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Cotidiano
Dezenas de famílias afegãs que dormiam no chão do aeroporto aplaudiram quando receberam a notícia na tarde desta sexta-feira
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Afegãos acampados no Aeroporto de Guarulhos esperam por acolhimento | Ettore Chiereguini/Gazeta de S. Paulo
Uma salva de palmas encerrou, ao menos por enquanto, um drama que se desenrolava há várias semanas no maior aeroporto do Brasil e da América do Sul. Dezenas de famílias afegãs que dormiam no chão do mezanino do terminal 2 do aeroporto internacional de Guarulhos aplaudiram quando receberam a notícia de que iriam para um abrigo na tarde desta sexta-feira (16).
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São refugiados que fugiram do país dominado pelo Talibã e que, impedidos de viajar para praticamente qualquer país do mundo, viram no Brasil uma saída, devido a um visto humanitário criado pelo governo para pessoas dessa nacionalidade. Depois de meses esperando pelo processo burocrático no Paquistão ou no Irã -os dois países com embaixada brasileira mais próximos-, muitos esgotaram seus recursos e chegaram sem poder bancar um lugar para ficar.
A Folha de S.Paulo vem acompanhando o acampamento de afegãos desde abril, quando as primeiras famílias começaram a se instalar lá. Alguns deles foram abrigados por entidades da sociedade civil, mas todo dia chegam novos voos, e o número cresceu até atingir a 98 nesta sexta.
Entre os que dormiam nas barracas improvisadas com lençóis e cobertores, havia uma grávida de 9 meses e muitas crianças, algumas delas, bebês. Muitos estavam sem tomar banho há mais de uma semana, pois o acesso ao chuveiro do aeroporto custa R$ 60.
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A notícia de que imigrantes vindos de um contexto tão crítico estavam vivendo dessa forma precária se espalhou, e a repercussão na imprensa e nas redes sociais acabou levando à ação das autoridades.
Nesta semana, foram feitas reuniões entre o Ministério Público Federal e órgãos públicos e da sociedade civil, e uma articulação levou à abertura de cem vagas em um hotel da prefeitura na Penha, zona leste da cidade. Lá, receberão atendimento do Centro de Integração e Cidadania do Imigrante, órgão estadual. Além disso, o Acnur (comissariado da ONU para refugiados) anunciou que financiará, até o fim do ano, 40 vagas em um abrigo na cidade de Poá, SP.
Até agora, eles vinham sendo ajudados por voluntários, que levaram brinquedos, roupas e cobertores. A mais presente era a ativista Swany Zenobini, que desde 19 de agosto dormiu várias noites no aeroporto e fez barulho nas redes sociais, expondo a situação. Nesse período, ela arrecadou doações, levou mulheres grávidas para passarem por pré-natal e conseguiu atendimento médico para uma afegã que teve um sangramento. "Vou continuar acompanhando. Hoje ainda vai chegar gente", afirmou.
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Especialista na área de migração, o defensor público federal João Chaves, também estava no aeroporto nesta sexta. "Em muitos anos trabalhando com essa temática, poucas vezes vi uma situação de tanta vulnerabilidade", disse ele. Chaves recebeu relatos de que havia golpistas indo ao local para oferecer regularização documental, que é gratuita, por até R$ 1.000. Ele ressalta que refugiados nessa situação correm risco de aliciamento para trabalho escravo e tráfico de pessoas.
Para o defensor, a solução encontrada nesta sexta é positiva, mas precisa ser duradoura, já que mais refugiados vão chegar nos próximos meses.
Pela distância, as diferenças culturais e a limitação imposta pela necessidade de visto, o número de refugiados afegãos é relativamente pequeno para um país do tamanho do Brasil –foram concedidos 6.138 vistos até agora, mas o Itamaraty afirma que só uma minoria vem sem apoio prévio de ONGs. Faltam vagas de acolhida, porém, para aqueles que chegam sem referências.
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"São famílias numerosas e não temos muitas opções de abrigos para esse perfil. Estão todos cheios", diz o padre Marcelo Maróstica, diretor da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, que acompanha esse fluxo desde o início.
Fontes ouvidas pela Folha de S.Paulo disseram que o ideal seria uma maior articulação do governo federal, especialmente do Ministério da Cidadania, que já tem experiência com a Operação Acolhida -programa de recepção a refugiados venezuelanos.
Procurado, o ministério disse que tem representantes em contato com estado e município a respeito do tema e que um repasse de recursos para o acolhimento aos afegãos está em tramitação. "O acesso de imigrantes aos programas da assistência social está assegurado no ordenamento jurídico brasileiro", diz a nota.
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A Prefeitura de Guarulhos afirmou que tem feito a primeira acolhida das famílias afegãs, distribuindo marmitas e kits de higiene e solicitando diariamente vagas de acolhimento para o governo estadual. Disse também que inaugurou um abrigo transitório para refugiados em agosto -com capacidade para 27 pessoas, o local está lotado.
Recém-chegada com dois carrinhos cheios de malas, Shabana Ahmadi, 28, tentava explicar mais cedo, com as poucas palavras de inglês que sabe, que precisava de um lugar para aquecer a comida da filha de sete meses. Com o bebê nos braços e outro filho de quatro anos ao lado, ela e o marido, um ex-jornalista de uma TV afegã, tentavam se acostumar à ideia de que teriam que dormir no aeroporto.
No meio da tarde, ao saberem que iriam para o hotel, o semblante de preocupação do casal foi substituído por sorrisos de alívio. "Demos sorte", disseram. "Tomara que dê tudo certo."
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