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Cotidiano
Documento será entrega ao presidente eleito; equipe do Política por Inteiro/Instituto Talanoa rastreou mais de 140 mil atos
03/11/2022 às 09:39 atualizado em 03/11/2022 às 09:57
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Atuação do petista com causas ambientais deve divergir daquela adotada por Bolsonaro (PL) | Reprodução
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixou claro que alguns de seus focos de governo serão a Amazônia e a questão climática. Uma das possibilidades de início de mandato poderia ser olhar e até revogar normas com impacto ambiental feitas pela gestão Jair Bolsonaro (PL). O petista e sua equipe deveriam, mais especificamente, debruçar-se sobre 401 atos do atual mandatário.
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Esses atos que precisam, urgentemente, ser regulados ou até mesmo revogados foram identificados por uma ampla análise feita pela equipe do Política por Inteiro. O documento chamado "Reconstrução" deve ser entregue, ainda nesta semana, para Lula.
O Política por Inteiro monitorou, durante o governo Bolsonaro, todos os atos normativos que, de alguma forma, impactavam a área ambiental. A Folha é parceira do Política por Inteiro na realização e disponibilização desse acompanhamento por meio do Monitor da Política Ambiental.
Foram identificados mais de 140 mil atos, até 31 de julho, que tinham alguma interface com a área ambiental. Desse total, 2.189 foram considerados relevantes para as políticas climáticas e socioambientais. Nesse universo, 855 tiveram contribuição no processo de desconstrução ambiental, e precisam ser revistos.
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De modo mais urgente, o novo governo precisa olhar para 401 atos infralegais (estão abaixo de leis e, em linhas gerais, dependem de "canetadas") do governo Bolsonaro.
Entre os mais urgentes, 107 deveriam ser revogados imediatamente para, segundo o documento, frear efeitos deletérios e demonstrar o compromisso com a agenda climática/socioambiental. Outros 18 atos precisam de revogação, mas somente após discussão jurídica e regulatória. Por fim, completando os 401, outros 276 atos necessitam de análise para ajustes ou novas regulamentações.
Segundo Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, houve uma cuidadosa análise de todos os atos para evitar insegurança jurídica.
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"Não é só um revogaço, como o Bolsonaro fez", complementa Ana Paula Prates, diretora de políticas públicas da Talanoa. "Temos que ter cuidado, não podem ficar vazios legislativos."
Por exemplo, para os atos a serem revogadas, a equipe observou a possibilidade de repristinação, ou seja, a restauração da norma que ocupava aquele lugar antes.
A análise temática feita pelo Política por Inteiro aponta que o maior número de atos a serem retrabalhados tem como tema central a biodiversidade (são 81). Já os atos institucionais lideram a lista dos temas que necessitam de revogação (21).
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Segundo o documento, as ações de desconstrução realizadas pelo governo Bolsonaro "se tornaram políticas públicas em si".
Segundo Liuca Yonaha, vice-presidente da Talanoa, com o passar do tempo, foi possível entender método de ação bolsonarista. O governo Bolsonaro, inicialmente, por meio dos atos infralegais, fazia reformas institucionais em órgãos responsáveis por determinadas áreas —tais atos tiveram maior concentração, proporcionalmente, no primeiro ano da atual administração.
"Em geral, as reformas eram para eliminar a sociedade civil", diz Unterstell, que ressalta que, em certos casos, braços da ciência e da academia eram deixados de fora dos órgãos.
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Nos anos seguintes, predominaram atos de regulação e também de resposta (ou seja, reatividade do governo a eventos externos, como uso da Força Nacional de Segurança no combate ao desmatamento, por exemplo).
Um dos exemplos mais claros disso foi a reformulação do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Com um decreto, em maio de 2019, Bolsonaro e o então ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), cortaram o número de integrantes do conselho de 96 para 23 e elevaram o peso proporcional que a esfera federal ali tinha, diminuindo a presença da sociedade.
Com a asfixia do controle social, abre-se o espaço para a boiada, aponta Unterstell, relembrando uma já clássica fala de Salles. Durante uma reunião ministerial em 2020 (que se tornou pública), Salles defendeu que o governo aproveitasse a "distração" da imprensa com a pandemia de Covid para aprovar reformas infralegais. "Ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas", disse o ex-ministro.
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Algumas "boiadas" são lembradas pelas representantes da Talanoa e do Política por Inteiro. Uma delas foi um "simples" despacho, em 6 de abril de 2020, que implementava um parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) que fazia com que o Código Florestal passasse a ser aplicado na mata atlântica —um bioma que possui lei própria, mais restritiva em alguns termos. Com a canetada, em linhas gerais, desmatadores seriam anistiados, sem necessidades de recuperação de áreas.
"Era um despacho. Era subterrâneo", afirma a presidente da Talanoa.
Com as contestações de entidades e questionamentos judiciais, Salles revogou o despacho.
Por isso mesmo, apesar da importância desse ato, ele não consta entre os 401 citados na análise.
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"Muitas boiadas não passaram por judicialização", acrescenta Yonaha.
Outros tantos atos foram inócuos, diz Prates. "Muito mais para dizer que está fazendo algo", afirma a diretora.
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