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Cotidiano
Ediane Maria, coordenadora estadual do MTST em SP, quer uma vaga na Alesp para 'ter a caneta' em busca de mudanças sociais
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Ediane Maria é coordenadora do MTST em São Paulo | Divulgação
O MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) mudou sua estratégia em 2018 de ficar exclusivamente nas ocupações e nos protestos de rua e lançou Guilherme Boulos como candidato à Presidência. Agora, além de Boulos e de poucos outros nomes, mais uma liderança do movimento por moradia mais popular do País também quer alcançar um cargo eletivo: Ediane Maria, coordenadora paulista do MTST e pré-candidata a deputada estadual pelo PSOL.
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A intenção, explica Maria em entrevista à Gazeta na sede do movimento, na região central de São Paulo, é ter representantes da agremiação “com a caneta” para tomar decisões e influenciar as políticas públicas de dentro para fora da máquina estatal. Porém, as ações diretas continuam a existir, como o protesto contra a fome no Shopping Iguatemi, um dos mais luxuosos de São Paulo, no início do mês passado.
Por causa disso, o MBL (Movimento Brasil Livre) entrou com uma representação no Ministério Público para enquadrar o grupo como “organização criminosa” e tachou em redes sociais que os integrantes fizeram um “ato terrorista” no shopping. Ediane se defendeu:
“Terrorismo é o que fazem com nossas vidas. Eles são terroristas por não entender a luta dos trabalhadores. Naquele dia estávamos com 33 milhões de brasileiros no mapa da fome”, explicou ela. “Ocupar um espaço da [avenida] Faria Lima era uma denúncia. Será se tivéssemos denunciado na periferia que estávamos com fome, alguém ia ouvir? Será que o MBL ia falar alguma coisa?”, completou.
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Ediane Maria durante entrevista à Gazeta. Bruno Hoffmann/Gazeta de S. Paulo
Ediane Maria lembrou que não houve qualquer ato de violência e sequer um prato foi quebrado durante a manifestação, e que o MTST conseguiu atrair a simpatia de funcionários da praça de alimentação do shopping. “Os outros trabalhadores olhavam para gente com a cara: ‘Que legal, eu queria estar aí com vocês’”.
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Que Horas Ela Volta?
Ediane chorou algumas vezes durante a entrevista ao relembrar sua trajetória de vida. Por exemplo, quando contou o sonho que tinha na sua cidade natal, Floresta, no sertão Pernambucano, de vir para São Paulo e ter uma vida simples porém interessante na maior cidade do País.
Só que ela, filha de empregada doméstica e mãe de quatro filhos, três meninas e um caçula, viveu durante 16 anos como babá e empregada doméstica em Santo André, no ABC Paulista, em um cotidiano “na invisibilidade”.
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“Cheguei pensando que ia voltar para Pernambuco, com dinheiro, formada, com alguma perspectiva. Meu sonho quando criança era de vir para cá, juntar três amigas, alugar uma casa, estudar, trabalhar, como todos os jovens. Eu estava cheia de sonhos. Acho que eu via muita Malhação... Mas, chegando aqui, não foi nada disso”, relembrou.
“Só quem vive ou viveu isso sabe o que é ser esquecida. As pessoas te olharem na rua e sentir medo de você. As únicas amizades que eu vim ter foi com as empregadas domésticas do prédio e com os porteiros. Eram dois universos totalmente diferentes, meus e dos meus patrões...”, disse, antes de ficar segundos em silêncio.
Ela não queria que os filhos tivessem o mesmo caminho, e conseguiu. Hoje, a menina mais velha estuda Engenharia de Pesca na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e os outros trilham caminhos semelhantes.
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A trajetória, inevitavelmente, fez o repórter questionar sobre se via semelhanças de sua vida com a protagonista do filme Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert.
“Sim, totalmente. Eu chorei demais quando vi esse filme”, relembrou, enxugando as novas lágrimas.
Chegada ao MTST
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Em setembro de 2017, mais uma vez arrumou confusão por tentar influenciar outras mães na fila do leite dado pelo Governo de São Paulo. Ela achava que as mulheres tinham que sair com mais de um litro de leite, porque sobravam muitos litros que azedariam em até 3 dias, mas cada mãe só podia sair dali com apenas um saquinho.
Uma das entregadoras do leite, que também atuava no MTST, percebeu seu jeito e começou a conversar com ela, viu a sua situação social e a convidou para integrar o movimento de luta por moradia.
Ela aceitou, pensando apenas em conseguir uma casa própria, mas encontrou mais do que isso.
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“Na hora que entrei e vi aquele monte de gente levantando as moradias, eu falei: ‘É isso que eu quero’. Lá eu pude falar com pessoas, falar com gente e ser ouvida. Na ocupação do MTST eu resgatei um Nordeste que eu tinha perdido. Um pertencimento a um lugar de ser reconhecida e se reconhecer nos outros. Eu não estava mais sozinha ali”.
Divulgação
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Ela também viu que o que unia as pessoas eram a luta por um teto, e não por uma causa partidária. “As pessoas não entram no MTST porque são de esquerda ou de direita, entram porque precisam de uma moradia”.
Para ela, a rejeição que costuma haver com o movimento vem de uma construção histórica nacional, de falta de conhecimento da população sobre seus direitos desde a “falsa abolição” da escravidão.
“Quem na periferia sabe que está na Constituição o direito à moradia Eu vim saber disso também dentro do MTST, senão não saberia”.
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Hoje, sob coordenação de Ediane, o MTST promove seis ocupações no estado de São Paulo, com cerca de três mil pessoas em cada uma, e tem várias cozinhas solidárias para distribuição de alimentos para as pessoas em situação de vulnerabilidade em São Paulo e em outros 10 estados do País.
Busca pela Alesp
Dos 94 deputados da Alesp 18 são mulheres, cinco são pretos e menos ainda se autodeclaram LGBTQIA+, como ela, que é bissexual. Questionada se não tem receio de certo ambiente hostil na Casa, respondeu:
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“Nenhum. Ser mãe de quatro filhos e ser emprega doméstica neste País já é um desafio muito grande. As pessoas têm que olhar para nós como seres humanos. Então temos que ocupar esses lugares. Não tenho medo deles. Na verdade eles devem ter medo de pessoas como eu entrar nesse lugar”, completou.
Ela disse que pretende alcançar a Alesp para garantir direitos à população mais pobre e para que a Casa seja mais plural. No âmbito nacional, ela vai votar em Luiz Inácio Lula da Silva, apesar de não mostrar entusiasmo com a escolha do ex-governador Geraldo Alckmin como vice.
“Tem várias questões, mas entender o cenário que estamos hoje e que temos que enfrentar o Bolsonaro e o bolsonarismo é maior do que qualquer coisa”.
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