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Cotidiano
Do total de alimentos classificados como ultraprocessados (71,9% destes), 97,1% deles tinham sódio, gordura ou açúcar adicionado em excesso
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Foram analisados os dados de quase 10 mil itens, entre biscoitos, embutidos, bolos, doces, refrigerantes, chocolates, alimentos congelados e outros | Valter Campanato/Agência Brasil
Quase a totalidade dos alimentos ultraprocessados comercializados em duas capitais brasileiras têm alto teor de gordura, sódio e açúcar adicionado ou contêm substâncias químicas que podem fazer mal à saúde.
Foram analisados os dados de quase 10 mil itens, entre biscoitos, embutidos, bolos, doces, refrigerantes, chocolates, alimentos congelados (como pizzas e lasanha), bebidas lácteas, sorvetes e molhos industrializados em supermercados. Do total de alimentos classificados como ultraprocessados (71,9% destes), 97,1% deles tinham sódio, gordura ou açúcar adicionado em excesso.
Em relação aos aditivos químicos, a pesquisa encontrou ainda dois tipos: os cosméticos, como aromas e sabores artificiais, cores e outros aditivos para melhorar a aparência, forma ou odor; e os não cosméticos, como os conservantes e estabilizantes utilizados para garantir a segurança sanitária do alimento.
Entre os ultraprocessados, 82,1% tinham pelo menos um aditivo cosmético, contra 3,7% em alimentos processados, 5,1% em minimamente processados e só 0,4% em ingredientes culinários (como óleo de soja e azeite).
Em conjunto, 98,8% dos alimentos ultraprocessados tinham pelo menos um aditivo cosmético e um nutriente crítico em excesso, apresentando assim risco à saúde.
Os campeões foram os biscoitos doces e salgados, bolos e tortas industrializadas, chocolates, bebidas lácteas, sorvetes e margarina, com 100% dos alimentos analisados com alto teor de sódio, gordura ou açúcar e aditivos cosméticos em excesso.
Os dados são de um estudo inédito de pesquisadores da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) em parceria com o Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde) da USP, publicado nesta quarta-feira (30) na revista Scientific Reports.
Segundo a classificação Nova, de 2009, os alimentos são divididos em in natura ou minimamente processados (como frutas e verduras), ingredientes culinários (como óleo e açúcar), alimentos processados (produtos que mesclam as duas primeiras categorias, como conservas e geleias) e ultraprocessados (como bolos e pães industrializados, condimentos, salgadinhos, refrigerantes, chocolates, macarrão instantâneo, pizzas e massas congeladas, bebidas adoçadas, balas etc.).
De acordo com Daniela Canella, pesquisadora da UERJ e primeira autora do estudo, a Nova recebeu críticas de alguns setores, principalmente o da indústria alimentícia. Para eles, há uma falta de precisão e robustez na classificação que ajude a fornecer dados para políticas públicas em saúde no país.
"Isso não é verdade, e esse estudo demonstrou que a classificação não só é robusta como, de fato, 98,8% dos alimentos classificados como ultraprocessados têm alto teor de algum nutriente crítico ou de algum aditivo cosmético", explica Canella.
Na pesquisa de Canella e colegas, os dados de 9.851 produtos comercializados em grandes redes de supermercados em São Paulo e Salvador confirmaram esse padrão de baixa qualidade e risco à saúde dos alimentos ultraprocessados.
Para eliminar vieses na pesquisa, os dados referentes à composição segundo a tabela nutricional dos alimentos (que avalia, por exemplo, teor de sódio, gordura e açúcar) foi avaliado por um pesquisador, enquanto os ingredientes na fórmula (como farinha, açúcar e gordura, mas também conservantes e aditivos químicos) foi estudado por outro. A comparação das duas tabelas chegou aos resultados apresentados no estudo.
Assim como a classificação Nova, o Guia Alimentar da População Brasileira, de 2014, serve de referência para construir políticas públicas em saúde, afirma a pesquisadora. Exemplos de políticas são a recente proibição pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro de venda e oferta de alimentos ultraprocessados em escolas.
"Efetivamente, o guia levou à política do PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar, que determina a proibição de oferta na educação infantil de ultraprocessados], mas é preciso avançar para outras recomendações, com uma ampliação também em cantinas escolares e uma legislação federal", disse.
Além disso, um ponto importante seria apoiar a escolha do consumidor, reduzindo, por exemplo, a publicidade em torno de alimentos comprovadamente danosos à saúde. "Hoje já há o entendimento por parte da população que refrigerantes e bebidas adoçadas fazem mal à saúde, mas ainda existe um marketing muito forte da indústria de ultraprocessados que vende alguns produtos como saudáveis, e não é o que vemos pelos dados", lembra.
Desde outubro do ano passado, as embalagens de alimentos industrializados começaram a apresentar informações sobre a presença de alto teor de gordura, sódio e açúcar.
O problema, porém, é que há hoje uma falha de comunicação entre as ações de políticas públicas legislativas e o que há de consenso científico. "É claro que a rotulagem é importante, mas não adianta rotular um litro de óleo de soja como ‘alto em teor de gordura’ porque é da natureza dele ter gordura. Precisamos ampliar a discussão para, por exemplo, a atual inclusão de ultraprocessados na cesta básica", explica a pesquisadora da UERJ.
Para Ana Paula Bortoletto, pesquisadora do Nupens e uma das autoras do estudo, a identificação de um produto como ultraprocessado facilita o entendimento do consumidor. "A nova rotulagem aprovada pela Anvisa no ano passado foi um passo importante, mas este estudo mostra que a regulação pode ir além. Identificar um alimento ultraprocessado ajuda o cliente a tomar escolhas alimentares mais saudáveis e conscientes", disse.
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