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Cotidiano

Brasil estreia na Copa sem regras para apostas esportivas após Bolsonaro segurar decreto

Em dezembro de 2018, o Congresso aprovou uma lei que permite apostas esportivas de alíquotas fixas

24/11/2022 às 09:20  atualizado em 24/11/2022 às 09:40

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Entenda sobre a legalização de apostas no Brasil

Entenda sobre a legalização de apostas no Brasil | Lucas Figueiredo/CBF

Por atraso do governo Jair Bolsonaro (PL), a Copa do Mundo do Qatar começou sem que o Brasil tenha uma regulamentação básica sobre as apostas esportivas. A omissão do Executivo, segundo defensores da medida, causa perda de arrecadação e deixa uma zona cinzenta em que operadores ilegais podem atuar. 

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Em dezembro de 2018, o Congresso aprovou uma lei que permite apostas esportivas de alíquotas fixas, ou seja, aquela em que o apostador sabe quanto pode ganhar no momento em que tenta a sorte. Elas são comuns em diversos países do mundo e feitas, sobretudo, online. 

O texto, no entanto, definia que a regulamentação deveria ser feita pelo governo em um prazo de dois anos, prorrogáveis por mais dois anos -período que se encerra em 13 de dezembro. 

Diante da necessidade legal de se regular o mercado, o Ministério da Economia enviou em março à Casa Civil uma minuta de decreto estabelecendo as regras para as operadoras conseguirem autorização para o jogo. 

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Mesmo com o envio dentro do prazo, a regulamentação está travada no Palácio do Planalto há oito meses por pressão política de aliados de Bolsonaro. 

A Casa Civil afirma que recebeu a minuta de decreto e disse que, "até o momento, não há previsão de publicação" do texto. 

A Folha de S.Paulo teve acesso à minuta apresentada pelo Ministério da Economia. Ela estabelece normas gerais para que as empresas possam operar as apostas esportivas no Brasil. 

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Segundo o texto, as operadoras que tiverem interesse em atuar no país terão de pedir uma autorização ao Ministério da Economia. O prazo será de cinco anos, e a empresa terá de pagar R$ 22,2 milhões para a abertura do processo. 

Empresas estrangeiras poderão operar contanto que constituam uma filial no Brasil. 

As operadoras também terão de pagar uma série de tributos, como Contribuição Social sobre Lucro Líquido (a CSLL), e recolher Imposto de Renda incidente sobre a premiação. 

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Elas ainda serão obrigadas a promover ações de conscientização do jogo responsável, para prevenir "transtorno do jogo patológico". 

"A exploração da loteria de apostas de quota fixa é condicionada à adoção e implementação de política, procedimentos e controle interno visando a prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e à prevenção a fraudes", diz ainda a minuta. 

Atualmente, já há um mercado atuante no Brasil, com empresas que inclusive patrocinam uma série de times da Série A do Campeonato Brasileiro. 

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Mas, sem a regulamentação, essas companhias, com sede no exterior, podem operar em solo brasileiro sem ter de pagar impostos ou prestar contas ao governo. Isso cria, segundo especialistas, não só maior margem para esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro, mas também impede que o país tenha arrecadação com a atividade. 

"O governo teve quatro anos para regulamentar as apostas esportivas e não o fez até agora. Todos sabemos que as casas de aposta exploram o mercado brasileiro através de uma brecha legal, do chamado 'mercado cinza', e o Brasil não vê a cor desse dinheiro", diz Udo Seckelmann, advogado especialista em esportes e apostas no escritório Bichara e Motta. 

Ele lembra que a Copa do Mundo turbina a movimentação de dinheiro nas casas esportivas, inclusive de pessoas que não costumam jogar, mas, assim como fazem bolão durante o torneio, também arriscam a sorte neste momento. 

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"A Copa é a competição esportiva mais importante do mundo, o setor de apostas tem uma movimentação de cifras milionárias. Sem regulamentação, as empresas vão seguir explorando, mas sem proteção ao consumidor, sem arrecadar impostos ou gerar empregos", diz ele. 

O advogado Roberto Lasserre, representante do Movimento Brasil Sem Azar, é crítico à proposta de regulamentação feita pelo Ministério da Economia. Para ele, há lacunas no texto que dificultam a fiscalização de crimes financeiro, como lavagem de dinheiro e sonegação de impostos. 

"É muito dinheiro correndo sem esse tipo de controle, e não adianta você colocar só dinheiro eletrônico, cartão de crédito, porque os próprios bancos investem muito para tentar combater fraudes em cartões [e mesmo assim os problemas existem]. Como é que você garante que não há fraude sem a fiscalização?"
Lasserre também defende normas mais rígidas para evitar, de forma efetiva, o vício e a participação de menores de idade. 

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"[A minuta] não é suficiente, acho que a gente tem que trabalhar muito [para combater o vício]. Uma ideia seria fazer propagandas desse tipo de aposta a partir de determinado horário do dia. Se colocar na rede de televisão ao meio-dia, os adolescentes estão voltando da escola, crianças estão vendo", defende. 

O plano do Ministério da Economia era que o decreto fosse publicado pela Presidência logo após a edição de uma medida provisória que trataria sobre as apostas esportivas. 

No primeiro semestre, a articulação política do governo fechou um acordo com a liderança da bancada evangélica. Segundo dois deputados com conhecimento do assunto, o acerto envolvia deixar a relatoria da proposta com um dos deputados desse grupo, para evitar que jabutis fossem incluídos para ampliar a legalização dos jogos de azar. 

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Apesar do acordo, uma ala da bancada conseguiu convencer o presidente Bolsonaro a não editar o texto antes da eleição, para evitar o risco de perder votos de evangélicos. 

Procurado, o líder da bancada evangélica, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-SP), não se manifestou. 

Já o deputado Eli Borges (PL-TO), também da frente evangélica, acredita que a regulamentação das apostas esportivas é um "mal menor", mas pode impulsionar outras pautas mais problemáticas na visão dele. 

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"Nós entendemos que essa busca parcial não é tão grave, mas é o começo de tudo que eles querem, que é chegar ao final da legalização dos jogos de azar, como cassinos. Por isso, tenho a posição contrária à jogatina no Brasil", afirmou. 

O presidente do Instituto Brasileiro do Jogo Legal, Magno José, acredita que a demora para o governo regulamentar as apostas esportivas está vinculada à forma como os jogos de azar são vistos no Brasil. 

"Os jogos e as apostas são tratados como uma questão de costumes, e essa discussão já foi superada no exterior. É uma atividade econômica, o mundo inteiro trata dessa forma", disse. 

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Ele afirma que, ao não regulamentar as apostas, o governo é omisso e pode abrir margem para que operadores sejam autorizadas no Brasil por meio da judicialização. 

"Há uma zona cinzenta. Se no dia 13 de dezembro não sair a regulamentação, o empresário vai pedir ao Ministério da Economia para operar a aposta física e, sem o decreto, pode acabar conseguindo a autorização pela via judicial." 

"Mesmo sem regulamentação, a lei de 2018 continua plena. Só existe uma forma de ajustar as apostas esportivas de forma definitiva, e ela envolve a edição da medida provisória e do decreto", completa. 

Para Magno José, a regulamentação teria quatro objetivos principais: dar ao Estado controle sobre as apostas, estabelecer regras claras para o jogo responsável, aumentar a arrecadação tributária e criar normas para evitar a manipulação de resultados.

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