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Cotidiano
Presente nos arredores há cerca de três décadas, a aglomeração de usuários de crack passou a mudar de lugar com frequência nos últimos meses
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Região da cracolândia, em São Paulo | Rovena Rosa/Agência Brasil
Orientada pelas amigas acostumadas às compras no Bom Retiro, a arquiteta Simara Neves, 46, dispensou pulseiras e colares vistosos na sua primeira visita ao bairro da região central paulistana conhecido por concentrar amplo comércio de vestuário feminino.
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Moradora de Fortaleza, ela partiu da capital cearense já sabendo que o passeio em São Paulo a levaria para perto da cracolândia. Foi novamente alertada pelo taxista que a deixou numa das lojas na manhã deste sábado (11).
"Tenho amigas comerciantes e elas já tinham avisado que era perigoso. Chegando aqui, o taxista falou a mesma coisa. Eu estou assustada", conta.
Bolsa à frente do corpo. Travessia de ruas com passos acelerados. Celular depositado no sutiã. Caminhada em grupo. A sensação de insegurança está nas declarações e nos gestos dos frequentadores.
"Eu estou esperando uma amiga para sairmos daqui porque é perigoso andar sozinha", conta a advogada Ariane Santos, 24, na porta da Estação da Luz, de onde poucos partem sem algum tipo de cuidado.
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Presente nos arredores há cerca de três décadas, a aglomeração de usuários de crack passou a mudar de lugar com frequência nos últimos meses. Ações de forças de segurança da prefeitura e do governo estadual para dispersar os dependentes químicos respondem, ao menos em parte, pelos deslocamentos e espalhamento das cenas de uso de entorpecentes no centro.
Nos últimos tempos, porém, a cracolândia chegou um pouco mais perto do Bom Retiro. Deslocando-se por cerca de 1 km ao longo da rua dos Gusmões, pelas quadras que ligam os bairros Campos Elíseos e Santa Ifigênia, estacionou recentemente na rua dos Protestantes.
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O fluxo, como é chamado o ponto de concentração de usuários, tem permanecido durante o dia atrás de um conjunto de prédios residenciais. Vigiadas pela GCM (Guarda Civil Metropolitana), cerca de mil pessoas se amontoam em meio ao lixo de onde objetos com algum valor são garimpados e trocados pela droga.
Na semana passada, a cracolândia tentou avançar cem metros em direção ao Bom Retiro. Por duas noites, permaneceu em um trecho da rua Mauá, atrás da Estação da Luz, e praticamente na esquina do trecho inicial da rua José Paulino. Moradores de uma ocupação na mesma rua acusam a GCM de ter direcionado o grupo para o local. A guarda nega.
Além de importante roteiro de compras, a José Paulino é a porta de entrada do bairro rodeado por alguns dos principais equipamentos culturais da capital paulista - Museu da Língua Portuguesa, Pinacoteca e Sala São Paulo, por exemplo - e que, há alguns anos, desponta por sua cena gastronômica apoiada na diversidade proporcionada por imigrantes de diferentes nacionalidades.
Clientela assustada é sinônimo de prejuízo para a vendedora Thays dos Santos, 27. Ela é funcionária de uma barraca de roupas que teve o faturamento médio diário reduzido de R$ 1.000 para menos de R$ 200 no último mês. "E a gente tem medo que piore ainda mais se [a cracolândia] chegar mais pra cá", conta.
Lojistas relatam prejuízo superior a 50% desde que as movimentações do fluxo se tornaram constantes, principalmente na última semana.
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Apesar de acostumados a conviver com a cracolândia por perto, frequentadores se sentem mais seguros quando sabem que os usuários de drogas estão fixados em um determinado ponto.
"O problema é esse vai e vem", diz a gerente de loja Ivonete Vieira, 56, há três décadas trabalhando na região.
A dispersão de parte dos dependentes químicos também espalha pedintes pelas ruas. "Chegam a intimidar quem não dá dinheiro, quando não roubam celulares ou agridem", afirma a caixa Márcia Paiva, 49.
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Viaturas da Polícia Militar estavam espalhadas pela José Paulino, mas não era a cracolândia o foco da atividade. O patrulhamento é parte da Operação Delegada, um convênio entre prefeitura e estado que coloca policiais de folga para coibir o comércio ambulante irregular.
Apontada em 2021 entre os dez endereços mais legais do mundo pela revista britânica Time Out, a rua Três Rios também sente os efeitos da crise de segurança. Clientes dos bares e lanchonetes têm evitado comer nas mesas que ficam nas calçadas.
"Não dá para ficar na rua hoje em dia, a gente precisa ficar olhando para os lados o tempo todo", conta o aposentado José Camilo Vieira, 92, morador do Bom Retiro desde que nasceu.
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A Secretaria de Segurança Pública, órgão responsável pelo policiamento e gerido pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou que, desde abril, realiza o monitoramento das cenas abertas de uso de entorpecentes para desenvolver ações e políticas públicas que permitam maior proteção da população.
Somente na última semana de análise, segundo a secretaria, 60 infratores foram presos em flagrante, além de capturados 22 procurados da Justiça.
"Na comparação com a primeira semana de análise (iniciada em abril), houve quedas de 54% nos roubos e 31% nos furtos. O acompanhamento realizado na região permitiu, até o momento, que 1.567 criminosos fossem presos em flagrante e 441 foragidos capturados", diz o governo estadual, em nota.
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Quanto aos deslocamentos do fluxo de dependentes químicos, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirma que a movimentação ocorre por conta própria.
"Nenhum local específico na região é usado como recomendação para as pessoas se instalarem. O que ocorre são orientações sobre a não permanência em lugares que possam gerar transtornos aos moradores e comerciantes afetados pelo fluxo, além de locais de risco para os próprios usuários, como proximidade de avenidas movimentadas", diz, em nota.
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