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Cotidiano
Nas ruas da região, é grande o número de estabelecimentos inoperantes com placas de aluga-se ou vende-se
16/03/2023 às 11:03 atualizado em 16/03/2023 às 13:51
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O fluxo, como é chamada a concentração de usuários de drogas da cracolândia, se espalhou pelas ruas do centro há dez meses | Danilo Verpa/Folhapress
Ao menos 23 comerciantes fecharam as portas nos últimos meses na região da rua Santa Ifigênia e no bairro de Campos Elíseos, no centro de São Paulo, após a chegada de usuários de drogas da cracolândia que antes ocupavam o entorno da praça Júlio Prestes, a poucos quilômetros de distância.
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A Folha de S.Paulo percorreu as ruas Guaianases, dos Gusmões, Conselheiro Nébias, General Osório, Vitória e Aurora na semana passada e contou o número de estabelecimentos inoperantes com placas de aluga-se ou vende-se.
Na rua Guainases, entre as ruas Vitória e Aurora, há metade de um quarteirão com lojas desocupadas. Ao lado, um estacionamento também encerrou as atividades. Em determinadas horas do dia, a rua se torna intransitável devido à aglomeração de usuários de drogas.
A maior parte dos comércios fechados são lojas de peças para motocicletas e oficinas, mas há também uma agência da Caixa Econômica transferida da rua Vitória e um restaurante italiano que funcionava desde 1971 na rua Aurora.
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O fluxo, como é chamada a concentração de usuários de drogas da cracolândia, se espalhou pelas ruas do centro há dez meses, desde a ação policial que esvaziou a praça Princesa Isabel, em maio do ano passado. Antes de ocupar a praça, os dependentes químicos se reuniam no entorno da estação da Luz.
"A cracolândia me quebrou", diz o empresário Julio Cesar, 52, dono de uma loja e de uma oficina de motos na rua dos Gusmões. Ele se mudou em fevereiro para um outro ponto na zona sul de São Paulo.
Com a chegada do fluxo, o empresário conviveu alguns meses com aglomerações de usuários em sua porta.
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"Minha oficina e minha loja são especializadas em Harley-Davidson. Quem tem uma Harley-Davidson é um público diferenciado. Com essa multidão de drogados na porta da minha loja, ninguém mais quer vir para cá", afirmou em entrevista para a Folha de S.Paulo antes de deixar o local.
Para ele, a quantidade de roubos é um dos fatores que contribui para que a região central passe a ser evitada pelos clientes. "Fica saindo na televisão, [que] estão roubando pra caramba, e estão de verdade. Foi caindo o meu movimento, caindo, eu quebrei."
Julio Cesar conta que recebeu uma proposta de ajuda de um amigo, dono de um imóvel na região da avenida Ricardo Jafet, no Ipiranga, zona sul, para se reerguer.
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"Ele me deu seis meses de aluguel, para eu pagar lá na frente, para eu me estabilizar. Estou saindo com uma mão na frente e outra atrás. Perdi tudo, 30 anos de centro", diz.
O comerciante afirma que, mesmo mantendo uma relação cordial com os usuários de drogas, ficou difícil trabalhar nos últimos meses. E diz que deixa a região com aperto no coração, principalmente por ter que se desfazer dos bens que conquistou.
"A partir do momento que você começa a perder todas as coisas que você conseguiu com o teu trabalho, é triste demais. Eu estou saindo daqui muito triste. Gastei uma fortuna para deixar a loja desse jeito. Estou indo para um lugar que não está pronto. Vou para o meio dos escombros, mas paciência."
E continuou: "O que me sobrou foram minhas motos e meu carro. Acabei de falar para o meu gerente: 'bota tudo à venda, porque eu não tenho mais dinheiro'".
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Comerciante de itens eletrônicos, Adão Alves de Abreu, 64, tem uma loja na rua Aurora há 17 anos e afirma que está em busca de um novo ponto desde que a cracolândia se instalou na porta de seu comércio.
"Não recebo mercadoria porque a transportadora não vem. O cliente também não vem porque os carros de aplicativo marcam aqui como zona de risco", diz.
Ele conta que trabalha só com a sobrinha porque o funcionário pediu demissão após ter tido o celular roubado ao sair do trabalho. "Um cliente veio aqui e nem desceu do carro. Tive que entregar a mercadoria no meio da rua", lembra. "'Nunca mais eu venho aqui', ele me disse."
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Para o presidente da Associação Comercial de São Paulo, Alfredo Cotait Neto, o fechamento recorrente de estabelecimentos comerciais no centro é um processo em curso há mais de dez anos.
"Até 2011, mais de mil ônibus de turismo vinham diariamente de todas as partes do país e do Paraguai para fazer compras no centro de São Paulo. Hoje, não passam de 300 ônibus", diz.
A associação não dispõe de um levantamento formal sobre o êxodo de comerciantes da região central, mas Cotait Neto calcula haver uma queda vertiginosa da atividade no local. "O comércio de rua vive do dia a dia e quando tem que ficar fechado não consegue retomar seu negócio", diz.
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Para o coordenador do Instituto Pólis, Rodrigo Iacovini, o encerramento de atividades do comércio é reflexo de um problema maior do que a cracolândia. "A economia não está tão aquecida, e o impacto é generalizado", diz.
Além disso, Iacovini cita a falta de investimentos do poder público no centro da cidade como agravante.
"A situação da cracolândia é consequência da falta de entendimento do poder público de que [os usuários de drogas] são sujeitos de direito que precisam de políticas públicas adequadas."
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Em nota, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) informou que intensificou o patrulhamento nas ruas do centro e que instalou 2.500 câmeras de segurança em pontos com maiores índices de criminalidade. As equipes de zeladoria executam três operações de recolhimento de lixo e limpeza das vias diariamente, segundo a administração.
A 1ª Delegacia Seccional do Centro, responsável pela cracolândia, afirmou que tem feito prisões para coibir o tráfico de drogas na região. Desde janeiro, 20 pessoas foram detidas, sendo 14 por comércio de entorpecentes.
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