Além da emoção de ver o ovo de avestruz de volta à forma de antes, outros detalhes marcaram a restauração do acervo. Mesmo semanas depois do 8 de janeiro, funcionários da limpeza ainda batiam à porta do departamento de conservação com cacos que recolhiam durante o trabalho.

"O pessoal da limpeza sabe a importância de todos os artefatos que nós temos aqui", afirma Campos Filho, orgulhoso do trabalho de educação patrimonial que vem de antes da invasão.

"Chegaram antes da gente e falaram: nisso aqui ninguém mexe até a equipe chegar. Foram eles que recuperaram os caquinhos, os fragmentos", completa.

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Outra testemunha do dia 8, um vaso de porcelana doado pela Hungria em 2008 também será devolvido com pedaços a menos. Para facilitar o trabalho, o próprio fabricante enviou fotos da peça depois que a embaixada da Hungria no Brasil recebeu um pedido de ajuda da equipe brasileira.

Na Câmara dos Deputados, 54 dos 64 itens sujos ou danificados foram restaurados —incluindo pinturas, estátuas, painéis e vitrais. A Casa avalia que só a recuperação completa destas peças pode custar R$ 1,4 milhão aos cofres públicos.

O acervo tem sido recuperado pela própria instituição, por meio da Coordenação de Preservação de Bens Culturais —que, no dia a dia, faz a manutenção de móveis e documentos históricos, como as plantas originais do prédio e as mais de 1.500 obras raras.

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Até hoje, no entanto, uma pérola com a concha de ouro presenteada pelo Catar ao ex-presidente Rodrigo Maia em 2019 continua desaparecida. A peça está avaliada em R$ 5 mil. Outro item que ainda aguarda restauração é a maquete tátil do Congresso Nacional, que ficava no Salão Verde da Câmara.

Uma bola autografa por Neymar e outros jogadores do Santos em 2012 também foi roubada em 8 de janeiro, mas encontrada em Sorocaba no final de janeiro do ano passado e devolvida ao acervo da Congresso.

Apesar de ter uma lista mais enxuta, o Senado afirma que só a restauração da pintura a óleo do século 19 que representa o "Ato de Assinatura da Primeira Constituição" está orçada em R$ 800 mil. O quadro, de 2,90 m x 4,41 m, tem moldura de jacarandá maciço folheada a ouro.

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A tela soltou da base e a pintura acabou arranhada depois que vândalos se penduraram na obra no dia dos ataques. A recuperação do quadro, que ocupa uma parede inteira do museu do Senado, está prevista para este ano.

Um dos itens que marcou o restaurador do Senado Nonato Nascimento foi a tapeçaria de Burle Marx que fica no Salão Negro. A obra de 1973 foi recuperada por um ateliê de São Paulo ao custo total de R$ 250 mil e devolvida ao Congresso em outubro.

Em 8 de janeiro, a horda que invadiu as sedes dos Poderes arrancou a tapeçaria da parede, rasgou o tecido e urinou nele. A peça, assinada por um dos principais nomes do paisagismo brasileiro, está avaliada em R$ 4 milhões pelo Instituto Burle Marx.

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"Como a gente não tem especialista em têxtil no Senado, a gente teve que ir atrás de um. Mas a equipe de restauradores do Senado acompanhou o trabalho do início ao fim. Agora, se tiver um dano em outra obra em tapeçaria, a gente consegue", diz Nonato.

"A gente faz a conservação preventiva para não ter que restaurar. Então, quando aconteceu isso [invasão e destruição do Congresso], a gente ficou perdido. Todas as peças são especiais para a gente", completa o restaurador.

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