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Cotidiano

Litoral sul de SP tem viadutos abandonados há 45 anos

Governo deixou obras inacabadas no único trecho inexistente da BR-101, que começa no RN, atravessa 12 estados e termina no RS

Nilson Regalado

16/02/2025 às 13:00

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Viadutos estão abandonados há 45 anos

Viadutos estão abandonados há 45 anos | Renan Louzada

Há exatos 45 anos, nas ruas impregnadas de história de Iguape e no então jovem município de Peruíbe, chegava ao fim mais uma temporada de verão.

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Os “paulistas” levavam areia, sal, sol e imagens na retina. Na bagagem, quem sabe, amores de praia que não subiam a Serra.

Mas, naqueles dias, um fantasma passou a assombrar praias desertas e paradisíacas no extremo sul do litoral de São Paulo.

Os ‘primos’ da Serra da Jureia diziam que aquele desassossego era obra do “corpo-seco”, o personagem da mitologia caiçara rejeitado por Deus e pelo diabo que sai para vagar nas noites sem lua.

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Há exatos 45 anos, nas ruas impregnadas de história de Iguape e no então jovem município de Peruíbe chegava ao fim mais uma temporada de verão. Foto: Renan Louzada
Há exatos 45 anos, nas ruas impregnadas de história de Iguape e no então jovem município de Peruíbe chegava ao fim mais uma temporada de verão. Foto: Renan Louzada
Os 'paulistas' levavam areia, sal, sol e imagens na retina. Na bagagem, quem sabe, amores de praia que não subiam a Serra. Foto: Renan Louzada
Os 'paulistas' levavam areia, sal, sol e imagens na retina. Na bagagem, quem sabe, amores de praia que não subiam a Serra. Foto: Renan Louzada
Mas, naqueles dias um fantasma passou a assombrar praias desertas e paradisíacas no extremo sul do Litoral de São Paulo. Foto: Renan Louzada
Mas, naqueles dias um fantasma passou a assombrar praias desertas e paradisíacas no extremo sul do Litoral de São Paulo. Foto: Renan Louzada
Os 'primos' da Serra da Jureia diziam que aquele desassossego era obra do 'corpo-seco', o personagem da mitologia caiçara rejeitado por Deus e pelo diabo que sai para vagar nas noites sem lua. Foto: Renan Louzada
Os 'primos' da Serra da Jureia diziam que aquele desassossego era obra do 'corpo-seco', o personagem da mitologia caiçara rejeitado por Deus e pelo diabo que sai para vagar nas noites sem lua. Foto: Renan Louzada
Mas, as orações ao Bom Jesus e a São Miguel Arcanjo, na Cachoeira do Guilherme, surtiram efeito. Daqueles dias, restaram recortes de jornais amarelados pelo tempo e memórias orais dos poucos caiçaras que ainda vivem. Foto: Renan Louzada
Mas, as orações ao Bom Jesus e a São Miguel Arcanjo, na Cachoeira do Guilherme, surtiram efeito. Daqueles dias, restaram recortes de jornais amarelados pelo tempo e memórias orais dos poucos caiçaras que ainda vivem. Foto: Renan Louzada
E o vestígio mais evidente daquele embate são duas pontes que 'levitam' entre árvores imensas, no meio da selva. Foto: Renan Louzada
E o vestígio mais evidente daquele embate são duas pontes que 'levitam' entre árvores imensas, no meio da selva. Foto: Renan Louzada
Erguidas em concreto e abandonadas há décadas, cada uma tem mil metros quadrados. As duas têm cerca de 100 metros de comprimento cada uma, por dez metros de largura, o que pressupõe que teriam duas faixas de rolamento. Foto: Renan Louzada
Erguidas em concreto e abandonadas há décadas, cada uma tem mil metros quadrados. As duas têm cerca de 100 metros de comprimento cada uma, por dez metros de largura, o que pressupõe que teriam duas faixas de rolamento. Foto: Renan Louzada

As orações ao Bom Jesus e a São Miguel Arcanjo, na Cachoeira do Guilherme, surtiram efeito. Daqueles dias, restaram recortes de jornais amarelados pelo tempo e memórias orais dos poucos caiçaras que ainda vivem.

E o vestígio mais evidente daquele embate são duas pontes que ‘levitam’ entre árvores imensas, no meio da selva.

Erguidas em concreto e abandonadas há décadas, cada uma tem mil metros quadrados. As duas têm cerca de 100 metros de comprimento cada uma, por dez metros de largura, o que pressupõe que teriam duas faixas de rolamento.

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Além disso, as defensas laterais também são feitas de concreto, sustentadas por pilotis que projetam as pontes entre 15 e 20 metros acima do rio Despraiado.

As cabeceiras que ligariam essas estruturas à estrada nunca foram concluídas, criando um cenário surreal com as pontes pairando no meio das árvores.

Com o passar dos anos e a falta de uso, a Mata Atlântica acabou ‘engolindo’ as clareiras abertas para a construção das duas estruturas.

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A retomada do espaço pelas árvores vai, lentamente, ‘estrangulando’ o ferro e o concreto, que só podem ser vistos do chão ou através de raras imagens de satélite.

A primeira fica no meio da selva, cercada por árvores imensas, perto de um pomar natural com bananeiras-de-macaco e lírios-do-brejo, tudo à sombra das embaúbas, que servem de petisco para os bichos-preguiça.

Sob a estrutura, que pesa centenas de toneladas, corre manso o rio Despraiado, com suas águas cristalinas e pedras esculpidas pelo tempo.

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A única referência da região é o Bar do Compadre, cujo dono dorme nas tardes de semana por não ter a quem atender...

De lá são 22 quilômetros de estrada de barro até a pequena Vila de Três Barras, o ponto mais próximo do que costumamos chamar de civilização. Daí até o asfalto da Rodovia Padre Manuel da Nóbrega são mais dois quilômetros.

Ponte decadente 

De tanto esperar que as autoridades dessem algum uso à estrutura que fica no quintal do Bar do Compadre, os caiçaras se encarregaram de improvisar cabeceiras nas duas pontas da estrutura abandonada.

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Na empreitada foi preciso juntar toneladas de barro até que o traçado da Estrada do Despraiado alcançasse a altura das duas faixas de rolamento em concreto.

E essa intervenção facilitou a conexão com ‘os primos’ que moram mais perto das praias isoladas de Peruíbe e Iguape, onde o acesso é exclusivo de moradores e pesquisadores.

“Isso facilitou muito a nossa vida”, resume Anderson Apolinário, servidor público em Itanhaém, cuja família vive na Jureia há três gerações.

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Antes, a opção era atravessar o rio por uma pequena e decadente ponte pênsil, com piso em madeira que oferecia riscos iminentes aos usuários. Essa ligação serviu às comunidades do Vale do Despraiado por décadas até ser vencida pela falta de manutenção.

Óvnis na selva 

Enquanto a ponte se erguia, histórias curiosas e mistérios começavam a circular pela região, como as lendárias aparições de óvnis na selva.

Na prática, caiçaras e aventureiros cruzavam o rio por dentro d´água, desviando das pedras, o que tornava a travessia mais perigosa no verão, após as chuvas nas cabeceiras próximas ao Pico dos Itatins.

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Conhecido como Dedo de Deus Paulista, o Itatins é o ponto mais alto do litoral sul, com 1.333 metros de altitude.

Montanha lendária para os caiçaras, com histórias de bolas de fogo que saem do cume, ouro escondido em suas ravinas e folclores, o Pico só foi alcançado por montanhistas em 1953.

Para os caiçaras, as tais bolas de fogo são o tucano-de-ouro, o ser mitológico que tudo observa e só aparece de sete em sete anos, com seu brilho intenso, abençoando com riqueza e felicidade a pessoa que presencia seu voo.

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Para os ufólogos, o tucano-de-ouro nada mais é do que a confirmação do avistamento de objetos voadores não-identificados, cujas aparições têm inúmeros relatos na região.

Referência geográfica, o Pico dos Itatins constitui a fronteira das cidades de Peruíbe, Iguape, Pedro de Toledo e Miracatu.

Dali é possível avistar a barra do Rio Ribeira e até a Ilha do Cardoso, no último grão de areia do Litoral Paulista.

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Segunda ponte

A ponte mais distante fica um quilômetro para frente do Bar do Compadre, em direção ao mar. E ela é ainda mais intrigante porque sequer foi construída sobre o Rio Despraiado.

Ao contrário, essa segunda estrutura tangencia o caminho das águas, o que sugere que ficou incompleta e seria prolongada em um futuro que nunca chegou.

Mais alta que a primeira, ela tem 20 metros de altura e termina de maneira abrupta. Em uma de suas extremidades há um vão de 40 metros até o traçado original da Estrada do Despraiado.

Intransitável, esta sequer permitiu o improviso dos caiçaras, que ousaram fazer por conta própria as cabeceiras da outra ponte, empurrando e acumulando o barro até suas duas extremidades.

Larga como a primeira, ela também pressupõe capacidade estrutural para tráfego pesado em duas mãos dada a imponência dos robustos pilotis que sustentam a estrutura de concreto da pista de rolamento.

Neste ponto, o tráfego de carros e motos sobre o Rio Despraiado é feito sobre uma estrutura estreita, que serviu como estrada de serviço, necessária ao transporte dos materiais utilizados na construção da ponte que liga o nada a lugar algum.

Em mais de uma hora transitando pela estrada de terra batida desde a Vila de Três Barras até o Vale do Despraiado, a reportagem do Diário do Litoral cruzou com apenas dois veículos. E com alguns cavalos. 

Pontes fariam parte da BR-101

As duas estruturas em concreto no Vale do Despraiado fariam parte da BR-101. A rodovia federal interliga o Brasil de norte a sul, desde o município de Touros, no Rio Grande do Norte, até a cidade de São José do Norte, no Rio Grande do Sul.

A estrada corta 12 estados e o único trecho inexistente no traçado de 4.824 quilômetros de extensão é na Jureia.

Por onde passariam carros, ônibus e caminhões a única trilha sonora é o canto de sabiás-brancos, canários-da-terra, tiês-sangue, papagaios-de-cara-roxa, saíras-sete-cores, bem-te-vis piratas e choquinhas-lisas, tudo sob a vigilância do tucano-de-ouro, uma das muitas lendas presentes no imaginário desta região cujo isolamento fez florescer cantos, danças e rezas únicos no Planeta.

Tecnicamente, as pontes fantasmas ficam no território de Pedro de Toledo. A cidadezinha tem 12 mil habitantes e é uma das portas de entrada no vasto universo de flores, sotaques e sabores chamado Vale do Ribeira.

Mas, apesar da ligação administrativa com Toledo, a proximidade com as praias do Una, do Parnapuã, do Itacolomy e do Rio Verde reforçam uma relação afetiva dos poucos moradores das minúsculas comunidades caiçaras com Peruíbe e Iguape.

No Vale do Despraiado, por onde passaria a BR-101, não há redes de telefonia, apesar de o Governo do Estado ter instalado ali uma torre de rádio-telefonia UHF da antiga Cotesp.

A empresa sucedeu a Companhia Telefônica Tupi, foi criada em 1964 para eliminar as chamadas zonas mudas do Estado, e deu origem, anos depois, à Telesp, privatizada em 1998.

Luz, só das estrelas, pirilampos, lampiões ou das placas de energia solar. Da escola rural restou só um prédio abandonado. Médico de família tem, uma vez ou duas por semana, no espaço cedido por um proprietário de terras no Vale do Despraiado

Internet só via satélite, mesmo tão perto da maior metrópole do Hemisfério Sul – da Jureia a São Paulo são menos de 100 quilômetros em linha reta.

“Se a BR-101 tivesse passado por aqui, teríamos progresso. Sem ela, ficamos esquecidos por 40 anos. Só agora está começando a melhorar”, salienta Anderson Apolinário, servidor público em Itanhaém, cuja família está na Juréia há três gerações. 

Estrada ligaria usinas atômicas que militares queriam construir na Jureia

Os perseguidos políticos exilados no exterior começavam a voltar ao Brasil, a seleção ainda procurava uma camisa 10 à altura do Rei e o preço do petróleo disparava no mundo inteiro após a revolução xiita no Irã.

Naqueles dias, o general ditador João Figueiredo (1918/1999) determinou a desapropriação de 236 quilômetros quadrados de faixa litorânea entre Peruíbe e Iguape.

O Decreto 84.771, de 4 de junho de 1980, declarou o santuário ecológico no extremo sul do Litoral Paulista “área de utilidade pública”.

Assim, estava aberto o caminho para construção das “Usinas Nucleoelétricas 4 e 5” pelas Empresas Nucleares Brasileiras (Nuclebras), a estatal criada em 1971 para desenvolver a energia atômica no País.

O decreto esclarecia ainda que essas duas usinas seriam “unidades a água leve pressurizada de 1.200 MW, cada”.

E determinava que elas teriam “como referência a Usina Núcleo-elétrica nº 2 da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto”, popularmente conhecida como Angra 2, instalada no município de Angra dos Reis, no litoral sul do Rio de Janeiro, a partir de tecnologia alemã.

Mas, antes mesmo do decreto federal, o então governador Paulo Maluf (1979/1982) enviou técnicos da antiga Companhia Energética de São Paulo (CESP) para a Jureia.

Com pretensões de se tornar presidente da República, Maluf determinou que os funcionários da Cesp montassem acampamento na região em dezembro de 1979. Até janeiro de 1980, toda a área da primeira usina em solo caiçara já estava mapeada.

A previsão era que a obra começaria até meados de 1982, sobre cemitérios ancestrais, anteriores à invasão da Pindorama (Brasil) pelos europeus, e sobre trechos do Caminho do Telégrafo, construído a mando do imperador Pedro I às margens de praias paradisíacas e desertas.

“A decisão de instalar duas usinas nucleares em São Paulo é irreversível”, dizia o extinto jornal Cidade de Santos, em 17 de julho de 1980, conforme pesquisa do jornalista peruibense Márcio Ribeiro.

Cesp e Nuclebras chegaram a fazer perfurações no solo da região entre as praias do Itacolomy e do Rio Verde. E parte do morro do Grajaúna foi removida, numa espécie de terraplenagem que precede as obras de engenharia.

Mas, os trabalhos acabaram abandonados devido à pressão popular e ao enfraquecimento da ditadura militar, que terminaria em 1985 com a eleição indireta do primeiro presidente civil desde 1964.

Surfistas, estudantes, sindicalistas e ecologistas impediram energia nuclear

A partir do momento em que os boatos se transformaram em realidade, a reação da população de Peruíbe, de Iguape e de outras cidades da Baixada Santista e do Vale do Ribeira foi imediata.

E os primeiros protestos partiram de surfistas e estudantes, que passaram a pichar os muros de Peruíbe com frases como “Feijão sim, usina não”, “Peruíbe, cidade da morte” e “Maluf, usina não!”. Rapidamente, essas pichações se espalharam por cidades do Litoral e do Ribeira.

Preocupados com o risco iminente de despejo de suas casas, moradores tradicionais da Barra do Una bloquearam o acesso a área a ser desapropriada no dia 9 de fevereiro de 1981.

Nove dias depois, o chefe da assessoria de Comunicação Social Nuclebras, Cezarion Praxedes, apareceu para uma reunião com a população de Una.

“Homens, mulheres e crianças se comprimiam no espaço do prédio, pequeno em relação ao número de moradores. Alguns dormiam no chão, em colchões improvisados, vindos de muito longe.

Era gente de Paranapuã, Carambori, Juquiazinho, Praia Verde e Barro Branco em Peruíbe ou quem sabe de terreno depois da Barra do Una, limite do município com Iguape”, relatava novamente o Cidade de Santos.

No Carnaval, policiais militares impediram o desfile de um bloco de protesto pelas ruas de Peruíbe. Eram ao menos 220 pessoas com cartazes contrários à usina. Nas ruas e praias, políticos se mobilizavam.

Em Itanhaém, o lendário Ernesto Zwarg (1925/2009) fundava as bases de um movimento que, décadas depois, viria a ser conhecido mundialmente como ambientalismo. E municiava a Imprensa regional, estadual e nacional com informações 

Em Santos, sindicalistas e representantes da Juventude Democrática de Santos e do Centro dos Estudantes se reuniam na Praça Mauá. Em São Paulo, cientistas ligados Universidade de São Paulo se mobilizaram contra o empreendimento.

E todos eram “fichados” secretamente pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), a polícia política da ditadura militar que espionava, reprimia, prendia, torturava e matava adversários do regime, chamados pejorativamente de “subversivos”.

O do DOPS em Santos chegou a elaborar um dossiê intitulado “Movimento contra instalação de Usinas Nucleares”. 

Ditadura tentou seduzir comunidade com promessas de emprego e riqueza

Os protestos e abaixo-assinados se multiplicaram entre 1980 e 1981, mas a ditadura militar não cedeu. E anunciava que iria gerar até dois mil empregos na construção dos acessos às usinas.

Outros sete mil trabalhadores seriam contratados só para as obras dos reatores nucleares. Três mil casas seriam construídas para abrigar os operários e suas famílias.

Para diminuir a antipatia popular ao projeto, a ditadura militar prometia até construir um mercado municipal, um terminal rodoviário em Peruíbe e investir em equipamentos turísticos. A promessa era de desenvolvimento econômico para o Litoral Sul.

“A construção das terceira e quarta usinas nucleares na região entre Peruíbe e Iguape, será iniciada em meados do próximo ano”, anunciava o Jornal do Commercio, do Recife, em 21 de fevereiro de 1981, conforme a pesquisa de Márcio Ribeiro.

Mas, a ditadura começou a se enfraquecer em outubro de 1982, quando a oposição elegeu governadores pela primeira vez em duas décadas nos principais estados do País e fez uma robusta bancada no Congresso Nacional.

Desgastados, os militares entregaram o poder a um civil, Tancredo Neves, em 1985. Impedido de assumir por problemas de saúde que levaram à sua morte, Tancredo foi substituído pelo vice, José Sarney.

Em São Paulo, o então governador André Franco Montoro (1983/1986) atendeu o clamor da sociedade e transformou toda área no Parque Estadual Juréia-Itatins, a modalidade mais restritiva dentre as unidades de conservação.

Enquanto senador da República (1979/1982), Montoro foi o primeiro político a denunciar os planos da ditadura militar para a Jureia. 

Bomba atômica, câncer e acidentes com milhares de vítimas assustavam moradores

A iminente construção das usinas atômicas assustava moradores, veranistas e parte da comunidade científica. Todos tinham, ainda frescos na memória, os impactos do acidente de Three Mile Island, nos Estados Unidos.

Em 1979, o colapso de um reator na usina atômica provocou o acidente nuclear mais grave da história dos Estados Unidos, com o vazamento de gases tóxicos radioativos na Pensilvânia.

Antes, em 1975, uma falha técnica deu início a um incêndio em um dos reatores centrais da usina de Windscale, na Inglaterra, e materiais radioativos foram liberados no entorno.

A unidade fora escolhida para produzir uma bomba atômica pelo governo britânico. Acredita-se que a radiação pode ter sido responsável por centenas de casos de câncer na região de Windscale.

Também em 1975, uma falha no sistema de refrigeração do compartimento de armazenamento de resíduos nucleares provocou uma explosão que liberou toneladas de material radioativo na atmosfera.

Essas partículas contaminaram Mayak, na Rússia, e as cidades próximas, obrigando 100 mil pessoas a abandonar suas casas.

E todos tinham na memória a explosão das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, que foram lançadas pelos Estados Unidos em 1945, no final da Segunda Guerra Mundial.

Aqueles foram os primeiros e únicos ataques nucleares contra alvos civis, mas provocaram a morte de 150 mil japoneses.

As bombas atômicas também provocaram queimaduras graves em outros milhares de japoneses e multiplicaram os casos de câncer de mama, pulmão e tireóide nas regiões atingidas pela radiação.

Programa nuclear brasileiro naufragou junto com ditadura militar

A Nuclebras, que seria responsável pela construção das usinas atômicas em Peruíbe/Iguape foi extinta em 1989, depois de construir as centrais nucleares de Angra 1 e 2, no Complexo Almirante Alberto Álvaro.

As duas unidades estão localizadas na Praia de Itaorna, em Angra dos Reis, no litoral sul do Rio de Janeiro. Construídas às margens da BR-101, Angra 1 e 2 respondem por apenas 3% da energia elétrica consumida no Brasil.

As obras da primeira unidade começaram em 1971 e foram cercadas por problemas técnicos. A operação comercial de Angra 1 só foi autorizada em dezembro de 1984.

Em pelo menos um episódio, em setembro de 2022, água radioativa foi despejada diretamente no mar, provocando uma multa de R$ 2 milhões à atual operadora da usina, a Eletronuclear.

Angra 2 só foi operar em 2001, quase 25 anos após o início da construção. E passou a utilizar tecnologia alemã, depois do litígio da Nuclebras com a fornecedora norte-americana de reatores responsável pelos equipamentos de Angra 1.

E Angra 3 segue com obras inacabadas. Os trabalhos começaram em 1986 e só devem estar concluídos em 2027. Atualmente, há perto de 450 usinas nucleares em operação no mundo. 

Projetos queriam transformar praias paradisíacas da Jureia em resorts de luxo

Quase cinco décadas depois da tentativa frustrada de construir as duas usinas nucleares na Jureia, é difícil prever o que teria acontecido com o Litoral Sul. Diretor de Cultura do Instituto Ernesto Zwarg, o professor de História Pedro Delazari lembra que antes mesmo das discussões acerca das usinas, a região já era da especulação imobiliária.

Segundo Delazari, praias paradisíacas e secretas como Barra do Una e Rio Verde poderiam ter virado resorts de luxo, com a expulsão de caiçaras para as periferias das cidades.

“É difícil saber o que aconteceria na região porque tudo foi feito dentro de uma ditadura, sem uma projeção para o futuro e sem discussão com a comunidade”, reflete Delazari.

Mas, o professor ressalta que “por linhas tortas, essa tentativa de construção das usinas incentivou uma mobilização popular que levou ao decreto de criação da Jureia”.

O diretor do Instituto Ernesto Zwarg cita ainda os outros riscos a que a região estava sujeita:

“Sem esse decreto é muito difícil saber o que seria lá porque, independente da usina, ali também tinha projetos de construção de resorts, muito provavelmente seria uma área explorada turisticamente em praias como a do Rio Verde, da Barra do Una.”

“O que dá para ter certeza é que esse remanescente de Mata Atlântica bem preservado, com a biodiversidade preservada que é hoje, de fato não existiria mais” completa Delazari. 

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