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Memórias de Porto Feliz
Entre os dias 20 e 25 de setembro do ano de 1741, ocorreu os chamados " 'crimes contra a fé' com o Cirurgião Lucas da Costa Pereira
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Estudos básicos da historiadora Fabiana Schleumer | Arquivo Público do Estado de São Paulo/Ilustração do artista Nilson Araújo
Muito pouco se escreveu até hoje sobre a Inquisição em São Paulo e, por essa razão, pouco se sabe sobre ela. O tema, embora interessante, é raramente pesquisado, malgrado a existência de documentação substantiva que permite confirmar a famigerada atuação do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição em terras de Piratininga.
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Quando se fala da presença do Santo Ofício da Inquisição no Brasil, imediatamente se pensa no Nordeste, posto terem sido a Bahia e Pernambuco as Capitanias mais atingidas pelas tristes visitações de 1591 e 1618. É certo, todavia, que as Capitanias do Sul, inclusive São Paulo, sofreram constrangimentos terríveis e perseguições.
As cuidadosas pesquisas realizadas por historiadores na Torre do Tombo, de Lisboa, onde estão arquivados mais de quarenta mil processos inquisitoriais, revelaram a existência de quase meia centena de episódios envolvendo moradores da Capitania de São Paulo.
Entre as ocorrências nas terras de Piratininga, vamos destacar no rol dos chamados “crimes contra a fé”, o episódio registrado entre os dias 20 e 25 de setembro do ano de 1741, na Freguesia de Nossa Senhora da Penha de Araritaguaba (atual cidade de Porto Feliz), contra o Cirurgião Lucas da Costa Pereira. Esse cidadão tinha cerca de 50 (cinquenta) anos de idade, era nascido no Funchal - Portugal, e a ele a Inquisição de Lisboa atribuía os “crimes” de comer carne nos dias proibidos e de não ouvir as missas.
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Um de seus denunciantes ostentava nome pomposo: Capitão Salvador Martins Bonilha (Capitão em Cuiabá por patente régia de 1726), morador da mesma Freguesia, que interpretou as práticas libertinas do cirurgião como “crime de judaísmo”, acrescentando ao rol de suas culpas um hediondo sacrilégio muitas vezes atribuído aos cripto-judeus: “teria metido no fogo uma imagem do Menino Jesus”! Zeloso, o Comissário do Santo Ofício local acondicionou num tufo de algodão a referida imagem carbonizada e a despachou além-mar para que os próprios Delegados Inquisitoriais avaliassem o sacrilégio.
Solícitos em cortar o mal pela raiz, ordenaram os inquisidores a abertura de um Sumário – ordem que levou seis meses de viagem para chegar do Reino às margens do Tietê.
Aos 20 de agosto de 1743 teve início o inquérito secreto “em um corredor do Convento do Carmo da Vila de Itu”, desempenhando o cargo de comissário do Santo Ofício o Padre Miguel Dias Ferreira e como escrivão o carmelitano Frei Diogo Antunes. Dez testemunhas foram ouvidas e confirmaram as acusações dizendo, inclusive, que o cirurgião se regalava com comida e aguardente, só querendo comer toucinho com couves às sextas-feiras.
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Naquele tempo essa acusação era suficiente para levar o réu a uma eternidade de dias nas “chamas do purgatório”. Diante disso o Cirurgião Lucas da Costa Pereira foi condenado à pena de chibatadas e a 10 (dez) anos de exílio em Portugal.
Melhor sorte não teve o Tropeiro Luiz Carvalho Souto, também morador da Freguesia de Nossa Senhora da Penha de Araritaguaba (atual cidade de Porto Feliz) que, a exemplo do Cirurgião do Funchal, mantinha acesa nesse povoado a chama iluminista da “seita dos libertinos”, sendo acusado de comer carne nos dias proibidos e de não se confessar conforme ordenavam os severos mandamentos religiosos daquela época. Comprovadamente a Inquisição chamada de “santa” também praticou seus horrores na histórica Freguesia de Nossa Senhora da Penha de Araritaguaba, hoje a cidade de Porto Feliz!
Oh linda Terra de Araritaguaba / Das noites enluaradas / A reviver nas bandeiras / As tuas glórias passadas!
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