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Cotidiano

Mercado clandestino lucra com fuga de garimpeiros da terra yanomami

Grupos proprietários de aeronaves, embarcações, caminhonetes, ônibus e carros estão lucrando com a saída de milhares de garimpeiros do território

Natália Brito

17/02/2023 às 09:01  atualizado em 17/02/2023 às 09:05

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Terra Indígena Yanomami registra remédios vencidos, seringas orais reutilizadas indevidamente e fezes espalhadas

Terra Indígena Yanomami registra remédios vencidos, seringas orais reutilizadas indevidamente e fezes espalhadas | Fernando Frazão/Agência Brasil

Um mercado clandestino se formou em torno da fuga de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, diante da decisão do governo federal de promover a retirada dos invasores sem apoio logístico a quem se dispõe a sair.

Grupos proprietários de aeronaves, embarcações, caminhonetes, ônibus e carros estão lucrando com a saída de milhares de garimpeiros do território, que tem difícil acesso -somente por ar ou água.

O fluxo de invasores para fora do território se intensificou na última semana, o que levou a um aumento da oferta de serviços clandestinos para assegurar essa retirada.

Órgãos do governo federal deram início no último dia 6 a ações para destruição da logística do garimpo ilegal e para retirada de mais de 20 mil invasores na terra yanomami. Até agora, foram destruídas 40 balsas, uma embarcação, quatro aeronaves e uma base de suporte logístico. As forças policiais apreenderam 16 toneladas de cassiterita.

O garimpo, estimulado e aceito pelo governo Jair Bolsonaro (PL), provocou uma crise humanitária, sanitária e de saúde entre os yanomamis, com explosão de casos de malária, desnutrição grave, infecções respiratórias e outras doenças associadas à fome.

A chamada Operação Libertação envolve agentes do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Força Nacional de Segurança Pública, PF (Polícia Federal) e Forças Armadas.

Diante da complexidade das ações de desocupação, planejadas para durar entre seis meses e um ano, o comando da operação -cujo centro de controle fica na superintendência da PF em Boa Vista (RR)- chegou a um consenso sobre a necessidade de deixar os garimpeiros prosseguirem as fugas de forma espontânea.

Para isso, a orientação é deixar os caminhos abertos por água -especialmente pelo rio Uraricoera- e por ar. A FAB (Força Aérea Brasileira), que chegou a bloquear o espaço aéreo na terra indígena, recuou e liberou corredores para o fluxo de aviões e helicópteros usados pelos garimpeiros. Essa liberação continua válida até 6 de maio.
As medidas, porém, não incluem auxílio em transporte aos invasores, espaço que acabou ocupado por um mercado clandestino em plena operação, diante do aumento do fluxo de retirada.

Pistas clandestinas em fazendas no entorno da vila Samaúma, município de Mucajaí (RR), estão operando para receber voos com garimpeiros. As aeronaves são usadas por quem tem ouro suficiente para escapar por ar do cerco policial na terra indígena.

Os preços cobrados, segundo os relatos de quem tem conhecimento sobre a operação desse mercado clandestino, vão de 15 g de ouro (cerca de R$ 4.000, na cotação dos garimpeiros) a R$ 15 mil.

Invasores que não dispõem desse dinheiro precisam recorrer a varações por dias pela mata, até alcançar uma embarcação. Uma vaga num barco custa 4 g de ouro (pouco mais de R$ 1.000).

É em terra, já fora do território tradicional, que fica evidente como donos de veículos estão lucrando com a fuga dos garimpeiros.

Em postos de gasolina no caminho entre vilas e Boa Vista, dezenas de carros aguardam para o transporte de invasores recém-saídos da terra indígena.

A presença desses carros é mais intensa à noite, uma forma de driblar eventuais fiscalizações na rodovia. O principal temor de garimpeiros é perder os gramas de ouro escondidos em roupas e objetos pessoais.

Nos pequenos núcleos urbanos, como a vila Reislândia (ou Paredão), de Alto Alegre (RR), caminhonetes operam um intenso transporte de garimpeiros, que precisam sair do portinho do Arame, no rio Uraricoera, e chegar às cidades. Os 30 km de estrada de chão entre o porto e a vila são quase intransitáveis. Apenas veículos traçados, adaptados, conseguem fazer o percurso.

Na vila, um posto de gasolina tem ares de abandonado, com bombas e máquinas cobertas. Operadores da logística do garimpo, porém, fazem uso regular do posto, durante o dia, com abastecimento dos veículos.
O fluxo de caminhonetes também é mais intenso à noite. Há ainda ônibus particular operando no transporte de garimpeiros que chegam à vila.

A orientação do Ibama aos agentes é permitir que barcos transportem a gasolina usada nos motores, uma forma de garantir o fluxo de invasores para fora do território, e apreender e destruir galões com diesel, usado no maquinário que explora ouro e cassiterita na terra indígena.

Os operadores do transporte de garimpeiros também são garimpeiros, ou ex-garimpeiros, e dizem aproveitar o fluxo de pessoas para ganhar dinheiro, diante da expectativa de interrupção do garimpo ilegal.

Um único barco de 12 metros transporta até 40 garimpeiros. Uma caminhonete leva de 10 a 12 pessoas na carroceria.

No último domingo (12), a reportagem da Folha acompanhou um dia de fuga dos invasores, a partir do portinho do Arame, o principal entreposto da fuga por terra e água de milhares de garimpeiros. Uma parte dessas pessoas quer seguir no garimpo e planeja buscar áreas em exploração na Guiana e na Guiana Francesa, países próximos de Roraima -a Guiana está na fronteira.

Quem está fazendo as varações pela mata e lotando as embarcações são os trabalhadores braçais do garimpo. São raizeiros (trabalhador braçal que arranca as raízes das árvores para a escavação da terra), jateiros (quem opera os grandes jatos d'água para revirar a terra), cozinheiras, prostitutas.

Esses trabalhadores são migrantes vindos de diferentes partes do país (especialmente do Maranhão) e da Venezuela.
 

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