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Cotidiano
O terceiro dia de julgamento teve tensão maior entre testemunhas, advogados e o juiz; quatro réus são acusados por homicídio e também tentativa de homicídio
03/12/2021 às 19:02
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Tumulto ocorrido na manha desta Sexta feira 03 no Tribunal de Justiça em Porto Alegre, Rio Grande do Sul | Naian Meneghetti/Folhapress
No terceiro dia de julgamento pelas mortes ocorridas na boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, o juiz Orlando Faccini Neto disse ao advogado Jean Severo que ele não parecia estar bem, em um momento de discussão acalorada nesta sexta-feira (3). "Doutor Jean, hoje não está legal, hein?", disse o juiz ao profissional, que defende um dos réus no julgamento durante o depoimento de uma testemunha.
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A sessão desta sexta na capital gaúcha teve tensão maior entre testemunhas e advogados. O caso foi desaforado de Santa Maria a Porto Alegre depois que defesas dos réus questionaram se a cidade onde ocorreu a tragédia, que deixou 242 mortos e outras 636 vítimas, poderia garantir um júri imparcial.
Quatro réus são acusados por homicídio e tentativa de homicídio simples por dolo eventual: os sócios-proprietários da boate, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista) e Luciano Bonilha Leão (assistente de palco, que teria comprado o artefato pirotécnico utilizado).
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Neste terceiro dia, a primeira testemunha ouvida foi Daniel Rodrigues da Silva, dono da loja onde foi comprado o artefato pirotécnico usado pela banda. Ele afirmou que seu funcionário relatou que Luciano optou por artefatos mais baratos e sabia que os produtos eram para uso externo -o Ministério Público exibiu trecho de uma reportagem da TV Globo em que o próprio funcionário afirmava o mesmo.
A defesa de Luciano teve alguns momentos de discussão com a testemunha, questionando se a loja já havia tido alguma situação com a Polícia Civil. Daniel perguntou no que aquilo era relevante e se era obrigado a responder à questão.
"Tu tem que responder, tu botou esse rapaz aqui. Ele colocou esse inocente aqui", gritou o advogado Jean Severo, repreendido em seguida pelo juiz.
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Em outro momento, quando se discutia sobre a loja vender unidades soltas dos artefatos, sem as embalagens com instruções, Severo voltou a aumentar o tom: "É ilegal vender assim. A loja é ilegal, tudo é ilegal, devia estar sentado aqui [com réus]".
O juiz, então, ameaçou tirar o advogado da sala. "A próxima que o senhor me fizer, o senhor não vai ficar mais aqui. A bancada de defesa é muito grande. O senhor me respeite aqui", disse o juiz.
Durante a discussão, como mostra um vídeo publicado pelo jornal Diário de Santa Maria, Flávio Silva, presidente da AVTSM (Associação de Vítimas da Tragédia de Santa Maria), que perdeu a filha Andrielle na tragédia, aproximou-se do local onde fica o júri, falando algo, e a sessão foi interrompida. Ele precisou de atendimento médico, outros familiares deixaram a sala.
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"Isso que aconteceu, infelizmente, de o seu Flávio se manifestar, isso pode causar nulidade do júri. A plateia não pode se manifestar, isso não pode ocorrer, os jurados não podem ser influenciados de maneira alguma. Pode, sim, nós pedirmos que ocorra o júri sem a presença dos familiares", disse a jornalistas a advogada Tatiana Borsa, que representa Marcelo.
A segunda oitiva do dia, com a testemunha Gianderson Machado da Silva, que trabalhava revisando extintores de incêndio e atendeu a Kiss, começou com intervenção da bancada de defesa de Mauro Hoffmann, pedindo para contraditar a testemunha.
Os advogados de Mauro afirmaram que a filha da testemunha, uma jovem de 19 anos, havia publicado nas redes sociais, cerca de dez minutos antes, uma mensagem dizendo: "Meu pai é o próximo a depor no caso da Kiss, que ele fale tudo! Que esses donos da boate apodreçam na cadeia!!!". A conta foi apagada.
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Depois de Gianderson confirmar o nome da filha, o juiz decidiu ouvi-lo, mas como informante, não mais testemunha. Na prática, o informante não tem compromisso de dizer a verdade, por algo que questione a sua isenção.
Ele afirmou que as recargas na boate foram feitas no prazo e que não é comum que um extintor revisado tenha falhas. Ele viu ainda um vídeo do início do incêndio, no qual pessoas aparecem no palco tentando controlar o fogo, e disse que o extintor poderia ter retardado as chamas, mas dificilmente conseguiria apagá-las totalmente.
Outras duas pessoas serão ouvidas ainda nesta sexta no julgamento, uma testemunha, Pedrinho Antônio Bortoluzzi, que já empregou Marcelo e falará sobre as qualidades dele, e uma vítima.
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Desde o primeiro dia, o júri ouviu três testemunhas e cinco vítimas -elas não são consideradas testemunhas, tecnicamente, por não terem obrigação de prestar compromisso de dizer a verdade.
A primeira testemunha foi ouvida nesta quinta, o engenheiro civil e coronel da reserva do Exército Miguel Pedroso, que assinou o projeto para tentar resolver o problema de poluição sonora da boate. Pedroso reafirmou que não indicou colocação de espuma, explicando que o material não serve para isolamento acústico.
"Vai interessar dentro de uma boate conforto acústico? Não tem fundamento. Só um leigo, ignorante na área, é que poderia achar que espuma seja conveniente dentro de uma boate", afirmou ele.
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O memorial descritivo do projeto assinado por ele, anexado ao TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) entre a Kiss e o Ministério Público, não fala em espuma. Advogado de Elissandro Spohr, um dos sócios, Jader Marques confirmou a jornalistas que o Ministério Público não foi informado sobre a colocação da espuma no palco, onde o fogo teve início.
"Hoje, essa espuma nos causa medo, mas naquela época seria como notificar a existência de uma nova marca de água mineral. Não há sentido, até o momento em que eu perceba um problema nesse produto. E, naquele momento, não havia", afirmou ele, acrescentando que o produto esteve em outros locais da boate, em outros momentos, sem que houvesse questionamentos.
"Ninguém sabia da capacidade de combustão e da emissão de gases tóxicos dessa espuma. A produção de prova no processo mostrou que não há como estabelecer relação entre o cianeto encontrado nos corpos com a espuma", disse ainda, citando laudos que confirmam a questão, segundo ele.
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O promotor David Medina da Silva, que atua no julgamento, discorda.
"Nós temos laudos conclusivos de que o que matou as pessoas foi a espuma incandescente, colocada lá indevidamente, inadvertidamente, sem conhecimento de nenhuma autoridade", afirmou a jornalistas.
"O dolo eventual se liga ao fato de criar uma situação de extremo risco para a vida das pessoas. Então, quem colocou a espuma num ambiente fechado e permitiu o fogo ou colocou fogo num ambiente fechado, em condições impróprias, aí que reside o dolo eventual."
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