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Cotidiano

Bolsonaro é 1º presidente a perder reeleição e deixará cargo em 31 de dezembro

O próximo dia 31 de dezembro, data em que se encerra oficialmente o mandato, marcará sua saída do cargo, mas não da cena política

Pedro Henrique Fonseca

30/10/2022 às 20:52  atualizado em 30/10/2022 às 20:53

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Bolsonaro vota em escola municipal no Rio

Bolsonaro vota em escola municipal no Rio | Divulgação

A vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) marca algo inédito desde a redemocratização: Jair Bolsonaro (PL) é o primeiro presidente a perder a disputa à reeleição. O próximo dia 31 de dezembro, data em que se encerra oficialmente o mandato, marcará sua saída do cargo, mas não da cena política.

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Bolsonaro permaneceu atrás do rival nas pesquisas de intenção de voto ao longo de toda a corrida, mas demonstrou força no primeiro turno, ficando a uma diferença de apenas cinco pontos percentuais do petista em votos válidos (48,4% a 43,2%). Depois de uma campanha de segundo turno acirrada e sem grandes oscilações no humor do eleitorado, o presidente de direita não conseguiu uma virada.

Assim, Bolsonaro, um político de perfil popular e avesso às formalidades e à institucionalidade do cargo, terminará o mandato sem igualar o feito de todos os presidentes que concorreram à reeleição desde a abertura dessa possibilidade, em 1997, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Além do próprio FHC, que foi reconduzido pelos eleitores em 1998, conquistaram um segundo mandato consecutivo: Lula, em 2006, e Dilma Rousseff (PT), em 2014.

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A disputa de 2022 opôs dois líderes de altíssima popularidade, que polarizaram a eleição com um enfrentamento baseado em acusações mútuas, ataques pessoais e disseminação de notícias falsas, numa guerra para além da oposição tradicional entre ideários de esquerda e direita. O clima hostil se estendeu à população, com casos de violência envolvendo apoiadores de ambos os lados.

A derrota de Bolsonaro do ponto de vista eleitoral não significa, contudo, seu fracasso em termos políticos. O presidente sai fortalecido e já é automaticamente considerado pré-candidato à sucessão de Lula, em 2026, dada a solidificação do bolsonarismo, corrente por ele iniciada.

O movimento, que combina conservadorismo nos costumes, traços nacionalistas e, ao menos no discurso, liberalismo econômico, assegurou nas eleições deste ano amplo espaço no Congresso e nas Assembleias Legislativas, além de presença em governos estaduais.

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A onda de uma direita radical foi iniciada em 2018 justamente com a eleição de Bolsonaro, que inaugurou um novo ciclo no poder brasileiro. Sua ascensão se deu no momento em que líderes autoritários e populistas também despontavam em outros países com agendas de tom reacionário e nacionalista.

Mesmo fora da Presidência, Bolsonaro manterá influência sobre uma base de eleitores insuflada por ele ao longo dos últimos anos na direção de uma adoração fanatizada, impermeável a críticas e por vezes sectária. O apelo é reforçado por políticos aliados que ganharam assentos no Executivo e no Legislativo, com capilaridade territorial espalhada por estados e municípios. Além disso, os três filhos do presidente com mandato eletivo, moldados como seus legítimos representantes, dão suporte ao discurso paterno.

Dois dos herdeiros têm cadeira no Congresso: o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) ocupa vaga na Câmara Municipal do Rio de Janeiro enquanto dá as ordens na comunicação digital do pai. As redes sociais, usadas para disseminar narrativas favoráveis e desconstruir adversários, são parte do núcleo central bolsonarista.

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A tendência agora é que o grupo minimize o inédito fracasso de um incumbente e busque liderar a oposição ao novo governo, para pavimentar o caminho para o eventual retorno da direita no futuro.

Caso o cenário se confirme daqui a quatro anos, será a cristalização da polarização das duas últimas eleições, que substituiu a dicotomia entre PT e PSDB vigente no período pós-redemocratização até o impeachment da petista Dilma Rousseff, em 2016.

A deterioração de Bolsonaro, eleito no segundo turno de 2018 com 55% dos votos válidos na disputa contra Fernando Haddad (PT), resultou de uma combinação de fatores: imagem pessoal desgastada, estagnação da economia, ameaça à estabilidade democrática e fragilização de políticas públicas em áreas como educação, saúde, proteção ambiental e cultura.

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Capitão reformado do Exército e deputado do chamado baixo clero da Câmara por 28 anos, ele galvanizou na eleição passada sentimentos como antipetismo, antipolítica e antissistema e foi impulsionado na reta final daquela campanha pela sobrevivência a um atentado a faca. Uma vez no cargo, o mandatário se associou ao centrão, o bloco fisiológico do Congresso, que ganhou protagonismo, cargos e verbas.

O presidente derrotado se notabilizou também por promover uma escalada autoritária e golpista, com afrontas à Constituição e às instituições do Estado Democrático de Direito. Além de episódios de insultos a outros Poderes, sobretudo o Judiciário, Bolsonaro atacou sem provas o sistema eletrônico de votação, estimulando mentiras em série e alegando fraudes jamais confirmadas.

Por outro lado, conquistou a adesão de parcela significativa da sociedade com um discurso conservador, baseado em princípios como Deus, pátria, família e liberdade. A retórica atraiu grupos como evangélicos, militares, empresários, ruralistas, armamentistas e refratários de modo geral a agendas progressistas, como o combate à crise climática e a luta por direitos iguais para mulheres, negros e pessoas LGBTQIA+.

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Encarnando o papel de uma figura messiânica escolhida para comandar o país, Bolsonaro montou uma base de apoio em parte radicalizada, que associa Lula a forças do mal. No pano de fundo, está uma luta para supostamente livrar o Brasil do risco de se afundar no comunismo.

A derrocada momentânea é o desfecho de uma trajetória de quatro tumultuados anos de governo, cujos pontos fracos foram evidenciados na campanha. O período foi marcado pela pandemia de Covid-19, que foi recebida por Bolsonaro com negacionismo científico e balançou os mercados globais. Sob sua gestão, o Brasil passou da nona posição entre as maiores economias do mundo, em 2018, para a 13ª, em 2021.

Houve ainda sucessivos desrespeitos à liturgia do cargo, levando o governo a sofrer críticas dentro e fora do país, especialmente por erros no enfrentamento à Covid, pelo isolamento do Brasil no cenário latino-americano e global e pela elevação nos indicadores de miséria e da fome.

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Na pandemia, Bolsonaro sabotou medidas para frear a disseminação do vírus e evitar as mortes –que já passaram de 688 mil. Ele insuflou simpatizantes contra governos estaduais que estabeleceram restrições, contraindicou a vacinação e debochou de doentes, imitando em uma live uma pessoa com falta de ar.

Após passar boa parte do mandato sob avaliação negativa, Bolsonaro recuperou em parte a aprovação nos últimos meses, quando sua administração adotou uma série de medidas eleitoreiras, com pagamento de benefícios sociais e manobras para controlar artificialmente os preços de combustíveis e a inflação.

Em seu pior momento de popularidade, no último semestre de 2021, viu o seu governo ser reprovado por 53% dos brasileiros, de acordo com pesquisa Datafolha. Àquela altura a crise sanitária produzia recessão econômica e disparada do custo de vida, prejudicando sobretudo os mais pobres.

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De lá para cá, os índices de avaliação ruim ou péssima decaíram, chegando à reta final do segundo turno no patamar de 39%, bem próximo do percentual dos que consideram o governo ótimo ou bom (38%).

O apoio de uma fatia considerável da população e do establishment político a Bolsonaro indica que, embora combalido neste momento, ele se firma como personagem incontornável no Brasil do século 21.

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