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Cotidiano

Hospital das Clínicas de SP: Cirurgias caem pela metade após pandemia

Procedimentos seguem represados por falta de pessoal e recursos financeiros, o que preocupa médicos pelo agravamento do quadro dos pacientes

Bruno Hoffmann

22/09/2021 às 12:00

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Hospital das Clínicas de São Paulo

Hospital das Clínicas de São Paulo | Divulgação/Governo do Estado de São Paulo

O Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo, maior complexo hospitalar da América Latina, não tem conseguido recuperar o número de cirurgias eletivas que fazia antes da pandemia, por falta de pessoal e recursos financeiros. Os procedimentos seguem represados, o que preocupa médicos da unidade pelo agravamento do quadro dos pacientes.

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Mesmo com a redução da demanda de internações por Covid, o hospital segue sem conseguir aumentar o número de cirurgias. Atualmente, o HC realiza, em média, 1.900 procedimentos eletivos por mês –em 2019, eram mais de 3.900.

Diretora clínica do HC, a médica e professora Eloísa Bonfá diz que a regularização dos atendimentos enfrenta um complexo desafio: além da falta de investimentos e contratações, houve uma explosão de pacientes com doenças crônicas descompensadas pela falta de atendimento médico durante a pandemia.

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"Hoje a demanda por atendimento é 20 vezes maior para outras doenças do que para Covid. A pandemia complicou a situação de pacientes crônicos que não foram atendidos nesse período. Situações que eram simples se tornaram graves. É preciso olhar para esse efeito e ver que é preciso ter mais investimento nos hospitais", diz.

Segundo Bonfá, o aumento do número de procedimentos cirúrgicos depende da ampliação de leitos, de espaço físico para acomodar os pacientes e a contratação de todo tipo de funcionário. Atualmente, o hospital tem um déficit de cerca de 2.000 servidores.

A diretora lembra que, mesmo antes da pandemia, o complexo já enfrentava problemas com a falta de reposição de servidores e novos investimentos. O jornal Folha de S.Paulo revelou que os investimentos na área da saúde caíram nos últimos anos em São Paulo durante a gestão do governador João Doria (PSDB).
Sem previsão para a normalização completa das cirurgias, os médicos relatam preocupação. Na última semana, a equipe de oftalmologia do Hospital das Clínicas de São Paulo teve de suspender por tempo indeterminado uma cirurgia de glaucoma congênito de uma criança por falta de leitos.

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No IOT (Instituto de Ortopedia e Traumatologia) do HC, a situação é a mesma. Crianças com deformidades congênitas, jovens e idosos estão na fila para cirurgias de trauma que podem demorar anos de espera.
A reportagem teve acesso a uma troca de mensagens de um grupo com oito professores de áreas cirúrgicas.

"Não estamos conseguindo prestar serviço digno aos pacientes. As filas de doenças cujo tratamento e prognóstico são tempo-dependente estão enormes. A marcação do glaucoma congênito está para janeiro; na retina, temos uma fila de pelo menos 30 casos que provavelmente ficarão cegos", comentou um professor de oftalmologia.

"Temos pacientes perdendo um membro inferior que poderia ser salvo. Não é pior do que ficar cego, mas é triste. Outros morrendo quando poderiam ter saído vivos [do hospital]. Muitos tumores tornando-se inoperáveis", comentou outro professor da área cirúrgica.

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Ele também expressa preocupação com eventual alta de demandas judiciais devido a esses atrasos. "Muitos desses pacientes já estão pedindo relatórios médicos de sua condição e explicações porque não estão sendo operados. Existe um grande risco de judicialização em futuro próximo."

Outro temor dos professores é com o ensino médico. "Além de não ter como atender pacientes, estamos ensinando aos alunos o descaso, o conformismo e a medicina ruim. Além de uma tolerância à frustração que não deve existir na nossa profissão", comentou um professor.

"Temos que achar soluções para não sermos coniventes e perdermos o respeito do cargo que ocupamos, dos médicos que confiam em nós, mas, sobretudo, para conosco mesmo por não termos tentado com a urgência que a situação exige", alertou outro.

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Bonfá diz entender e compartilhar a preocupação dos médicos da equipe, mas ressalta que a unidade está em busca de soluções.

Há expectativa da desativação de mais leitos de Covid na unidade com a queda de internações verificada no estado nos últimos meses. Assim, esses leitos poderão ser usados para atender pacientes com outras doenças.

Também está sendo feita a reforma do centro cirúrgico, o que deve levar a ampliação de salas cirúrgicas.
Outra medida é um aporte do governo paulista de R$ R$ 45 milhões para a contratação de equipes que irão atuar em cirurgias eletivas. Segundo Bonfá, o recurso emergencial foi negociado com o vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB).

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"Não irá resolver todo o nosso problema, todos os procedimentos que estão represados, mas ajuda a desafogar. Eu também gostaria que a resposta pudesse ser mais rápida, que as soluções fossem mais imediatas, mas é difícil nos reorganizar depois de toda a mobilização feita durante a pandemia ", diz a diretora.

O HC se tornou o maior hospital de atendimento a Covid do país, tendo recebido mais de 9.000 pacientes com casos graves e gravíssimos da doença –mais de 6.000 deles tiveram alta.

Com o aporte do governo estadual, prometido para outubro, Bonfá calcula que, apenas no Instituto Central, que concentra a maior parte das especialidades do complexo do HC, seja possível fazer mais 300 cirurgias eletivas por mês.

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Ela destaca que o aumento de investimentos será uma necessidade para os próximos anos, exatamente pelo agravamento dos problemas de saúde acumulados na pandemia.

"Uma paciente que em março de 2020 tinha um câncer de mama voltou depois de todos esses meses com metástase. A complexidade dos casos aumentou e, consequentemente, o custo dos tratamentos."

Em nota, a gestão Doria disse que a reportagem "se baseia em recorte desconectado da realidade do sistema de saúde, inegavelmente impactado pela pandemia, e opta por avaliar situações de forma parcial e sem considerar o momento atual, que é de retomada de todas as atividades, incluindo o atendimento não-Covid nos serviços públicos de saúde."

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O governo diz ter repassado R$ 2 bilhões, em 2020, para o HC. "Valor que representa aumento superior a R$ 113 milhões em comparação ao valor recebido no último ano da gestão anterior (2018). Novamente para este ano está previsto repasse superior a R$ 2 bilhões", afirmou a nota.

O governo disse ainda que fará um aporte extra de R$ 45,5 milhões para o HC ainda este ano, sem especificar o mês. O recurso visa "auxiliar na expansão do atendimento a outras patologias que foi impactado com a pandemia."

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