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Cotidiano

Bolsonaro pediu que Enem trocasse Golpe de 1964 por revolução em questões, dizem servidores

O presidente Jair Bolsonaro, pediu para o ministro da Educação, Milton Ribeiro, para que trocasse ''Golpe Militar de 1964'' para ''Revolução'', em questões que falassem do Golpe Militar de 1964

19/11/2021 às 14:07  atualizado em 19/11/2021 às 14:08

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Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro | José Dias/PR/AB

O desejo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de deixar o Enem com "a cara do governo" incluiu um pedido, feito ao ministro da Educação, Milton Ribeiro, para que houvesse questões que tratassem o Golpe Militar de 1964 como uma revolução.

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Às vésperas do exame, o governo passa por uma crise que envolve denúncias de interferência em conteúdo e assédio moral de servidores.

O pedido de Bolsonaro teria ocorrido no primeiro semestre, segundo relatos de integrantes do governo.

Ribeiro chegou a comentar a fala com equipes do MEC (Ministério da Educação) e do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), mas não levou o pedido adiante de modo prático, uma vez que os itens passam por longo processo de elaboração. 

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Capitão reformado, Bolsonaro é defensor da ditadura militar (1964-1985), elogia torturadores e tem histórico de criticar o Enem por uma suposta abordagem de esquerda.

Após denúncias de interferência na prova por parte dos servidores, ele disse nesta semana que o exame começava a ficar com a "cara do governo" e voltou a criticar a prova.

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A visão de Bolsonaro contraria os fatos e a historiografia, que apontam o movimento de 1964 como um golpe militar ou civil-militar, na visão de alguns historiadores.

Desde 2019, primeiro ano do atual governo, nenhuma questão sobre o a ditadura caiu no Enem –de modo inédito desde que o exame é aplicado. Questionados, MEC, Inep e Palácio do Planalto não responderam.

Por causa da pressão por uma prova com a "cara do governo", servidores envolvidos com o Enem classificam o clima atual como desesperador: há temor com relação a possíveis perseguições e punições caso o exame desagrade Bolsonaro.

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No último Enem, por exemplo, o presidente criticou uma questão que falava da diferença salarial entre os jogadores Neymar e Marta. Para ele, o tema seria ideológico.

Segundo servidores ouvidos pela reportagem, o presidente do Inep, Danilo Dupas Ribeiro, e o ministro não teriam tido acesso à prova durante a elaboração e nem à versão final. Também não teriam determinado exclusão de itens específicos, apesar da pressão pública e velada para enquadrar o exame e evitar questões consideradas de esquerda.

A Frente Parlamentar Mista de Educação tem cobrado o MEC e vai realizar, com entidades estudantis (Ubes e UNE), uma blitz para acompanhar a aplicação do Enem.

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"A preocupação maior é com desmonte profundo que o governo busca no Inep e que fica claro na prova do Enem", disse o deputado Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da frente.

Desde o início deste governo há pressão para que a prova elimine temas que o presidente e apoiadores conservadores entendem como inadequados -por exemplo, ditadura, questões de gênero e até racismo.

A pressão ganhou proporções inéditas na gestão de Dupas Ribeiro à frente do Inep e de Milton Ribeiro no MEC. Ambos reforçaram recados e pressões: questões entendidas como subjetivas teriam de ser suprimidas.
Segundo relatos colhidos pela reportagem, as equipes envolvidas na elaboração da prova buscaram equilíbrio entre essa pressão, o atendimento à matriz de conteúdos do Enem e a coerência estatística da prova.

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No meio do ano, uma nota técnica foi elaborada pela área responsável pelo Enem para determinar que a prova respeite essa matriz. Isso foi interpretado como um respaldo aos técnicos na escolha das questões técnica e pedagogicamente melhores.

Os itens do Enem são produzidos por professores por meio de editais públicos, e passam por longo processo de produção e calibragem de dificuldades. Depois, integram o Banco Nacional de Itens.

Técnicos do Inep afirmam que seria impossível, inclusive, atender ao pedido de Bolsonaro sobre contemplar a visão de que o golpe foi uma revolução também por causa desse processo –além de ela não ter amparo histórico.

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Como o modelo de elaboração do Enem prevê calibragem das perguntas por nível de dificuldade, entre outros parâmetros, a versão final da prova depende da composição do conjunto.

Um fato estrutural relacionado a isso impede o atendimento do plano integral do governo: a escassez de itens prontos impede muitas trocas de questões. Não há produção e pré-testes de novos itens desde 2019.

Denúncias, reveladas pelo programa Fantástico, da TV Globo, indicam que ao menos 20 itens foram suprimidos da versão inicial.

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Segundo relatos de quem teve acesso ao material, várias questões retiradas na primeira leitura tiveram de voltar para a prova principal para garantir a robustez da avaliação. Outros foram integrados à outra prova que será aplicada para pessoas privados de liberdade.

O Enem 2021 começa no próximo domingo (21).

Neste mês, o Inep, que organiza o exame, passou por uma debandada: 37 servidores entregaram cargos de chefia citando "fragilidade técnica e administrativa da atual gestão".

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O MEC minimiza a movimentação e diz que os pedidos de demissão têm relação com mudanças em pagamentos de gratificações, o que é negado pela equipe.

Ao menos outros 54 servidores assinaram ofício de apoio aos demissionários e cobrando o MEC.

Em 2019, o Inep criou uma comissão que censurou questões do Enem. Esse grupo foi responsável por vetar questões sobre ditadura, por exemplo.

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Em junho deste ano, a Folha de S.Paulo revelou que uma portaria do Inep estabelecia uma espécie de "tribunal ideológico", com a criação de uma nova instância permanente de análise dos itens das avaliações da educação básica.

O documento falava em não permitir "questões subjetivas" e atenção a "valores morais" e ia contra posicionamento técnico do próprio Inep.

O MPF (Ministério Público Federal), ao comprovar as informações da reportagem, já recomendou que o governo Bolsonaro se abstenha de criar esse filtro ideológico.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão considerou que o ato pode representar ataque à liberdade de expressão e ao pluralismo de ideias.

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