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'Quero mostrar a São Paulo dos extremos', diz Coruja BC1 sobre novo álbum

Em entrevista à Gazeta, o rapper revela como as alegrias e dificuldades de infância moldaram sua obra, ancestralidade e anseios artísticos para o futuro

Natália Brito

13/07/2023 às 09:30  atualizado em 13/07/2023 às 15:24

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Coruja BC1 fala sobre sua trajetória no rap

Coruja BC1 fala sobre sua trajetória no rap | Divulgação

O rapper Coruja BC1, 29 anos, passou o início da sua infância no bairro de Munhoz Junior, em Osasco, na região metropolitana de São Paulo. Naquelas ruas teve suas primeiras referências musicais, de alegria e de luta. Durante a adolescência, morou em Bauru, onde viveu fortemente o hip hop, dançou break e se apaixonou ainda mais pela cultura tão popular nas periferias do Brasil e mundo afora.

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Em entrevista exclusiva à Gazeta, o artista, que lançou recentemente o EP “Versão Brasileira VOL.1”, resgata e valoriza a cultura musical dos extremos de São Paulo, com uma influência forte do funk. “Esse EP tem uma pretensão de ser a cara da São Paulo invisível. Não a São Paulo da Vila Madalena”, ressalta o cantor. 

Coruja fala também sobre a construção do seu repertório musical, com uma herança forte dos seus pais nordestinos e de um avô repentista e apaixonado por samba, que o influênciou desde a infância: “Ele tinha uma vontade de me fazer ser sambista, ele me deu o pandeiro, me deu o cavaquinho, eu ainda criança assim, ele já incentivava muito.”

Além do samba, o rapper ressalta a importância dos Racionais MC's na sua história - ele regravou durante a pandemia a música “Voz Ativa”, um dos clássicos do grupo. “Antes da Marvel, antes da DC, meus primeiros heróis foram os Racionais”.

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Coruja BC1 fala sobre sua trajetória no rapNascido em Osasco, o rapper fala sobre valorizar suas raízes/Divulgação

Leia a entrevista:

Como foi sua infância na periferia de Osasco, e qual impacto da cidade na sua música? 

Minha arte é, nada mais nada menos, do que é minha vida também, tá ligado? Por se tratar disso, acredito que não teria como não impactar. A minha infância foi marcada por coisas não muito boas, por um contexto de violência. Eu vi meu pai tomar seis tiros e eu tinha seis anos de idade. Eu tinha seis anos e já tinha visto muita gente morrer. Isso não é saudável pra uma criança em nenhum lugar do mundo. Ao mesmo tempo, considero que sou muito abençoado e muito guiado pelos deuses também, pela espiritualidade, porque a gente ter uma vida difícil e ainda conseguir extrair disso algo para passar de positivo é um desafio muito grande. Eu acho que nesse álbum eu consegui fazer isso.

O que formou seu gosto musical?

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Uma salada mista mesmo musical,  tenho bastante referências diferentes. Por exemplo, sou de família migrante dos dois lados, meu pai veio do Maranhão e os meus avós maternos vieram do Recife. Meu avô materno tinha uma cultura do repente muito forte, uma cultura do improviso, e ao mesmo tempo gostava muito de samba. Quando ele veio para São Paulo ficou muito aficionado por samba, ele tinha uma vontade de me fazer ser sambista, me deu o pandeiro, me deu o cavaquinho, eu ainda criança assim, ele já incentivava muito.

Seu pai gostava de black music, é verdade?

O meu pai é um homem negro, então a gente escutava muito Jorge Ben, Tim Maia Cassiano, Wilson Simonal, Tony Tornado. Tive uma influência muito grande da black music dele, e sou muito influenciado por diversos diversos gêneros musicais. Além do hip hop, que é minha maior paixão, o que me influenciou muito foi a black music. Os terreiros de Candomblé, o samba, o funk, o rap e o forró, esses são os gêneros que me influenciaram de verdade, que construíram a minha forma de enxergar a música. Sou um cara muito percussivo, e acho que até por essa bagagem musical que valoriza muito a percussão, o ritmo, a ginga.

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Você falou sobre espiritualidade. Você é do candomblé?

Não sou do candomblé, mas fiz parte da religião do candomblé por muito tempo. Então não tem como falar que o candomblé não influenciou. Mas sou de uma religião africana chamada Ìsésé Làgbá, que também se pode chamar de Culto Tradicional Iorubá. Inclusive, candomblé é uma vertente desse culto no Brasil.

Eu respeito muito as religiões de matriz africana, e a minha ancestralidade, é o que eu cultuo. Eu falo inclusive que a minha música é um movimento de culto a ancestralidade, é um movimento de resgate, de elevar o meu Ori. Eu acredito muito nisso.

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Como o Racionais influenciaram sua adolescência e seu começo no rap? 

Sou muito viciado em quadrinhos. Quando minha mãe era empregada doméstica, a gente atravessava a cidade inteira e ela faxinava um apê de um cara que era muito boyzão. Esse cara tinha muitos quadrinhos, ele deixava ficar lendo, ali nasceu uma paixão por quadrinhos. Mas antes dos quadrinhos, antes da Marvel, antes da DC, antes de qualquer outra coisa, meus primeiros heróis foram os Racionais, tá ligado?  A primeira vez que eu vi o Racionais foi no quarto, no meu barraco de madeira, minha irmã tava assistindo "VMB" [premiação da MTV brasileira]. Naquele ano eles ganharam com “Sobrevivendo no Inferno”. E ali foi muito impactante para mim. Foi quando me apaixonei por rap, que me apaixonei pela atitude, pelo discurso. Se me perguntarem quem são seus primeiros heróis, eu não vou citar ninguém, cara, eu vou citar Racionais, eles foram meus primeiros heróis.

Você regravou “Voz Ativa”, um dos grandes sucessos do Racionais MC’s, junto com o Dexter e Djonga. Como foi receber esse convite? 

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Regravar “Voz Ativa” foi um momento em que o destino falou assim: "Você tá no caminho certo'". Tipo, as pessoas que te influenciaram te respeitam, tá ligado? Ter sido chamado pelo [Mano] Brown e pelo Dexter, que são duas referências para mim para gravar uma música desse peso, uma música superimportante naquele momento e também para mim. Além disso foi ver que os meus professores me veem como uma pessoa séria dentro do que faço. A gente vai regravar uma música que fala sobre racismo, sobre empoderamento, e "quem que a gente chama? Vamos chamar o Coruja". O Brown não me chamaria para gravar uma parada se ele não acreditasse no meu projeto, na minha pessoa. Isso é muito gratificante.

O novo álbum "Versão Brasileira, Vol.1" tem uma sonoridade muito diferente do álbum de 2021, o  "Brasil Futurista". Como foi essa mudança?

Cada álbum sintetiza um momento e um contexto social. Eu não consigo fugir disso porque vim disso. Sou um artista que narra o contemporâneo, e que busca sempre narrar o que acontece no cotidiano das pessoas, e principalmente das pessoas que são invisibilizadas, igual eu fui a maioria da minha vida. Igual me sinto às vezes até neste momento da minha vida. O “Brasil Futurista” era um outro momento, um outro contexto político, mas também era um álbum que buscava falar sobre a pluralidade rítmica do nosso país, que é um país de tamanho continental. Peguei um pouco do maracatu, um pouco do samba carioca, um pouco do pagodão baiano. Eu tava ali sintetizando o Brasil.

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No “Versão Brasileira” eu não tive essa pretensão, eu queria mostrar a São Paulo invisível, eu queria mostrar a São Paulo dos extremos, dos lugares de onde eu vim. 

Capa do EP Versão Brasileira Vol.1

Capa do EP Versão Brasileira Vol.1/Divulgação

E como foi a produção do EP Versão Brasileira, Vol.1?

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A maioria ali são toques e ritmos muito aqui de São Paulo, de formas de fazer funk de São Paulo, e samples de clássicos do rap paulistano. Eu queria fazer um disco que fosse a cara de São Paulo, esse EP tem uma pretensão de ser a cara da São Paulo invisível. Não a São Paulo da Vila Madalena, da avenida Paulista e de Pinheiros, que é a São Paulo que a galera que cola de fora acha que só tem esses lugares. Não, mano, existe uma São Paulo invisibilizada, que é São Paulo da onde eu venho, tá ligado? Fazia tempo que sentia falta muito de um disco que batesse no peito falasse "eu sou de São Paulo. Eu sou dessa São Paulo aqui, é a São Paulo que vocês não olha". É o que meus professores fizeram, o que o Racionais fez em “Nada Como um Dia Após Outro Dia”. Ao mesmo tempo, não falar só das nossas aflições, mas falar também de tudo que o lugar da onde a gente veio tem a oferecer. Porque tem muita dor, mas também tem muito sorriso, tem muito batalhador, tem muita vontade de vencer, tem muita gana, tem muita garra no que a gente faz, eu queria transmitir isso através da sonoridade nesse projeto.

Esse é um disco com temática política, então?

Considero esse o meu disco mais político, é um disco que a galera pode achar que não, mas é meu disco mais político, porque nele eu também me permito ao sorriso, tá ligado? Eu acho sorrir, eu acho o curtir, eu acho o manifestar também uma revolução, talvez a maior revolução que uma pessoa que veio da onde eu venho, com as características que eu tenho, possa transmitir para esse mundo. Tipo assim, minha infância impacta até hoje em tudo que eu faço.

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Como você começou na música?

Eu não comecei pelo rap. Quando eu era muito criança, eu tinha 4 anos, eu recebi um pandeiro, e eu não comecei escrevendo, é muito engraçado falar isso. Eu achava que as músicas eram feitas todas de improvisos, minha maior decepção foi descobrir que não era. O primeiro rap que eu escrevi eu tinha 8 ou 9 anos, era bem ruinzinho, mas foi a primeira vez. Tenho uma sorte: o que escolhi fazer faço desde quando eu era criança. Isso é um privilégio, me sinto até velho às vezes.

Qual são as diferenças do rap nacional dos anos 90 para o atual?

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São lutas diferentes, são contextos diferentes sociais. A geração que me antecedeu, a primeira, era tudo mato para ela. Não tinha ninguém, não tinha internet, não tinha nada, eles tinham que ser as próprias referências deles, mesmo sabendo que eles tinham referências, mas tinham que desbravar mais. Aí veio uma outra geração que a gente tava num contexto político brasileiro supercomplexo, onde a periferia não tinha voz. Os noticiários não falavam por nós, pelo contrário, eles nos depreciavam. O bairro de onde eu vim, inclusive, era um dos mais violentos de São Paulo. 

As gerações passadas, é importante dizer, cumpriram bem o dever delas. Deixaram que fosse menos penoso para essas gerações que estão chegando. De certa forma quando eu cheguei já tinha algum asfalto, mas também tinha a rua de terra. Agora, eu sinto que a avenida já tá asfaltada, tá ligado? A rua já tá asfaltada, agora só falta abrir a rodovia.

Como você enxerga as novas gerações que estão vindo?

O dever de todo mundo é fazer com que a próxima geração sofra menos do que a gente, tenha mais espaço, tenha mais acessibilidade. Sou muito grato a geração passada e sou muito grato também às gerações que estão vindo, que são importantes também para apontar novos pontos de vista. Cada geração tem suas rebeldias, seus anseios, e suas angústias para se mostrar, e todas merecem ser ouvidas, e com respeito. A juventude sempre aponta. Quem vai vir depois vai apontar para lugares que às vezes eu não consegui enxergar. A gente precisa ter essa maturidade de entender.

Coruja BC1 fala sobre sua trajetória no rapCoruja fala sobre paixão pela cultura Hip Hop/Divulgação

O que você espera da sua carreira daqui para frente, e o que te move a continuar?

Sou completamente apaixonado por essa cultura, tudo que eu tenho devo ao hip hop. As viagens que fiz, as conexões que tenho, o rap possibilitou que eu saísse da minha quebrada e viajasse o mundo. O rap possibilitou que eu fosse um cara respeitado por intelectuais que talvez nem olharia para mim se eu não fizesse rap. Permitiu que eu me conectasse a meus ídolos. O que me motiva é essa paixão. Sou um cara completamente apaixonado pela música. Eu me movo por isso, eu acordo por isso, eu trabalho por isso. É pelo dinheiro também, eu não vivo de brisa, eu gosto de dinheiro, inclusive. Eu preciso dizer isso porque o meu contexto é outro, eu sou um cara favelado, tá ligado? Eu sei as consequências que a falta de grana faz, então eu quero dinheiro sim, é o meu trabalho, mas não é só dinheiro. É amor também, é paixão, é vontade de fazer a parada acontecer, eu tenho tesão pelo que faço. Eu espero agora continuar construindo um caminho, não só pensando em um EP, ou um álbum, mas pensando em discografia, pensar em carreira para daqui 30 anos, e eu ainda estar fazendo essa parada. Eu quero ser Coltrane, não quero ser P. O. Box, tá ligado? Esse é o meu objetivo no rolê. 

*Estagiária, sob supervisão de Bruno Hoffmann

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