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Cotidiano

Dra. Damaris Moura: 'Isolamento social sempre acirra a violência doméstica'

Em entrevista exclusiva, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Alesp explica como o parlamento paulista vem agindo para combater a violência de gênero no Estado

Bruno Hoffmann

07/03/2022 às 16:04  atualizado em 07/03/2022 às 17:46

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Dra. Damaris Moura é deputada estadual em São Paulo

Dra. Damaris Moura é deputada estadual em São Paulo | Ettore Chiereguini/Gazeta de S. Paulo

A advogada Dra. Damaris Moura passou a dedicar boa parte do seu tempo no combate à violência contra as mulheres há quase 20 anos, ao entrar em um projeto da Igreja Adventista do Sétimo Dia de prevenção ao abuso sexual e à violência doméstica. Depois, levou a ação para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Agora, já como deputada estadual pelo PSDB, ela se tornou presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), em que tenta dar visibidade ao tema de proteção feminina e de outros grupos fragilizados em um meio tão masculino e polarizado como a Alesp. E garante que está sendo bem sucedida, com bom trânsito entre a esquerda e a direita.

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Neste mês vai se iniciar a capacitação de professores da rede pública para identificação e prevenção de situações de violência e abuso sexual dentro das famílias, a partir de um projeto dela sancionado pelo Governo de São Paulo em 2021. “Serão 40 horas de curso, que vão tratar de aspectos psicológicos, legais e também de rede de proteção. Porque, se você identifica, você tem que saber para onde encaminhar essa criança”, explica a parlamentar.

No Dia Internacional da Mulher, Dra. Damaris Moura explica ainda nesta entrevista à Gazeta e ao Diário do Litoral como a pandemia ajudou a aprofundar a violência de gênero em São Paulo e em outros lugares do mundo. “Eu aprendi na ONU Mulher que todas as crises que envolvem isolamento social acirram a violência doméstica”, afirma. E conta como a Alesp pode enfrentar a situação.

Em 2021, foi sancionada uma lei de sua autoria pelo governador João Doria que visa capacitar professores da rede pública para identificação e prevenção de situações de violência e abuso sexual dentro das famílias. Como será essa capacitação?

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O programa vai capacitar professores do ensino fundamental ao ensino médio, e, claro, vão ser capacitados conforme a faixa etária de cada indivíduo em formação, entre crianças e adolescentes. Se ele é professor do ensino médio naturalmente ele vai estar apto a tratar deste tema com adolescentes. Se ele é professor do ensino fundamental I, por exemplo, ele tem que abordar um assunto tão sensível para crianças pequenas. Eles vão estar aptos a aplicar um treinamento em sala de aula para que essas crianças e adolescentes sejam capazes de identificar da forma mais precoce possível alguma situação que envolva abuso sexual e violência doméstica. E neste treinamento que vão aplicar em sala de aula poderão identificar alunos que já foram vítimas.

A lei foi sancionada no início do ano passado. Por que o treinamento demorou mais de um ano para se iniciar?

A lei de alguma forma cria o princípio do que ela pretende alcançar, mas o detalhamento e a prática discutimos na Secretaria da Educação. O secretário reuniu a equipe técnica dele, chamou inclusive a Polícia Militar e a Polícia Civil, e nós levamos uma médica sexóloga do Pérola Byington, porque é uma conjugação de esforços. A partir dali fomos encaminhados para a Efape [Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de São Paulo]. O professor Marcelo [Marcelo Jerônimo], diretor geral da Efape, reuniu a equipe dele e dali saímos depois de algumas reuniões com a formatação desse programa, que consiste em quatro módulos. Serão 40 horas de curso, com quatro módulos, que vão tratar de aspectos psicológico, legais e também de rede de proteção. Porque, se você identifica, você tem que saber para onde encaminhar essa criança. Claro que primeiro para a direção da escola. Os módulos já estão sendo gravados, vão ser teleaulas, até pela pandemia.

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A capacitação dos professores vai ser opcional ou obrigatória?

A capacitação vai ser opcional, mas estimulada, porque o professor vai receber um certificado, que contará para a progressão da carreira. O programa é para todos os professores da rede pública. Eu estive com o secretário da Educação há uma semana e ele já adiantou que, provavelmente, o programa será lançado até o fim do mês de março. A escola é o principal vetor dessa problemática social, porque as crianças encontram na escola, na pessoa do professor, às vezes até de um coleguinha ou de alguém da direção da administração da escola, a possibilidade de contar [sobre o abuso ou a violência doméstico]. Fazendo um trabalho sistemático intencional você amplia a possibilidade de identificar e de criar um ambiente para criança contar, para o adolescente contar.  E a gente já teve relatos de professores - eu converso muito com professores porque também sou educadora, embora advogada, e eles identificam as vezes ruptura de comportamento habitual. A escola é um importantíssimo canal de transformação dessa realidade, mas também de identificação de casos. O professor tem que conhecer o caminho para ele finalizar esse atendimento.

A sra. costuma dizer que, durante a pandemia da Covid, a violência doméstica contra as mulheres também se espalhou como um vírus. Quais são as causas principais?

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Eu aprendi na ONU Mulher que todas as crises que envolvem isolamento social sempre acirram a violência doméstica, por causa da hiperconvivência do agressor com a sua vítima. Eu me recordo que no mês de março de 2020, ainda no início da pandemia, a ONU Mulher editou um documento com 14 medidas a serem adotadas pelas nações ao redor do mundo de proteção a mulheres e meninas, porque já via essa expectativa e se confirmou aqui em São Paulo, por exemplo. A Secretaria de Segurança Pública divulgou que houve um aumento de mais de 40% de prisões em flagrante de homens agredindo as suas mulheres em casa no início do isolamento social.

Ettore Chiereguini/Gazeta de S. Paulo

Como a Alesp pode agir para transformar essa realidade assustadora? 

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No parlamento, eu tenho uma trajetória de combate à violência doméstica com ênfase em mulheres, mas também em crianças, adolescentes e idosos, que agora está avançando para o combate à violência doméstica contra a pessoa com deficiência.  Antes da pandemia eu já havia proposto quatro projetos de lei que nasceram da escuta, da realidade, da demanda social. Um deles é para autorizar o estado a capacitar em todas as delegacias - não só nas delegacias especializadas de mulher - um agente público que possa, ao receber uma vítima de violência doméstica, fazer o acolhimento, não simplesmente a lavratura de boletim de ocorrência.

Há diversos relatos de mulheres vítimas de violência que foram mal recebidas nas delegacias, não?

É muito comum. Eu atendo há quase 20 anos mulheres vítimas de violência e uma das reclamações mais recorrentes é essa: “Eu cheguei lá e o escrivão falou ‘vá se entender com seu marido que vai dar tudo certo’”. E às vezes essa mulher volta pra casa porque não recebeu atendimento da autoridade policial e algumas morrem. Ou muitas morrem, já que  o Brasil é o quinto país do mundo que mais mata mulheres. Os dados da Organização Mundial de Saúde. 

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Quais são seus outros projetos para as mulheres?

Eu tenho um projeto de lei sobre unidades de saúde, porque algumas não vão à delegacia por receio, mas tem realmente um atendimento médico hospitalar para ser feito. E lá ela precisa ter esse acolhimento. Na verdade é um sonho de Maria da Penha que foi contado para mim por Luiza Helena Trajano, do Grupo Mulheres do Brasil, de que é importante que cada unidade de saúde tenha um agente de saúde apto a atender vítima de violência doméstica, que traz consigo não só um problema da sua integridade física, mas também na sua integridade psicológica. Não é priorizar a vítima de violência doméstica em detrimento de outros que estão aguardando atendimento. É dar a ela, inclusive, condições para ela relatar, porque as pessoas chegam impactadas.

Dra. Damaris Moura

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Há também um projeto de autonomia financeira, correto?

Esse é o PL 410, que trata da autonomia financeira dessas mulheres, porque também constatamos das realidades que a gente acompanha  de que muitas não rompem com esse ciclo exatamente por não terem autonomia financeira. Eu propus um projeto autorizativo para que o estado destine até 5% das vagas de contratos públicos para mulheres, que estejam, claro, aptas a ocupar a função e que tenham comprovadamente dependência econômica do seu parceiro. E há outros projetos.

A Alesp é uma casa majoritariamente masculina. Eles estão mais sensíveis para esses temas que envolvem violência contra a mulher?

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Eu percebo que sim. Nós dobramos, nesta última legislatura, o número de mulheres: eram nove e agora são 18 [o número total de deputados na Alesp é 94]. Isso já é um avanço. Existe hoje um clamor maior, que vem da conscientização. É por isso que as iniciativas de conscientização, de prevenção, de educação são tão importantes. Porque você desperta a vítima para trazer o problema à tona. Há um aumento de percepção, o problema está menos escondido e menos silencioso. E isso faz com que, por exemplo, parlamentares comecem a se comprometer com ações e projetos de lei que possam promover de uma forma mais adequada os direitos das mulheres.

As pautas voltadas para os direitos das mulheres historicamente são confundidas como bandeiras da esquerda. Essa visão está mudando, não?

A defesa da mulher deve deixar de ser a bandeira dessa ou daquela corrente político-partidária. Ela tem que ser a defesa de todos, inclusive das próprias mulheres em defesa de outras mulheres. Eu acho que a gente está rompendo com esse paradigma de que a defesa da mulher é uma pauta de esquerda, acho que superamos isso. Eu vejo hoje dentro do parlamento de São Paulo que as diversas correntes partidárias que existem ali estão se comprometendo e estão tomando iniciativas legislativas que fortaleçam essa luta. Eu fui nomeada presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Assembleia Legislativa e a composição dessa comissão é absolutamente diversa. Então eu tenho ali deputados que são de esquerda e  deputados, inclusive, da extrema direita. E nós dialogamos. Nunca tivemos um problema prático dentro da comissão. Todas vezes que um tema é levado para debate na comissão temos dialogado muito bem. Nós temos sido convergentes.

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Em que momento a sra. entendeu que deveria se dedicar na luta contra a violência contra as mulheres?

A Igreja Adventista, que é a minha comunidade religiosa, tem há 18 anos no mundo uma campanha que se chama, em português, “Quebrando o silêncio”, de prevenção ao abuso sexual e à violência doméstica. E eu comecei a participar há aproximadamente 15 anos, como palestrante e comecei a atender voluntariamente a vítimas de violência doméstica gratuitamente como advogada. A campanha foi o grande propulsor do meu envolvimento definitivo com o tema . Isso foi avançando na OAB, em que eu também trabalhei esse tema como palestrante. Ou seja, na igreja, na OAB e agora no parlamento. Por onde eu for, esse tema hoje faz parte de uma missão de vida.

Além das questões de proteção às mulheres, a sra. conseguiu também aprovar um projeto contra a intolerância religiosa no Estado. Como essa lei ajuda a trazer justiça a esse campo?

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A violência contra a mulher e a liberdade religiosa não são temas distintos, embora pareçam. Recentemente fiz uma palestra para o Ministério da Justiça do Peru e eles me desafiaram ao questionar como o agressor justifica a violência com dogmas religiosos. A sujeição da mulher, a submissão da mulher, que muitas vezes representa uma violência, é justificada por uma orientação religiosa. É uma coisa muito séria. Há mulheres que sofrem violência doméstica porque não têm liberdade religiosa. Então há uma conexão da liberdade religiosa com a violência doméstica para quem não tem liberdade religiosa e podem sofrer nas relações intrafamiliares violência por desrespeito a sua escolha religiosa. 

Como a lei atua?

Essa legislação, considerada a primeira lei estadual de liberdade religiosa do Brasil, tem quase 80 artigos. Portanto, é um verdadeiro estatuto da liberdade religiosa, que regulamenta a questão nos mais diversos passos de convivência humana. Em síntese, a lei garante que nenhum paulista seja impedido de acessar oportunidades no campo econômico, campo social e no campo cultural por causa da sua religião. Eu acho que essa definição concentra o espírito dessa lei. Ninguém pode ser impedido de acessar oportunidades por causa da religião que escolheu. 

Quais são as penalidades para quem desrespeitar a legislação?

Primeiro, ela tem um aspecto educativo muito interessante, porque acreditamos que a lei pode conscientizar a sociedade sobre respeitar a diversidade religiosa. O projeto tem uma parte que traz sanções de natureza administrativa. Sanções administrativas que resultam na aplicação de multas pela prática da intolerância regional. É um avanço muito significativo para este tema no estado de São Paulo.

Dra. Damaris Moura

Muitos dados mostram que as religiões africanas e afrobrasileiras são as que mais sofrem episódios de intolência. A sra. também tem essa percepção?

Historicamente no Brasil, desde a colônia, passando pelo Império, pela República e chegando aos dias de hoje, vamos encontrar intensa intolerância religiosa endereçada às religiões de matrizes africanas. As religiões de matrizes africanas respondem, em números de 2015 do governo feral, em 71% das queixas do Disque 100 da intolerância religiosa no Brasil. Há uma diferença muito alta entre a intolerância endereçada a outras tradições.

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