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Cotidiano
Em entrevista à Gazeta, a vereadora Luana Alves explicou por que a bancada do PSOL votou contra a revisão do Plano Diretor de São Paulo
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A vereadora Luana Alves, durante entrevista à Gazeta na Câmara Municipal de São Paulo | Ettore Chiereguini/Gazeta de S. Paulo
A revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo é alvo de polêmica na cidade, mas só uma bancada votou integralmente contra o projeto do prefeito Ricardo Nunes (MDB) na Câmara Municipal: a do PSOL. A Gazeta entrevistou nesta semana a vereadora Luana Alves para entender por que a sigla é contrária à proposta, que já foi aprovada em primeiro turno em 31 de maio último e deve ter a votação definitiva em 21 de junho.
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Para Luana, a revisão prioriza “uma minoria rica” do mercado imobiliário em detrimento do desenvolvimento da cidade, principalmente por deixar de induzir a construção de novos edifícios nas proximidades do transporte público, como corredores de ônibus e estações do Metrô.
A parlamentar também explicou por que entrou com um cartaz na Câmara em que dizia que o prefeito “vende a cidade” e contou sobre a expectativa para as eleições de 2024, quando o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) deve concorrer à prefeitura da Capital justamente contra Nunes.
Por que na visão do PSOL e do seu mandato esse texto da revisão do Plano Diretor é um retrocesso?
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O mais grave é a flexibilização total das regras para as construtoras. A revisão de 2014 teve seus problemas, mas avançou no ponto de verticalizar [a cidade] em eixos de estruturação metropolitana, que são onde tem corredor de ônibus, onde tem Metrô, onde tem investimentos públicos em mobilidade. Essa revisão permite a verticalização em miolos de bairro, com mais vagas de garagem, sem uma contrapartida da construtora. Existe um impacto quando se verticaliza miolo de bairro: demanda mais obra viária e de mobilidade. Isso incentiva o uso do carro e tira a política de induzir as pessoas a morarem mais perto do transporte público.
O que levou a prefeitura a decidir por esse modelo, na visão da senhora?
Foi um pedido do Secovi [sindicato patronal que representa os interesses das empresas do setor imobiliário]. O Secovi fez uma série de pedidos para a prefeitura, como a questão das garagens perto do eixo de estruturação metropolitana. Há o pedido também de desconto em outorga onerosa, que é a contrapartida que as construtoras dão à gestão municipal. A outorga onerosa vai para o Fundurb [Fundo de Desenvolvimento Urbano], e deve ser usada para melhorias viárias e em transporte urbano e para a habitação social. Primeiro, Ricardo Nunes quis colocar obras que não são de estruturação urbana no Fundurb, como recapeamento, e o recape já tem orçamento próprio de mais de R$ 1 bilhão. É um tipo de coisa para desmontar a ideia do Fundurb. Então esvazia o Fundurb e coloca nele qualquer tipo de gasto que não tem a ver com habitação social, com mobilidade urbana e com política de meio ambiente.
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Há também outras críticas à revisão do PDE?
Outro aspecto é a questão ambiental. Existem os PIUs (Projetos de Intervenção Urbana), como o Jurubatuba ou o Leopoldina. Há a intenção de mudar a nomenclatura para Plano de Intervenção Urbana, para, com isso, tirar a necessidade de avaliação de impacto ambiental. Um outro aspecto é que não tiveram os planos de bairro como na revisão de 2014. Isso foi muito importante para que a população dos bairros conseguisse fazer uma sub-revisão do Plano Diretor, personalizada para cada bairro. Agora não teve esse debate.
A sra. entrou recentemente com um cartaz na Câmara escrito que Nunes está “vendendo a cidade”. O que exatamente quis dizer?
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Quis mostrar que esse é um tipo de proposta que só interessa aos mais ricos. Quando digo mais ricos falo especificamente de um setor da construção, o pessoal das imobiliárias e das incorporadoras. Agrada a um setor muito poderoso e, ao mesmo tempo, muito específico. É uma venda, um fatiamento da cidade. É tirar o aspecto do bem público. Quando você coloca a regra de que vai construir perto de corredores de ônibus e do metrô, com menos vagas de garagem, pode não agradar a construtora que está fazendo o prédio, mas está melhorando a vida da cidade. É ruim para uma minoria rica para ser bom para a grande maioria das pessoas. Essa lógica agora se subverte: é bom para os mais ricos e ruim para a cidade.
O vereador João Jorge (PSDB) arrancou o cartaz da sua mão. O que exatamente aconteceu?
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O vereador ficou nervoso e fez isso. Conversei com ele depois, e ele pediu desculpas. Mas o que acontece é que ele tirou o cartaz da minha mão. Suponho que estejam muito sensíveis a qualquer tipo de crítica ao Ricardo Nunes, cada dia mais. Eles estão com muito na defensiva a qualquer tipo de crítica, porque Nunes tem uma avaliação de popularidade muito ruim. E esse Plano Diretor é um plano que a maioria da população ou não conhece ou sabe que é algo que está sendo feito para as grandes construtoras, até porque grande parte da população não está sendo consultada. O cartaz sintetiza um pouco dos problemas. Claro que tem o aspecto de irreverência, mas tem a ver também com o problema de conteúdo do Plano Diretor. A gente não faz isso para bagunçar ou tumultuar, a gente faz isso para de fato denunciar qual é o problema do conteúdo desse plano.
O presidente da Comissão de Política Urbana da Câmara, Rubinho Nunes (União Brasil), disse em coletiva que várias sugestões do PSOL foram incorporadas à revisão, e que as críticas da sra. são “levianas”, “temerárias” e de quem “quer tumultuar”. Como vê essas falas?
Não é verdade. A gente propôs uma série de possibilidades que não foi aceita, como planos nos bairros, com audiências mais espalhadas e mais tempo para audiências públicas. Tinha uma proposta inicial de ter 20 e poucas audiências públicas no prazo de 40 dias, o que era ridículo. A gente conseguiu aumentar o número de audiências para mais de 40, só que o Rubinho quis colocar [essa quantidade] nos mesmos 40 dias. Tinha dias com duas ou três audiências, tudo muito espremido, muito condensado e muito concentrado na Câmara Municipal. Não faz sentido. Alguns vereadores conseguiram organizar audiências para regiões mais periféricas, mas a maioria foi aqui dentro [da Câmara Municipal]
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O povo não conseguiu acompanhar?
Não acompanhou e não entende o que está acontecendo. Não teve, por exemplo, uma consulta pública. A consulta pública é um instrumento legal que você pode usar, utilizando as sedes das subprefeituras para perguntar a proposta para as pessoas. A maioria das propostas não foi aceita. Teve uma proposta específica que fiquei muito surpresa de não ter sido acolhida pelo poder público, sobre a regularização fundiária na maioria dos bairros. Grande parte dos bairros periféricos de São Paulo foi feita via ocupações de moradia antiga. Esse mesmo vereador [Rubinho Nunes] é o que chama a ocupação de moradia de criminosos e bandidos sendo que mais da metade da cidade foi feita de ocupação de moradia antiga.
A bancada do PSOL anunciou ter conquistado uma vitória no PIU Arco Jurubatuba em relação ao “chave a chave”. Como se deu isso?
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O chave a chave é algo que o PSOL e os movimentos sociais pedem há bastante tempo. O que a gente quer colocar é que qualquer tipo de desapropriação feita pelo poder público precisa implicar numa opção de moradia para a pessoa. O que costuma acontecer é o aluguel social, principalmente para quem não tem a casa regularizada, não tem a escritura da casa. Às vezes a pessoa está lá há 20 anos, mas não tem a escritura da casa e fica sem nada. Entra numa fila do aluguel social para ganhar R$ 400 por mês e fica esperando sabe-se lá até quando para conseguir uma habitação social. E o chave a chave significa que a pessoa saia da sua casa para ir direto para outra moradia, dentro de um plano de financiamento que a pessoa possa pagar.
Por que acredita que parte da bancada do PT na Câmara – partido de esquerda, como o PSOL – votou a favor do projeto do Plano Diretor Estratégico?
Uma parte da bancada do PT entende que o método de votar favorável em primeira abre uma negociação para o projeto em segunda [votação]. É um entendimento de método de tramitação de projeto. A experiência do PSOL, porém, não mostra que isso acabe acontecendo. A gente já tentou votar favoravelmente em alguns projetos em primeira votação ainda que não tivesse um acordo total para tentar negociar aspectos de conteúdo para o segundo, mas não deu certo.
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Há uma sensação geral de crescimento de construções de edifícios em vários bairros da Capital. Isso tem algo a ver com a prefeitura ou é simplesmente o aquecimento do mercado imobiliário?
No pós-pandemia teve uma aceleração do mercado imobiliário, e isso não é um problema. O problema é que boa parte dessas construções não está relacionada a habitação, mas a investimento. Tanto que a maioria das propagandas que se vê é “venha investir aqui”. Não é uma política de moradia, é uma coisa para investidor. Sem contar que algumas dessas empresas, dessas construtoras, utilizam de mecanismo do Plano Diretor para Habitação de Interesse Social (HIS) para pessoas de menor renda para fazer quitinetes de 30 metros quadrados por R$ 500 mil. Aumenta a varanda, por exemplo, porque não entra na área construída. É uma distorção. Acaba-se usando os mecanismos para beneficiar quem faz construção para pessoas de menor renda, de forma que essas estruturas aproveitem esses benefícios, mas não vendem para menor renda, eles deixam lá como investimento para deixar rolando.
Em geral, parece que a oposição a Nunes coleciona derrotas na Câmara, e a gestão costuma conseguir aprovar os projetos. É de fato assim?
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A base acaba ficando atrelada aos projetos do governo porque aqui se repete o que acontece em várias cidades que é a base ter acesso a cargos da prefeitura. Por exemplo, há 32 subprefeituras na cidade, e quase a totalidade tem subprefeitos indicados por vereadores da Casa. É comum que os vereadores usem inclusive isso como justificativa para votar nos projetos mesmo que não concorde, dizem isso até abertamente. O PSOL não tem cargo ou acordo político com a prefeitura, e isso nos deixa com uma certa liberdade na Câmara. O governo também tem uma prática de retirar algo de votação quando vê que não vai ter votos suficientes, então nunca se vê o governo perdendo uma votação, mas isso não é exatamente uma derrota da oposição. Parece que eles só têm vitórias, mas não é bem assim.
A sra. vê diferença de estilos entre Bruno Covas e Ricardo Nunes?
Eu peguei um período curto da gestão do Bruno Covas [o prefeito eleito morreu em maio de 2021, e tinha Nunes como vice], mas o perfil do Covas era de mais diálogo, ainda que também tivesse bastante divergência política. Percebo que o Ricardo Nunes é difícil de lidar com críticas. Sinto que para ele sempre é uma coisa muito grande, como se fosse algo pessoal, e não é assim. Já Covas tinha uma relação boa com o próprio [Guilherme] Boulos, com alguns setores importantes que hoje o Ricardo Nunes vira as costas, então de jeito nenhum que o governo do Nunes é uma continuação do Covas, mas de jeito nenhum mesmo.
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Há setores em que essa diferença entre ambos fica mais evidente?
Na cultura isso é mais sintomático, a diferença fica mais evidente. Ele [Covas] tinha relação com cordões de Carnaval muito profunda, com figuras da cultura, do teatro. Ele respeitava as Casas de Cultura, nunca tentou privatizar. Diferente de hoje com a secretária Aline Torres. O antigo Secretário de Cultura [Alê Youssef], por mais que tivéssemos divergências, deu uma abertura muito boa quando levamos o projeto do “São Paulo é Solo Preto e Indígena”, nos ajudaram até a montar o projeto. A relação com a secretária atual é mais dura, mais difícil, com menos diálogo, principalmente com a cultura alternativa, que não faz parte dos grandes circuitos.
Nas eleições de 2024 Nunes pretende tentar a reeleição, e Guilherme Boulos deve se candidatar pelo PSOL. Qual é a sua expectativa?
Espero que São Paulo consiga ter uma mudança. Estarei junto do Boulos, sobretudo para uma mudança grande das políticas da cidade. Depois que a gente enfrentou um governo de quatro anos que foi desastroso para o nosso país, São Paulo foi muito importante nessa vitória. Acho que não é demais dizer que São Paulo foi a capital do Sudeste que votou mais no Lula e no [Fernando] Haddad, que teve méritos como prefeito, mas também erros, e havia saído com uma avaliação muito negativa do cargo. Apesar da cidade ter setores conservadores e bolsonaristas, está sobretudo apostando numa mudança que tem a ver com as políticas da esquerda, tem a ver com os movimentos sociais, tem a ver com entender que a periferia tem que estar mais no centro das decisões políticas da cidade.
Como viu a retirada de Ricardo Salles na corrida eleitoral à Prefeitura de São Paulo em 2024?
Acredito que alguém vai tentar representar essa extrema-direita, é difícil que eles não queiram disputar. O Nunes se reuniu com Bolsonaro no último fim de semana. Acho que o Nunes vai tentar também ser “mais à direita” digamos, para tentar assim abocanhar uma parte do eleitorado do Bolsonaro.
Como o PSOL deve agir em relação ao governo Lula?
O PSOL segue cumprindo seu papel histórico, na minha visão, que é de sempre puxar pela luta dos trabalhadores, e de forma independente. Não tempos a ilusão que um governo vai levar para uma ruptura da sociedade capitalista, isso tem a ver com processo históricos, não é um governo que vai fazer isso. Mas a gente acredita que é importante que existam ferramentas organizativas que façam luta social sem amarras, de forma independente, como é o caso do próprio MTST, do próprio MST, de sindicatos, de movimentos de educação que fazem luta social, sem precisar estar amarrado com o governo.
Muitos nomes migraram do PSOL para outros partidos recentemente. A ex-deputada estadual Isa Penna, por exemplo, saiu da legenda fazendo uma série de críticas, entre elas a de “só haver homens em posição de comando”. Como recebeu?
O PSOL, assim como os partidos da política brasileira, tem um elemento do machismo muito forte. Isso é muito real, muito concreto. Apesar de ser um partido de muitas mulheres - aqui na Câmara, dos seis vereadores do PSOL, quatro são mulheres -, isso se repete na maioria das Casas, então não vou dizer que não tem muito machismo, claro que tem, principalmente dos caras mais antigos do partido, que não querem se acostumar com mulheres sendo não só figuras públicas, mas dirigentes partidárias também. Essa é uma batalha que a gente sempre tem. No caso da Isa, acho que foi uma série de questões que aconteceram. Teve a ver com o machismo mas também com discordâncias dela da linha política do PSOL. Tanto que ela foi para o PCdoB, que é um partido que tem uma linha de maior adesão às políticas do PT.
O governador Tarcísio de Freitas autorizou o MST a realizar uma feira no Parque da Água Branca, em São Paulo. Como entendeu esse gesto?
Tarcísio tenta se distanciar do bolsonarismo mais radical, tenta ser mais gestor, e acredito que, de fato, ele tem um perfil diferente ao de Bolsonaro. Mas, ao mesmo tempo ele tem no secretariado algumas figuras bem “Terra plana”. Ele também tem uma linha econômica muito parecida a de Bolsonaro, de um extremo neoliberaslismo. Ele querer vender a Sabesp para mim é o mais grave dos casos. A Sabesp é uma empresa que dá lucro, é uma empresa muito boa. Claro que tem muito problemas, mas vendê-la é uma coisa inacreditável.
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