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Cotidiano

Criminosos cobram R$ 30 mil para tirar cracolândia de ruas do centro de SP, dizem comerciantes

Procurada, a SSP (Secretaria de Segurança Pública estadual) confirmou que há um inquérito aberto para investigar denúncias de extorsão contra comerciantes na região

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Há pouco mais de um ano, a cracolândia deixou os arredores da estação Júlio Prestes, seu endereço por décadas.

Há pouco mais de um ano, a cracolândia deixou os arredores da estação Júlio Prestes, seu endereço por décadas. | Arquivo pessoal

Comerciantes afirmam que criminosos responsáveis pela distribuição de drogas na cracolândia estão cobrando pagamentos mensais para retirar o fluxo de dependentes químicos da porta dos estabelecimentos e de residências no centro de São Paulo.

O achaque foi confirmado à reportagem por dois lojistas que aceitaram realizar os pagamentos. Outros dois empresários da região disseram terem tomado conhecimento da extorsão. Uma moradora também relatou ter sido abordada pelos criminosos. Todos pediram para não terem seus nomes revelados por temerem represálias do crime organizado.

Procurada, a SSP (Secretaria de Segurança Pública estadual) confirmou que há um inquérito aberto para investigar denúncias de extorsão contra comerciantes na região. A pasta não deu mais detalhes do caso.

Há pouco mais de um ano, a cracolândia deixou os arredores da estação Júlio Prestes, seu endereço por décadas. Com isso, o fluxo, como é chamada a concentração de usuários de drogas, passou a ser itinerante.

Desde então, pessoas supostamente infiltradas entre os dependentes de crack passaram a receber pagamentos de moradores e comerciantes. Nesta primeira forma de extorsão, a promessa era garantir a segurança de trabalhadores e frequentadores do local, disse uma das pessoas ouvidas pela reportagem.

Nos últimos meses, porém, o modelo mudou para algo ainda maior. A extorsão passou a ser centralizada pelo grupo que diz controlar o tráfico no local e, por isso, teria influência sobre o deslocamento dos dependentes. Esse grupo procurou os comerciantes e exigiu R$ 150 mil, em parcelas mensais de R$ 30 mil, para afastar o fluxo de uma das regiões afetadas.

O valor mensal é dividido entre empresários da região, e o pedágio pode variar de acordo com o porte do estabelecimento, disse um dos extorquidos. As parcelas normalmente ficam acima de R$ 1.000 e abaixo de R$ 5.000. O pagamento é feito em dinheiro. As cédulas são colocadas em envelopes e recolhidas por um mensageiro dos criminosos.

Os comerciantes dizem não saber se os responsáveis pela extorsão estão ligados ao PCC, facção criminosa apontada pela polícia como responsável por comandar o tráfico de drogas na região.

No caso específico relatado à reportagem, dias após o início dos pagamentos, a movimentação de dependentes químicos se afastou da região onde ficam os estabelecimentos.

Em um grupo de um aplicativo de mensagens mostrado à reportagem, imagens de ruas desobstruídas até mesmo durante as madrugadas são postadas por pessoas que se dizem responsáveis pelo acerto, como forma de confirmar a eficácia do acordo.

Uma moradora disse que os serviços de remoção e segurança foram oferecidos em sua rua, mas, como ninguém aceitou pagar, os usuários seguem no local.

Uma das vítimas disse que, embora inadequado, o acordo com o tráfico foi uma medida desesperada após meses de apelos às gestões do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Desde que a cracolândia se tornou itinerante, moradores e comerciantes das ruas afetadas tem narrado uma série de problemas. O jornal Folha de S.Paulo mostrou que dezenas de lojas já fecharam as portas devido a presença dos usuários de drogas.

Em alguns pontos, há centenas de dependentes químicos reunidos em uma situação sanitária precária, muitas vezes fechando a rua. No último ano, houve aumento dos casos de roubos e furtos na região. Há relatos ainda de moradores que desenvolveram problemas psicológicos por causa da situação.

Entre os comerciantes, há quem duvide da eficácia dos pagamentos a longo prazo e alguns já consideram desistir, o que acrescenta preocupações quanto a uma possível represália. Um deles disse já ter sido ameaçado de morte.

Um integrante da Polícia Civil confirmou o modo de atuação e até mesmo o valor cobrado pelos criminosos. O mesmo agente relatou que, além das ações de traficantes, policiais civis, militares e guardas-civis metropolitanos atuam na venda de segurança privada na região.

Nesta terça-feira (6), a Prefeitura de São Paulo disse ter afastado sete GCMs por desvios de conduta na região da cracolândia. Todos estão lotados na Iope (Inspetoria de Operações Especiais), unidade responsável pelas ações contra tráfico de drogas e uso de crack em espaço público.

Em entrevista para a rádio BandNews FM na semana passada, o vice-governador Felício Ramuth (PSD) confirmou que está sendo realizada uma investigação sobre denúncias de corrupção das forças de segurança que atuam na região.

A reportagem procurou a assessoria de imprensa do vice-governador entre segunda-feira (5) e terça-feira (6), mas não houve resposta.

A SSP disse que todas as denúncias de irregularidades, que envolvam ou não agentes públicos, são rigorosamente apuradas pelas forças de segurança e as respectivas corregedorias.

Para Charles Resolve, presidente da Associação Geral do Centro de São Paulo, criada após a dispersão da cracolândia pelo centro, a região está na iminência de ficar nas mãos de milicianos.

"A gente vem falando para os comerciantes e moradores que não paguem por esse tipo de serviço, esse tipo de cobrança é ilegal. É um serviço ilegal, e é, de certa forma, empoderar e alimentar algum tipo de milícia. Uma vez que cria raiz, não sai mais."

Para o gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, os criminosos que atuam na região promovem a insegurança e vendem a solução. "Lucram com várias atividades associadas, inclusive com a insegurança que eles próprios criam."

"Segurança privada é um serviço que precisa ser formalizado e prestado por instituições cadastradas e fiscalizadas pela Polícia Federal", diz Langeani.

Procurado, o Ministério Público disse que o pagamento para segurança para agentes públicos ou criminosos será analisado pela promotoria de Justiça do Patrimônio Público.
 

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