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Cotidiano
Cruzar o rio Anhangabaú, no fundo do vale, só era possível usando bondes puxados por animais
25/01/2022 às 15:31 atualizado em 25/01/2022 às 15:33
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Viaduto do chá em São Paulo | Priscila Nolasco/Folhapress
Juntamente com o aniversário de São Paulo, estão sendo celebrados os 130 anos do Viaduto do Chá. A ligação entre o velho e o novo na maior metrópole do Brasil passou pela transposição do Anhangabaú no fim do século retrasado.
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O vale que demarcava "os fundos" de São Paulo era então um limite, porque naturalmente exigia uma descida e uma subida para ser atravessado. Essa necessidade foi superada há mais de um século, com a construção do primeiro viaduto do Chá.
A São Paulo da segunda metade do século 19 vivia um ciclo de crescimento motivado pelo comércio do café e já dava mostras do que viria a ser. Entretanto, pelas suas características geográficas, era penoso deixar o que hoje conhecemos como centro velho para se lançar a oeste.
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Cruzar o rio Anhangabaú, no fundo do vale, era uma dura tarefa. Os bondes, por exemplo, eram puxados com o apoio de animais extras nas subidas das encostas.
A travessia se dava por duas pequenas pontes, sujeitas às enchentes. Faltava algo que conectasse, no mesmo nível, as duas margens do vale.
Em 1877, o litógrafo francês Jules Martin teve então a ideia de uma ligação direta entre a colina central e o bairro, no morro do Chá -onde se plantava chá da Índia.Com dinheiro da iniciativa privada, que já loteava as chácaras onde hoje estão bairros como Santa Cecília e Campos Elíseos, foi possível tirar o projeto do papel.
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"A proposta de Martin é de nivelamento, sem subidas e descidas, sem desconforto, com efeito paisagístico importante. É um projeto urbano sofisticado", afirma Renato Cymbalista, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.Foi em 1892 que a passagem ganhou uma forma muito diferente daquela que conhecemos hoje. O primeiro viaduto do Chá era uma estrutura metálica.
"A gente não fabricava estruturas metálicas no Brasil. Tudo veio da Alemanha. As peças eram numeradas de forma que se conseguisse entender para fazer a montagem", conta o engenheiro Rodrigo Bartholomeu Romano da Silva e Oliveira.
Em 2011, ele apresentou à Escola Politécnica da USP a dissertação de mestrado "Os Três Viadutos do Vale do Anhangabaú: Aspectos Históricos, Construtivos e Estruturais".
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A abordagem do tema surgiu pela curiosidade do engenheiro em relação aos métodos de construção de obras emblemáticas do passado e também por uma questão familiar, cheia das melhores memórias afetivas."Lembro muito de passear com meu pai pelo centro da cidade. O viaduto é um lugar de conexão com ele", conta.
Construções como a do viaduto do Chá se inserem em um contexto de expansão da cidade, que passou de quase 65 mil habitantes em 1890 para mais de 240 mil no início do século 20. Uma explosão populacional que mudou a cara da capital paulista.
Nos primeiros quatro anos, a travessia do Chá era paga -o viaduto ganhou até o apelido de Três Vinténs, valor cobrado dos pedestres nas cabines que ficavam em cada uma das extremidades. Foi só em 1896 que a Câmara aprovou a encampação, tornando a passagem gratuita.
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Até o início dos anos 1930, a antiga estrutura metálica dava conta do tráfego local. Mas logo foi se mostrando insuficiente.Foi por isso que a prefeitura decidiu então lançar um concurso para um novo projeto que viria a substituir o primeiro viaduto do Chá.
Venceu a proposta de Elisário da Cunha Bahiana, em 1935. A construção do novo foi feita enquanto o de 1892 ainda seguia em uso. A entrega se deu em 1938.Se o primeiro foi idealizado e projetado por franceses, com material alemão, o segundo já dava mostras da capacidade nacional de fazer grandes obras em concreto.
"Ele começa a mostrar o valor do corpo técnico do Brasil", conta Oliveira. "A gente sempre tem a ideia de desafiar limites. Vencer os obstáculos com o mínimo possível de estrutura", afirma o
engenheiro.
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O novo viaduto, com 66 metros de arco central e dois vãos laterais de 17,5 metros, construído em art déco, foi tombado integralmente pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) em 1992.
"Ainda hoje é muito importante", afirma Fátima Antunes, socióloga e pesquisadora do Departamento do Patrimônio Histórico do município.
Não há mais bondes, os endinheirados que pagavam pedágio para cruzar o viaduto se mudaram e até o centro financeiro da cidade se deslocou para outras bandas.
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Pelo asfalto, hoje passam trólebus, bicicletas e os mais variados veículos. Na calçada que leva à prefeitura, estátuas vivas, ambulantes e até quem lê o futuro sob uma sombrinha.
O fato é que o Chá ainda pulsa no coração da metrópole, mesmo com uns parafusos a menos no guarda-corpo corroído pelo tempo, com o brilho escondido pela falta de um lustre bem dado.
"Talvez fosse o caso de pensar naquela estrutura como um exemplo. Tem a obra viária, mas as cabeceiras são dois edifícios, com salões que já foram ocupados de várias formas", diz a pesquisadora.
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Entre os usos, a Galeria Prestes Maia e salões que abrigaram o restaurante da Liga das Senhoras Católicas, a Escola Municipal de Bailado e o Museu do Theatro Municipal.
Para além da memória afetiva de cada um e da relevância histórica para a capital paulista, o viaduto do Chá também é ponto turístico até para quem o conhece tão bem.
Vivendo na Austrália desde 2018, Oliveira tem o lugar como parada obrigatória ao visitar o Brasil, apesar dos problemas do entorno. "A região mais bonita de São Paulo é a central. Infelizmente, é degradada e insegura".
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