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Cotidiano
Pandemia faz prefeitura dobrar o contingente de agentes funerários de forma emergencial; sepultamentos estão concentrados nos cemitérios São Luís, na zona sul, e Vila Formosa, na zona leste de SP
10/04/2020 às 01:00 atualizado em 20/10/2021 às 13:45
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Agentes sepultadores, também conhecidos como coveiros, trabalham no cemitério da Vila Formosa, na zona leste da Capital, com proteção contra o coronavírus | /Marcello Zambrana/Agif/Folhapress
"Havia uma fila gigantesca no IML, em plena madrugada. Minha irmã viu carros e mais carros chegando cheios de corpos. O pessoal falando que não tinha mais lugar para colocar. A sensação foi horrível". O relato é da dentista Fernanda Winiawer Znamensky, que perdeu o pai diagnosticado com coronavírus na semana passada (leia relatos abaixo, editados pela Gazeta a partir de depoimentos de parentes das vítimas). A família dela, outras famílias e profissionais do serviço funerário confirmam: há um aumento considerável do número de mortes em São Paulo desde o início da pandemia do novo coronavírus.
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De acordo com o sepultador Manoel Norberto, dirigente do Sindicato dos Servidores Municipais de SP (Sindsep), a pandemia obrigou a prefeitura a dobrar o contingente de agentes funerários de forma emergencial. São 220 novos funcionários terceirizados, com contrato de seis meses. Há também a expectativa da chegada de outros 200 funcionários para a área administrativa. O número de automóveis disponíveis passou de 36 para 56.
Os enterros relacionados ao coronavírus, segundo ele, estão concentrados principalmente nos cemitérios São Luís (zona sul) e Vila Formosa (zona leste). "A média no Vila Formosa era de 35 a 38, e hoje é de 52 a 62 sepultamentos por dia", afirma. A prefeitura, por sua vez, informa que a média diária é de cerca de 250 e que, em março, foram em média 228 por dia. Ou seja, para a prefeitura, a média caiu durante a chegada da doença na Capital. A expectativa do Ministério da Saúde é que a Covid-19 alcance seu pico no Brasil entre os meses de abril e maio.
Em ao menos um cemitério particular, porém, há queda do número de sepultamentos. O gerente comercial do Cemitério Congonhas, Valdir Gabone, diz houve uma baixa na quantidade de enterros no local. "É que diminuíram muito as mortes por acidentes automobilísticos ou brigas", explica.
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Para Norberto, a gestão municipal não reconhece o aumento de sepultamentos para manter a calma na população. "A prefeitura está fazendo o papel dela de tentar evitar o alarde, de evitar mostrar que está perdendo o controle, mas estamos vendo no mundo o que está acontecendo. Não é uma situação só de São Paulo. É do mundo".
"Não teve nem 10 minutos de velório"
*Depoimento de Maria Helena Azevedo, radialista
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"Minha mãe tinha 87 anos e estava em quarentena total, só com contato com a cuidadora e uma vez com a fisioterapeuta. Um dia ela ficou com um pouco de falta de ar. Como minha mãe tinha enfisema e fumou a vida inteira, além de estar debilitada, era normal ela ter falta de ar de vez em quando. Fez inalação, tomou remédios, e melhorou um pouco. Mas à noite teve um apagão e precisou ir ao hospital de ambulância, e eu fui junto.
No hospital, as notícias foram chegando muito rapidamente: "Sua mãe foi intubada"; "Ela foi para a UTI e não pode receber visitas"; "Ela teve um parada cardiorrespiratória". Até que chegou a notícia de que ela havia morrido. Não pude vê-la.
Dois dias depois meu irmão reconheceu o corpo. Ele teve que fazer o reconhecimento meio de longe, não pôde chegar muito perto, e ela já estava no caixão.
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No Crematório da Vila Alpina, assinamos papéis e fomos próximo à sala de homenagem. Esperamos, esperamos, e nada. Fui na administração perguntar, e um cara me disse: 'Não, não tem homenagem, não tem nada. Acabou. O caixão chegou e já foi para o depósito. Está cheio de caixão aqui, está tudo impregnado. Para preservar a vida das pessoas não estamos fazendo nada. O que vocês podem fazer é vir buscar as cinzas'.
A causa da morte chegou quatro dias depois: era Covid. Minha mãe não tinha tido nenhum sintoma. Quando teve, morreu em 3 horas. Não teve nem 10 minutos de velório, não teve nada. A última vez que vi minha mãe foi na ambulância".
"Não pôde fazer velório, nada"
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*Depoimento de Fernanda Winiawer Znamensky, dentista
"Meu pai de 74 anos morreu após 9 dias de internação por Covid-19, foi tudo muito rápido. Moro na Nova Zelândia e não pude ajudar nas questões burocráticas. Minha irmã me disse que havia uma fila gigantesca no IML, em plena madrugada. Ela viu carros e mais carros chegando cheios de corpos. O pessoal falando que não tinha mais lugar para colocar. A sensação foi horrível.
A orientação do médico era para que cremasse. Entendi, se trata de uma pandemia. Mas somos judeus. Pela religião judaica, não podemos cremar. Não deu tempo de explicar nada nem para o hospital nem para o pessoal do IML. Não houve tanto problema por não sermos religiosos. Mas e as famílias que são?
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No crematório da Vila Alpina, minha irmã só assinou os papéis e avisaram a ela o dia de buscar as cinzas. Não pôde colocar qualquer roupa no meu pai, fazer velório, nada".
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